O governo federal aprovou a taxonomia sustentável brasileira, que define critérios para que uma atividade econômica possa ser considerada sustentável, com o objetivo de mobilizar capital para projetos com impactos ambientais e sociais positivos.
A adoção dessa classificação oficial será voluntária, mas o plano é que empresas e instituições em algum momento tenham de divulgar relatórios de acordo com os critérios da taxonomia. Ainda não há prazo para isso. A proposta original do governo era criar essa exigência já a partir de janeiro de 2026.
“A taxonomia é um instrumento vivo e dinâmico. Olhando o que aconteceu na União Europeia, a taxonomia veio muito rígida e agora está sendo revista. Achamos que agora não convinha estabelecer a obrigatoriedade”, disse Cristina Reis, subsecretária de desenvolvimento econômico sustentável do Ministério da Fazenda.
À frente da construção da taxonomia, Reis falou com o Reset nesta terça-feira (9) logo após uma reunião com o ministro da pasta, Fernando Haddad, sobre o tema. A reportagem teve acesso aos 14 documentos que detalham a taxonomia, que soma 902 páginas. Segundo a Fazenda, eles estão em revisão e serão publicados ainda neste mês, nos idiomas português e inglês.
O plano é que o lançamento aconteça junto com um decreto que vai reconhecer a taxonomia na legislação brasileira como um sistema de referência. Depois disso, os reguladores dos mercados financeiros e de capitais (CMN, BC, CVM e Susep) farão as normas específicas para seus respectivos setores.
Esses órgãos reguladores vão realizar uma avaliação da viabilidade de vinculação dos normativos existentes à taxonomia e apresentarão como planejam realizá-la.
“Vamos começar ainda neste segundo semestre um processo de testagem com empresas financeiras e não-financeiras: olhar para os critérios que a gente desenvolveu e ver o nível de aderência deles, a necessidade de tamanho de equipe para lidar com a averiguação desses critérios”, afirmou Matias Cardomingo, coordenador-geral de análise de impacto social e ambiental da Secretaria de Política Econômica da Fazenda.
Na prática
A taxonomia serve para que o investidor – nacional ou estrangeiro, público ou privado – saiba quais são os critérios considerados para classificar um produto ou uma operação como sustentável.
Essa régua poderá ser aplicada pelo mercado de capitais e pela bolsa de valores na rotulagem de fundos ou composição de índices, por exemplo. Organismos multilaterais, como os bancos de desenvolvimento BNDES e BID, também poderão se basear na taxonomia para estabelecer linhas ou programas de incentivo a projetos sustentáveis.
Nas entidades nacionais, a ferramenta poderá servir para fortalecer práticas sustentáveis no Plano Safra ou delimitar o destino de recursos captados nas emissões de dívida soberana sustentável do Tesouro.
Na outra ponta, ela vai permitir que as empresas compreendam e reportem quais práticas sustentáveis já adotam – e até levantem recursos para financiá-las, por meio de linhas de créditos específicas ou emissão de títulos de dívida, por exemplo.
Outros países, como México, Colômbia e os pertencentes à União Europeia, já possuem seus sistemas de classificação – a maioria concentrada em critérios ambientais. A brasileira nasce como “sustentável” em vez de “verde” por incluir aspectos sociais na conta, como equidade de gênero e raça.
Apenas a taxonomia da UE é mandatória. Lá, empresas com mais de 500 empregados devem reportar que parcela de suas receitas, investimentos (capex) e despesas operacionais são alinhadas à taxonomia do bloco. Instituições financeiras precisam divulgar o percentual de suas carteiras alinhado aos critérios. Já os emissores de títulos verdes sob o EU Green Bond Standard precisam demonstrar que os recursos captados são direcionados a atividades elegíveis na taxonomia.
“Uma das coisas que a gente colocou foi não restringir a obrigatoriedade da rotulagem de instrumentos financeiros exclusivamente à taxonomia [oficial] desde o princípio, para permitir uma convivência com outros padrões de rotulação e sustentabilidade”, disse Cardomingo.
Um fundo de investimentos rotulado como sustentável pode seguir os princípios da ICMA (International Capital Market Association), não necessariamente da taxonomia brasileira, por exemplo.
Setores e elegibilidade
Os 14 documentos que fazem parte da taxonomia brasileira trazem quatro cadernos mais gerais: metodologia dos objetivos climáticos e ambientais; salvaguardas mínimas; enfrentamento das desigualdades; sistema de monitoramento, relato e verificação (MRV); além da introdução e glossário.
Os outros oito são dedicados a cada um dos setores prioritários cobertos pela taxonomia: (1) agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura; (2) indústrias extrativas; (3) indústria de transformação; (4) eletricidade e gás; (5) água, esgoto, atividades de gestão de resíduos e descontaminação; (6) construção; (7) transporte, armazenagem e correio; e (8) serviços sociais para a qualidade de vida e planejamento.
Eles foram escolhidos com base em indicadores econômicos, climáticos e ambientais e sua importância no atual contexto político – por exemplo, peso no PIB, volume de emissões de carbono e relevância em políticas nacionais.
A taxonomia pretende abordar 11 objetivos climáticos, ambientais e econômico-sociais ao longo de suas próximas edições, mas nesta primeira priorizou três: mitigação da mudança do clima; adaptação à mudança do clima; e redução das desigualdades considerando aspectos raciais e de gênero.
Este último aspecto já havia aparecido na taxonomia mexicana, mas a inclusão do quesito raça foi uma inovação trazida pela classificação brasileira.
Para que uma atividade seja considerada sustentável, ela deve atender a três critérios gerais: contribuir substancialmente a um ou mais dos objetivos definidos; não prejudicar significativamente nenhum dos outros objetivos definidos; e cumprir com as salvaguardas mínimas transversais (requisitos legais como direitos humanos e trabalhistas, conformidade tributária e ambiental, etc) e setoriais.
Cada um dos oito cadernos setoriais conta com uma visão geral do setor, uma lista de categorias elegíveis, descrição de atividades relacionadas e exemplos de atividades e como contribuem para determinado objetivo.
Sem desmatamento
O agronegócio ganhou o maior caderno (301 páginas), dado seu peso econômico e também sua participação decisiva no balanço de gases de efeito estufa do país. Somando o desmatamento para a abertura de áreas produtivas e o impacto climático decorrente da atividade direta do setor (como o uso de fertilizantes e o metano gerado do rebanho bovino), o agro responde por 70% das emissões nacionais.
Nesta primeira fase, o documento cobre somente algumas atividades. Além de práticas agrícolas para soja e milho, duas das maiores monoculturas do país, também foram incluídas lavouras perenes como café e cacau. Também estão contempladas pecuária de corte e de leite, pesca de pirarucu e produção de tilápia em sistemas de aquicultura, entre outras atividades.
Não será considerado sustentável o financiamento destinado à supressão da vegetação nativa, mesmo que o desmatamento esteja previsto no Código Florestal (Lei n° 12.651, de 2012), ou seja, que ele seja legal.
Além disso, propriedades rurais que fizerem supressão de vegetação nativa após a entrada em vigor da taxonomia, mesmo mediante as autorizações previstas na lei, também não atenderão aos critérios de elegibilidade.
A partir de 2030, começa a valer uma janela temporal: proprietários que não tenham desmatado nos cinco anos anteriores ao pedido de financiamento poderão se enquadrar na taxonomia.
“A gente não adotou uma data de corte [para o desmatamento] como por exemplo a da lei antidesmatamento da União Europeia”, explica Cardomingo. Ele se refere à legislação europeia prevista para entrar em vigor em dezembro deste ano que proíbe a importação de produtos provenientes de áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2020.
Segundo ele, a idéia da “janela móvel” vai permitir que mesmo produtores que tenham desmatado legalmente possam vir a se adequar no futuro.
“A gente quer estabelecer algum incentivo. O produtor pode se planejar. Se ele ficar cinco anos sem desmatar, sabe que pode voltar a ser elegível”, disse Cardomingo.
Assim como no caso do agronegócio, a classificação estabelece critérios para uma série de outras atividades econômicas, da extração de minerais críticos para a transição energética e da expansão da matriz elétrica nacional às condições para o enquadramento de novas indústrias com potencial de crescimento no país, como as de data centers e de produção de combustíveis renováveis de aviação.