Os fundos soberanos de riqueza (FSR) não são instrumentos novos na arena internacional. Em sua maioria, eles têm recursos advindos de superávits comerciais de países exportadores de matérias-primas, mas não apenas, como é o caso dos fundos não-commodities da China e de Cingapura.
Em 2023, havia cerca de 100 fundos soberanos espalhados por mais de 50 países, administrando entre US$ 8 trilhões e US$ 10 trilhões em ativos. No caso brasileiro, desde 2017 alguns Estados e municípios iniciaram um percurso inovador de gestão de recursos de royalties e participações especiais relacionados à produção de petróleo, gás e minério de ferro.
Hoje, existem oito iniciativas no país: o Fundo Soberano do Espírito Santo (Funses); o Fundo Soberano do Rio de Janeiro (Funserj); o Fundo de Equalização da Receita de Niterói (FER); o Fundo Soberano de Maricá (FSM); o Fundo Soberano de Ilhabela; o Fundo Soberano de Conceição do Mato Dentro; o Fundo Soberano de Congonhas; e o Fundo Soberano de Itabira. Em conjunto, eles administram cerca de R$ 7 bilhões em ativos e contam com enorme potencial de crescimento nos próximos anos.
Os objetivos de longo prazo de cada fundo extrapolam mandatos políticos, o que simboliza o compromisso dos gestores com as gerações futuras, para além dos eventuais dividendos eleitorais que possam colher a cada quatro anos.
Como desafios comuns, podemos citar aqueles relacionados à construção de modelos de governança adequados, normas e procedimentos, políticas para a alocação de carteira, regulamentação e insegurança jurídica, entre outros.
Para auxiliar a busca por saídas para esses e outros entraves, em 2021 foi criado o Fórum de Fundos Soberanos Brasileiros (FFSB). Essa iniciativa, atualmente sediada na Universidade Federal Fluminense, trabalha junto aos gestores públicos, reguladores, agentes privados, comunidade acadêmica e outros no acompanhamento, análise e difusão de instrumentos, boas práticas e construções de capacidades que permitam otimizar a administração desses recursos.
O fórum conta com apoio do Jain Family Institute (JFI), uma organização de pesquisa aplicada sem fins lucrativos, sediada em Nova York, que visa estabelecer sinergias entre os gestores desses fundos subnacionais e outros atores relevantes no cenário nacional e internacional.
Financiamento climático
Um dos principais anseios dos fundos subnacionais atualmente em operação é contribuir para a viabilização de projetos estruturantes em âmbito local ou regional. Nesse sentido, associá-los com a agenda climática oferece enormes oportunidades de promoção de empreendimentos sustentáveis e resilientes para superar o falso dilema entre “gastar no momento ou poupar para o futuro”.
Na prática, é preciso que os fundos possam participar do ecossistema de investimentos sustentáveis no presente, enquanto transformam uma riqueza finita em riqueza perene, inclusive multiplicando-a com os retornos dos investimentos.
Essa temática tem sido recorrente no âmbito do International Forum of Sovereign Wealth Funds (IFSWF), entidade que reúne cerca de 40 fundos ao redor mundo e à qual o fórum brasileiro é filiado.
A transição para uma economia com neutralidade de carbono vem sendo assunto central na agenda do IFSWF, e as oportunidades de investimento na América Latina – região com vantagens comparativas evidentes quando se trata de preservação, mitigação e energia limpa – se tornaram objeto de atenção dos grandes fundos globais.
Em maio, o IFSWF promoveu um workshop em Madri, na Espanha, com representantes das áreas de sustentabilidade de fundos da América Latina, Europa, África e Ásia. Nesse espaço privilegiado de intercâmbio, a aproximação dos fundos subnacionais brasileiros com as discussões globais permitiu uma profícua troca de conhecimentos com gestores de fundos que ultrapassam a casa de US$ 1 trilhão em ativos.
O tema principal do evento foi o financiamento da transição energética. Partiu-se do pressuposto de que é preciso aproveitar o papel indutor do Estado para atrair capital privado na desafiadora tarefa de financiar as diversas transições necessárias.
As metas para zerar as emissões de gases de efeito estufa até 2050, pactuadas no Acordo de Paris, também pautaram os debates, tendo em vista que um número crescente de entidades corporativas tem anunciado suas próprias metas de descarbonização.
Neste contexto, os fundos soberanos precisarão ser capazes de avaliar a qualidade e a credibilidade dos planos das empresas em que investem, assim como sua capacidade de adaptar seus modelos de negócio.
Compartilhando riscos
Os fundos internacionais também estão atentos à necessidade de compartilhamento de riscos com outros atores financeiros em estruturas de blended finance, cofinanciamento, financiamento híbrido etc.
A forma de utilização de instrumentos como dívidas verdes e azuis e de cotas de participação em fundos de investimento sustentáveis tem gerado grande interesse, pois atendem perfeitamente a esse perfil de investidor.
Por fim, a promoção de investimentos de impacto depende da capacidade dos fundos de relatar os impactos ambientais, sociais e econômicos de suas atividades. A gestão das operações do setor privado, assim como a adoção de práticas de sustentabilidade, medição e monitoramento, têm recebido especial atenção de gestores públicos e privados.
Os fundos subnacionais brasileiros estão muito bem posicionados para participar de maneira efetiva dessa mudança de paradigmas, construindo seu compromisso com a sustentabilidade social e ambiental nos Estados e municípios.
O atual estágio das finanças sustentáveis no Brasil é um trunfo importante. Iniciativas como a regulamentação do mercado de crédito de carbono, as emissões de títulos soberanos sustentáveis e a taxonomia sustentável brasileira são aliadas importantes para o desenvolvimento de novos instrumentos financeiros no Brasil.
Ademais, a aprovação no Congresso Nacional do Projeto de Lei (6235/2023) das Letras de Crédito de Desenvolvimento (LCDs) pode dar um novo fôlego ao sistema de fomento nacional, parceiro crucial dos fundos subnacionais. A legislação prevê que o CMN deverá ser autorizado a versar sobre a regulamentação de fundos subnacionais, hoje carentes de uma resolução específica, o que gera inseguranças jurídicas de distintas naturezas.
Esse e outros temas serão debatidos em evento que será realizado na Casa G20, no Rio de Janeiro, nesta sexta-feira 9 de agosto, e que contará com especialistas nacionais e internacionais. O objetivo é favorecer a troca de experiências e reflexões sobre o papel que os fundos soberanos podem cumprir para promoção do desenvolvimento econômico, social e ambiental e iniciar uma trilha de investimentos sustentáveis, dialogando com a agenda do G20 e mirando nos debates a serem realizados na COP30, em 2025.
* Fernando Teixeira é gerente de projetos do Fórum de Fundos Soberanos Brasileiros
Gabriela Vichi é diretora operacional do Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo
Lucas Paz é diretor do departamento de estudos fiscais da secretaria municipal da Fazenda de Niterói e membro do comitê de investimentos do Fundo de Equalização da Receita de Niterói