Se os olhos do mercado sempre se voltaram de alguma forma a Davos, onde acontece anualmente o Fórum Econômico Mundial, as Conferências do Clima quase nunca ganharam muita atenção.
Mas, com os esforços de descarbonização ditando a tônica das economias, as COPs viraram uma sigla que precisa ser acompanhada cada vez mais por atores além do mundo da sustentabilidade e da diplomacia.
Seja porque criam instrumentos econômicos arrojados e mecanismos de financiamento verde, seja porque enviam sinais que impulsionam os atores de mercado a criar esses instrumentos na descarbonização da economia, elas têm sido uma das maiores forças motrizes do desenvolvimento sustentável.
A COP 26, que está prevista para acontecer de 31 de outubro a 12 de novembro de 2021, em Glasgow, na Escócia, vai tomar decisões importantes sobre a implementação do Acordo de Paris.
E as decisões adotadas por lá podem criar instrumentos econômicos e financeiros que mudarão o mercado de sustentabilidade, como vêm fazendo há anos. Explico.
O surgimento dos mercados globais de carbono
A COP — ou Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, se quiser chamar pelo nome completo — é uma assembleia geral anual de tomada de decisões entre todos os 196 países membros da Convenção do Clima.
Todo mundo já ouviu falar do Protocolo de Quioto, de 2005, que detalhou os compromissos climáticos dos países ricos até o ano de 2020.
Ele estabeleceu o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (ou MDL), uma espécie de programa de certificação de créditos de carbono no âmbito da ONU, que permitia que países pobres apresentassem projetos que atendessem a determinadas metodologias e demonstrassem que foram evitadas emissões de gases de efeito estufa.
O MDL impulsionou um mercado de carbono de proporções globais, conectando países ricos e pobres em projetos de descarbonização com benefícios mútuos, inclusive em termos de criar capacidade técnica, fomentar o desenvolvimento sustentável e promover transferência de recursos Norte-Sul.
As contas variam porque os preços nessas negociações não são públicos, mas, no Brasil, estima-se que esse mercado tenha gerado mais de US$ 1,3 bilhão nos últimos 16 anos — e o país é o terceiro maior proponente de projetos nesse sentido entre as nações em desenvolvimento.
Os mecanismos de conservação florestal
Um pouco depois, na COP 13, em 2007, em Bali, foi inaugurada uma plataforma de REDD+, para disponibilizar informação sobre atividades que reduzam emissões de desmatamento e degradação de florestas em países pobres.
Na COP 19, na Polônia, em 2013, com o estabelecimento do Mecanismo de REDD+ de Varsóvia, viabilizou-se a remuneração dessas atividades no formato do pagamento baseado em resultados, com recursos dos países ricos e a intermediação do Green Climate Fund (GCF).
O marco regulatório do REDD+ tornou-se um parâmetro para o desenvolvimento de projetos de conservação florestal, inclusive no contexto de mercados voluntários de créditos de carbono, fazendo também gerar um mercado de profissionais e serviços desses tipos de projetos em países de florestas tropicais.
Esse mercado tem uma expectativa de crescer 15 vezes até 2030, podendo chegar a um valor de até US$ 50 bilhões com base em estimativas da McKinsey.
Green e social bonds
E foi também numa COP, a 21, em 2015, que foi assinado o Acordo de Paris, um tratado que convoca expressamente o setor privado e o mercado financeiro para ajudar a “tornar os fluxos financeiros compatíveis com uma trajetória rumo a um desenvolvimento de baixa emissão de gases de efeito estufa e resiliente à mudança do clima”.
O setor financeiro respondeu rapidamente, com o lançamento da TCFD, a Task-Force on Climate-Related Disclosures, durante a própria conferência, e que hoje vem se consolidando como o principal padrão para divulgação de riscos financeiros climáticos de empresas e instituições financeiras.
A COP 21 trouxe um gigantesco estímulo ao mercado global de green bonds (ou climate bonds), que estava começando a se expandir, e hoje já alcançou a marca de mais de US$ 1,3 trilhão em emissões globais.
E a COP 26?
Pois com a COP 26 seguimos nessa trajetória de financiamento da descarbonização, e o desafio da vez é a regulamentação de um mercado de carbono global, mais abrangente que o do Protocolo de Quioto.
É a regulamentação do famoso artigo 6 do Acordo de Paris.
Regulamentar esse artigo significa que poderão surgir dois novos instrumentos no mercado de financiamento climático:
- um programa de certificação de projetos de créditos de carbono mais arrojado que o MDL e que vai substituí-lo;
- um grande mercado de comércio de “performance de mitigação” entre os países do Acordo de Paris (também conhecidos como ITMOs – Internationally Transferred Mitigation Outcomes), o que significa, em outras palavras, que um país pode vender ao outro essencialmente tudo que fizer além das suas metas climáticas.
Dá para imaginar o que isso significa em termos de potencial de desenvolvimento de um mercado de serviços de descarbonização em um país como o Brasil, que tem tudo para promover agricultura de baixo carbono, gestão de resíduos, reflorestamento, conservação florestal e geração de energias renováveis em escala.
Um estudo realizado pelo IETA (Associação Internacional de Comércio de Emissões) no ano de 2019 estimou que os instrumentos do Artigo 6 podem gerar receitas líquidas de US$ 19 bilhões a US$ 27 bilhões para o Brasil só no período até 2030.
COP é uma sigla para anotar, acompanhar — e se possível, se envolver — todo final de ano, para não ficar para trás na corrida do ouro do ESG.
* Caroline Prolo é advogada especialista na área ambiental e de mudanças climáticas, sócia do Stocche Forbes e escreverá mensalmente para o Reset. Atua como consultora jurídica do International Institute for Environment and Development (IIED), que dá suporte ao grupo dos países menos desenvolvidos nas negociações da Convenção de Clima da ONU, e é fundadora do LACLIMA – Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action.