Os sustainability-linked bonds (SLBs) com metas em linha com a ciência do clima representam apenas 17% do mercado de US$ 279,4 bilhões ao redor do mundo. É o que mostra um estudo recém-publicado que analisou pela primeira vez o desempenho desses títulos na descarbonização.
Os SLBs são um tipo de dívida ESG na qual o emissor se compromete a atingir determinadas metas ambientais ou sociais em um prazo definido, em troca de taxa de juros mais baixa.
A Climate Bonds Initiative, uma entidade sem fins lucrativos cujo objetivo é incentivar o financiamento climático, avaliou se os títulos estavam alinhados com a trajetória indicada pela ciência que limitaria o aquecimento global a bem menos que 2ºC.
No total, US$ 47,2 bi receberam esse carimbo de qualidade. Outros US$ 232,2 bi não passaram por todas as peneiras da organização.
A CBI traçou um funil de perguntas para categorizar as operações. O primeiro critério de eliminação foi o tipo de SLB. Alguns têm metas para ampliar a diversidade racial ou de gênero no conselho das empresas, por exemplo, mas nada relacionado ao clima.
Este primeiro filtro tirou de saída pouco mais de um quarto do total da base estudada, ou o correspondente a US$ 73,3 bi – eram bonds sem nenhum indicador ligado às emissões de gases de efeito estufa.
Um problema ainda maior foi identificado nas operações que se propõem a contribuir para a descarbonização, mas ficam aquém do que seria necessário para evitar as piores consequências da mudança climática, de acordo com a análise.
“O mercado atual de SLB contém uma grande parcela de operações de baixa qualidade, nas quais falta ambição, credibilidade, transparência adequada [de dados] – questões que são ainda mais acentuadas entre os empréstimos atrelados à sustentabilidade [SLL, na sigla em inglês]”, diz o estudo.
De todas as emissões realizadas desde dezembro de 2018, quando foi emitido o primeiro SLB na China, US$ 110,5 bi (39,5%) cobrem apenas parcialmente as emissões de GEE. Na prática, isso significa deixar de fora o escopo 3, de emissões indiretas.
Sete dos dez maiores emissores de SLBs do mundo caem nesse grupo. É o caso da Enel, que lidera o ranking com US$ 31,1 bi emitidos, e da brasileira JBS, que fica na 9ª posição, com US$ 3,2 bi. Em diversos setores, é o escopo 3 que concentra o maior desafio de descarbonização para as empresas.
“O que o relatório traz do cenário global é muito parecido com o que vemos aqui no Brasil, como a escolha de indicadores que não são relevantes para o setor ou até o são, mas com uma estrutura que facilita o cumprimento das metas pela empresa”, diz Gustavo Pimentel, sócio-fundador e CEO da ERM Nint, consultora e avaliadora de finanças sustentáveis.
Na definição de indicadores, é preciso selecionar aqueles que causem um impacto positivo com seu resultado, e não que recompensem apenas o esforço, diz Pimentel. “Eles precisam ser finalísticos. É dar uma mesada para uma criança por ter tirado 10 na prova, não só por ter estudado duas horas”.
Ainda no grupo que está desalinhado da ciência climática, estão US$ 20,9 bi (7,5%) pela falta de transparência em relação às metas, US$ 11,9 bi (4,2%) por não se encaixar nas estratégias de descarbonização importantes para o setor e US$ 6,1 bi (2,2%) por se encaixar apenas parcialmente.
Os desafios da inovação
Os SLBs são vistos como uma ferramenta complementar aos green bonds, cujos recursos são carimbados para projetos específicos ligados à questão ambiental e climática, ao possibilitar que empresas de setores mais intensivos em carbono, como indústria ou óleo e gás, também acessem esse instrumento.
No entanto, os sustainability-linked bonds são alvos frequentes de críticas por abrir margem para greenwashing. Os emissores podem estabelecer metas sem ambição, e com penalidades mínimas.
“Mas os problemas residem em características estruturais e de calibração inadequadas e em por se basearem em planos de transição fracos de empresas – e não no conceito de emissões ligadas à sustentabilidade”, diz o estudo do CBI.
Criado há pouco mais de cinco anos, o mercado dos SLBs ainda é novo. As operações atingiram o ápice em 2021, mas recuaram nos anos seguintes.
As empresas dominam as emissões de SLBs, mas aos poucos o instrumento também entra no cardápio de opções de Estados. Em 2022, pela primeira vez, Chile e Uruguai emitiram SLBs soberanos – o Brasil já demonstrou interesse em fazer uma operação semelhante.
O rápido crescimento combinado a princípios e diretrizes bem amplos deixaram a qualidade e o impacto positivo bem abaixo do potencial desse mercado, diz Pimentel. “A diferença de padrão entre os avaliadores externos gerou uma certa corrida por parte das empresas, enquanto todo mundo era novo no mercado, que ainda não tinha metodologias consolidadas nem histórico”.
“Podemos melhorar esse mercado sem matá-lo. Essa é a primeira geração de SLBs”, diz Pimentel.