
Belém – A COP30 aprovou a criação de um mecanismo de transição justa, uma vitória de movimentos e organizações da sociedade civil. Eles demandavam que a transição para uma economia de baixo carbono ocorra de forma justa e proteja os direitos dos trabalhadores, mulheres, negros e povos indígenas.
O objetivo é que a transição não aprofunde desigualdades sociais e econômicas.
“O propósito [do mecanismo] será aprimorar a cooperação internacional, assistência técnica, capacitação e compartilhamento de conhecimento, e permitir transições justas, equitativas e inclusivas”, diz o texto da decisão.
Ao ser aprovada na plenária de encerramento da COP30, a decisão foi aplaudida pela plateia formada pelas delegações e observadores.
A transição justa ganha, assim, um mecanismo institucional dentro do regime da Convenção do Clima da ONU. O texto não traz quais serão os seus moldes, mas cria um mandato para que eles sejam definidos. Segundo a decisão, o mecanismo deve ser implementado de maneira que “se baseie e complemente fluxos de trabalho” sob a Convenção do Clima e o Acordo de Paris, o que inclui o programa de trabalho que já existe sobre o tema.
A decisão define que a proposta de um processo para a operacionalização do mecanismo seja apresentada na Conferência de Bonn, em junho de 2026. Para isso, pede que “no espírito do mutirão” as partes e não-partes apresentem suas contribuições sobre o processo até o dia 15 de março de 2026.
A decisão define a transição justa como de natureza “multissetorial, multidimensional e transversal”. E reconhece que não existe uma abordagem única.
Para garantir que “ninguém fique para trás”, o texto reconhece que as vias de transição justa são relevantes no contexto da mitigação, da adaptação (incluindo o fortalecimento da resiliência climática e o aumento das capacidades adaptativas) e da resposta a perdas e danos.
Financiamento
As tentativas iniciais de vincular financiamento ao mecanismo, porém, fracassaram. O documento apenas reconhece a importância da entrega urgente de meios de implementação – que incluam capacitação, financiamento climático e desenvolvimento e transferência de tecnologia – para facilitar as vias de transição justa.
Também destaca medidas que evitem a “exacerbação dos fardos da dívida” e criem espaço fiscal para os países avançarem rumo ao desenvolvimento verde.
O texto “recorda que o aumento de financiamento novo e adicional baseado em subvenções, recursos concessionais e instrumentos não relacionados à dívida continua sendo fundamental para apoiar os países em desenvolvimento, particularmente à medida que fazem a transição de maneira justa e equitativa”.
Observadores também criticaram o fato de a COP30 não ter feito referência à transição da economia para longe dos combustíveis fósseis. A presidência brasileira da conferência se comprometeu a apoiar o tema por meio de uma iniciativa fora do processo da ONU, baseada em um plano apoiado pela Colômbia e cerca de 80 outras nações.
Reconhecimento histórico
Os direitos e a contribuição de povos indígenas e afrodescendentes para as soluções climáticas foram reconhecidos.
O texto de transição justa destaca a importância de garantir a participação “ampla e significativa” de todas as partes interessadas “relevantes” e cita nominalmente: trabalhadores afetados pelas transições, trabalhadores informais, pessoas em situações de vulnerabilidade, povos indígenas, comunidades locais, migrantes e pessoas internamente deslocadas, pessoas de ascendência africana, mulheres, crianças, jovens, idosos e pessoas com deficiência.
“Esta foi uma COP histórica para os povos indígenas: em três textos diferentes, seus direitos territoriais são reconhecidos explicitamente como política central de mitigação”, diz Fernanda Bortolotto, especialista em políticas climáticas da The Nature Conservancy (TNC) Brasil.
Pela primeira vez, documentos centrais das negociações climáticas também fizeram menções explícitas a populações afrodescendentes: os textos de transição justa, Plano de Ação de Gênero (GAP) e dos Objetivos Globais de Adaptação (GGA).
“Não se trata de um gesto simbólico: a presença explícita de afrodescendentes nesses acordos garante visibilidade, orienta o direcionamento de financiamentos, fortalece a participação e contribui para corrigir lacunas históricas na governança global do clima”, diz em nota o Geledés Instituto da Mulher Negra.