Produzir cimento emite muito CO2. A Votorantim quer mudar isso

De caroço de açaí a algas, empresa aposta em coprocessamento e técnicas de sequestro de gases de efeito estufa para reduzir suas emissões 

VOTORANTIM CIMENTOS - 02/05/2016 - Fabrica Unidade Rio Branco do Sul - Parana - PR.
Foto: Leonardo Rodrigues
VOTORANTIM CIMENTOS - 02/05/2016 - Fabrica Unidade Rio Branco do Sul - Parana - PR. Foto: Leonardo Rodrigues
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Numa fábrica em Primavera (PA), a 200 quilômetros de Belém, os fornos da Votorantim Cimentos são abastecidos com um combustível, a princípio, inusitado: caroços de açaí. 

Antes dispensados pelas famílias extrativistas, que vendiam apenas a polpa, os caroços do fruto – que representam 80% do seu peso – já substituem mais da metade do combustível fóssil necessário para aquecer a mistura de calcário, argila, areia e minério de ferro que entra nas fornalhas. 

A unidade é um exemplo das estratégias que a Votorantim Cimentos, a sétima maior produtora do insumo no mundo e atuante em 11 países, vem utilizando para reduzir suas emissões de carbono. 

A meta é cortar 24,8% das suas emissões diretas de gases de efeito estufa por tonelada de cimento produzido até 2030 em relação a 2018. E acaba de ser aprovada pela Science Based Targets Initiative (SBTi), formada por diversas organizações ambientais que garantem que os compromissos estão em linha com o caminho previsto pelo Acordo de Paris. 

Num mundo que precisa cortar suas emissões pela metade até 2030, a redução pode parecer pouco à primeira vista. 

Mas é um desafio e tanto para um dos setores considerados de mais difícil descarbonização e que representa 8% das emissões globais. 

Produzir cimento emite muito CO2 – ele é um resíduo intrínseco ao processo. Para entender o tamanho do problema, é preciso entender como ele é produzido. 

A principal matéria-prima do cimento é a rocha calcária. Junto com argila, areia e minério de ferro – utilizados em menor proporção – ela é submetida a temperaturas superiores a 1450ºC. Dos fornos, saem pelotas conhecidas como clínquer, que, depois de moídas, dão origem ao cimento.

Nas fornalhas, diante do calor, o carbonato de cálcio (CaCO3) dá origem ao óxido de cálcio (CaO). O resíduo é o CO2.

“Dois terços da geração de CO2 de uma fábrica de cimento vem desse processo de conversão dos minerais naturais no clínquer”, afirma Álvaro Lorenz, diretor global de sustentabilidade da Votorantim Cimentos.

Ou seja, enquanto em grande parte dos setores a maior parcela da pegada de carbono está na cadeia de valor – ou nos fornecedores ou no uso dos produtos –, no caso das cimenteiras, o chamado escopo 1, das operações diretas, responde por mais de 80% das emissões. 

Coprocessamento

O que garante a altíssima temperatura dos fornos são combustíveis fósseis – em geral, coque de petróleo.

Se não é possível converter o calcário em cimento sem emitir CO2, dá para trocar os combustíveis por alternativas menos poluentes. A VC tem como meta substituir 53% deles até 2030 utilizando resíduos de outros setores, o que é chamado de ‘coprocessamento’. É mais que o dobro do patamar atual, de 22%. 

Os materiais alternativos para queima variam, podendo até mesmo ter uma fonte fóssil, mas com menos emissões, como pneus carecas inservíveis ou resíduos plásticos. 

Mas a menina dos olhos é mesmo a biomassa, abundante no Brasil – e neutra em carbono. 

“Por conta da nossa vocação agrícola, temos uma disponibilidade enorme de biomassa, de resíduos da agricultura”, diz Lorenz. A taxa de coprocessamento hoje nas 24 fábricas da empresa no país, responsáveis por pouco mais da metade da produção da companhia, é maior que a média global e está em 26%. 

No Sul e no Centro-Oeste, por exemplo, a empresa usa casca de arroz. Na Espanha, o caroço, em vez de açaí, é de azeitona.

O desafio da cadeia 

Para comprar coque de petróleo – uma commodity padronizada – basta um ou alguns fornecedores. Já desenvolver a cadeia para outros combustíveis e adaptar cada forno à sua especificidade é uma tarefa muito mais complexa. 

É preciso conseguir a licença ambiental para usar a matéria-prima alternativa, a disponibilidade em quantidade suficiente para abastecer uma fábrica de forma contínua, além dos desafios de armazenagem, estocagem e processamento. 

Para fazer o abastecimento desses combustíveis, a VC criou em 2019 uma unidade nova de negócios dedicada apenas a essa função: a Verdera. 

Num momento em que a economia circular ganhou apelo, a lógica é que, além de abastecer a Votorantim Cimentos, a Verdera presta serviço às fornecedoras, dando uma destinação mais nobre a resíduos de outras empresas que iriam, na melhor das hipóteses, parar em aterros sanitários.

“É a Verdera que faz o contato com as empresas que geram os resíduos, faz todo o processo de cadastramento e de disponibilizar esses materiais para serem utilizados nas nossas fábricas”, explica o executivo. 

Há ainda os investimentos em tecnologia. A VC tem um plano de investimento de R$ 400 milhões nos próximos cinco anos para adaptar as fábricas para o coprocessamento, partindo do princípio de que vai conseguir ter o material disponível. 

Mais com menos

Outro pilar da meta da companhia é fazer mais com menos. No caso, mais cimento com menos clínquer. 

“Dentro do conceito de economia circular, conseguimos usar subprodutos de outras indústrias, que, misturados com o cimento e moídos de forma bastante fina, dão a propriedade de resistência”, afirma Lorenz. 

Um desses materiais é a escória de alto forno, um resíduo da produção do aço. Outro é a cinza do carvão mineral utilizado nas térmicas do Sul do Brasil. 

Hoje, 74,9% do cimento produzido vem do clínquer e a meta é chegar a 68% até 2030. 

Uma unidade inaugurada há um ano e meio em Pecém, no Ceará, utiliza a escória da Companhia Siderúrgica de Pecém na composição do cimento e, além disso, tem uma tecnologia que permite um consumo de energia elétrica 30% inferior ao de outras instalações. 

Com isso, a empresa afirma que já consegue produzir um cimento com 60% a menos de CO2. 

Sequestro e compensações

Com a geração de CO2 intrínseca ao processo de fabricação, a indústria do cimento é uma das que, invariavelmente, terão que recorrer ao sequestro de carbono ou à compensação via créditos para se tornar neutra em emissões. 

“Eventualmente todo o CO2 que a gente gerar será capturado e faremos algum processo com ele. Há muita linha de investigação científica pelo mundo vendo esses processos de CCUS”, diz Lorenz. 

CCUS é a sigla em inglês para captura, armazenamento e utilização de carbono, técnicas que sequestram o carbono direto na fonte, são a promessa para setores intensivos em emissões de gases de efeito estufa e que ainda não existem em escala comercial. 

Numa unidade no Canadá, a empresa já tem uma iniciativa em escala piloto em parceria com um startup chamada Pond Biotech. O projeto busca captar o CO2 emitido na produção do cimento e utilizá-lo em biorreatores para a criação de algas, que podem então ser convertidas em diferentes produtos, como biocombustíveis, biofertilizantes e ração animal.

A VC também pretende investir em créditos de carbono para fazer compensação, especialmente de soluções baseadas na natureza,  mas para isso deve apostar na geração própria.

“Como temos áreas de solo, terreno e propriedades que são bastante extensas, temos feito análises para explorar essa opção dentro das nossas unidades”, afirma Lorenz. 

Em paralelo, a companhia, junto com outras duas do grupo Votorantim (Auren, de energia, e CBA, de alumínio), além da holding Votorantim S.A., é uma das apoiadoras de uma iniciativa que busca melhores padrões para os créditos emitidos no Brasil, liderada pela McKinsey.

“Para a gente poder dizer, como país, que realmente estamos abatendo e compensando as emissões com segurança e integridade, temos que ter metodologias à prova de críticas”, diz o executivo.