Um boom na demanda por energia limpa após a vitória de Joe Biden nos Estados Unidos fez bombar dois ETFs temáticos da BlackRock — cujos ativos saltaram de US$ 760 milhões no começo de 2020 para pouco mais de US$ 10 bilhões.
Mas a porta dos veículos para colocar a tese de investimento em prática vem se mostrando muito estreita (e um tanto datada).
Os dois fundos seguem um índice da S&P, o Global Clean Energy Index, que tem apenas 30 ações, o que fez com que a BlackRock, responsável pelos ETFs, ficasse com uma participação relativamente grande em ações que não necessariamente têm muita liquidez.
Agora, uma ampla recalibragem do índice, prevista para entrar em vigor no próximo mês, pode causar algumas distorções de mercado nas ações constituintes, que incluem as brasileiras Cemig e Copel.
Segundo um relatório do Société Générale, os ETFs podem ter que descarregar mais de 10% do ‘free float’ de algumas companhias, se o rebalanceamento acontecer como está proposto no próximo mês.
Hoje, o iShares Global Clean Energy ETF (ICLN) e seu equivalente europeu (INRG) têm uma participação de mais de 6% em pelo menos 14 das 30 empresas que fazem parte do seu portfólio.
A BlackRock tem 15,20% das ações preferenciais e 10% do capital total da Cemig. Na Copel, essas fatias são de 17,9% das preferenciais classe B e 8,22% do total de ações.
Não é possível cravar que a participação venha toda dos ETFs de energia limpa e não de outros veículos da gestora. Mas o timing sugere uma correlação forte: o tamanho das posições disparou no segundo semestre do ano passado, exatamente quando houve o boom da tese da energia limpa.
“A Copel está com desempenho forte e tem se descolado dos pares, em parte por um bom desempenho micro. Mas tem havido bastante distorção no mercado por conta de ETFs e fundos passivos”, reconhece um gestor brasileiro.
A carteiras do índice passa por ajustes todos os anos, mas desta vez a reforma será mais ampla justamente para atualizar seus critérios e reduzir distorções.
Nos cálculos do SocGen, se a última proposta de rebalanceamento que está em consulta pública for levada a cabo, a BlackRock precisaria se desfazer de US$ 248 milhões em ações preferenciais da Cemig, o equivalente a 57,7% dos ADRs (recibos de ações negociados em Nova York) que estão em circulação no mercado.
O banco não deu informações do impacto sobre Copel, que hoje tem uma participação de 1,54% no índice. Os cálculos constam numa nota enviada pelo banco francês a clientes, à qual o Financial Times teve acesso.
A situação é mais dramática para a Meridian Energy e a Contact Energy, pequenas companhias de energia renovável da Nova Zelândia, com pouca liquidez, em que as vendas para cumprir a recalibragem seriam equivalentes a quase 50 dias de negociação das ações.
Hedge funds costumam ficar de olho nesses ajustes de carteira para comprar na frente as ações que podem entrar no índice ou vender a descoberto aquelas que podem sair, de forma a antecipar possíveis movimentos técnicos de alta ou baixa causados pelo grande volume de entrada ou saída de recursos.
Ampliando o escopo
“O problema vem de um coquetel de grandes fluxos de dinheiro em ETFs que replicam um índice lançado há 14 anos, cujas regras parecem não se aplicar mais ao número de ativos hoje em posse de ETFs”, disse o SocGen na nota enviada aos clientes.
“As regras do índice levaram a uma concentração relativamente alta, e a seleção de algumas ações com pouca liquidez e o grande peso de small caps à custa de large caps.”
A S&P Dow Jones, responsável pelo índice, ainda não bateu o martelo na metodologia final de rebalanceamento. Desde fevereiro, três propostas de metodologia já foram levadas ao mercado — a última na semana passada, que pretende ampliar o número de empresas de 30 para cerca de 77, de acordo como Société Générale.
Mas, mesmo se for levada a cabo, essa última proposta não deve ser definitiva.
A S&P já sinalizou sua intenção de conduzir novas consultas após as mudanças de abril para expandir o índice de energia limpa para áreas como combustíveis alternativos, armazenamento de energia, eficiência energética e smart grids.
Os percalços dos ETFs de energia limpa mostram os desafios que podem ser enfrentados pelos fundos de índice temáticos, muitos dos quais perseguem nichos bastante específicos.
“Este é o primeiro desses fundos temáticos bastante restritos que está tendo esses problemas, mas não será o último”, disse Kenneth Lamont, analista de fundos para estratégias passivas da Morningstar, ao Financial Times.
Ao jornal britânico, a BlackRock disse que atualizações de metodologia são comuns e que estava se engajando com a S&P sobre o assunto.
“Nós constantemente monitoramos a qualidade de nossos produtos e trabalhamos com os provedores dos índices para avaliá-los conforme o mercado evolui. Estamos satisfeitos em ver o índice se expandindo para refletir uma mudança na dinâmica de mercado e o crescimento do universo de investimento e esperamos pelo resultado final da consulta prevista para o fim deste mês”, disse a gestora.
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