CIÊNCIA

Prévia acende alerta para COP sem resultados

Reunião na Alemanha deveria ser técnica, mas foi consumida pela tensão entre países ricos e em desenvolvimento

Bandeira da COP28, conferência do clima que acontecerá em novembro de 2023
Bandeira da COP28, conferência do clima que acontecerá em novembro de 2023

Diplomatas do mundo inteiro passaram as duas últimas semanas em Bonn, na Alemanha, numa reunião preparatória para a próxima Conferência do Clima da ONU, que acontece em dezembro em Dubai.

Os resultados – ou a falta deles – foram sombrios. Todos os sinais apontam para mais uma COP dominada pela tensão entre os países ricos e o mundo em desenvolvimento a respeito de quem deve pagar a conta.

Essa queda-de-braço se soma à controvérsia sobre a influência das empresas de petróleo sobre a conferência, que será presidida por Sultan Al Jaber, CEO da estatal petroleira dos Emirados Árabes Unidos.

“É um sinal muito ruim para a COP, que já vai começar tensa por causa da desconfiança [em relação a Al Jaber]”, diz Claudio Angelo, coordenador de comunicação e política climática do Observatório do Clima, uma organização que reúne mais de cem ONGs brasileiras.

Em tese, o encontro tradicionalmente realizado em junho na Alemanha trataria de temas mais técnicos com o objetivo de preparar o terreno para ministros e chefes de Estado na conferência.

O clima em Bonn costuma ser cordial, afirma Angelo, mas este ano esteve “contaminado pela política meses antes da COP, que é onde esse tipo de discussão costuma acontecer”.

A agenda oficial da reunião de duas semanas só foi aprovada no penúltimo dia, evitando o fracasso histórico de que todas discussões fossem invalidadas por um problema regimental.

O motivo do impasse foi uma tentativa da União Europeia de inserir nas discussões um novo programa com o objetivo de forçar os países a ir além em seus compromissos de redução de emissões.

Já os países em desenvolvimento – entre eles o Brasil – argumentam que esse é um exercício inútil se não houver dinheiro para financiar as medidas de mitigação.

Em uma sessão particularmente tensa, o paquistanês Nabeel Munir, um dos líderes da negociação, afirmou que os diplomatas presentes estavam se comportando como crianças de escola primária: “Por favor, acordem, o que está acontecendo é inacreditável”.

Mesmo com o acordo de última hora, não há dúvidas de que o clima belicoso será retomado assim que for batido o martelo da sessão inaugural da COP28. Os países em desenvolvimento devem repetir a estratégia do ano passado para colocar o dinheiro na pauta.

Um dos temas fundamentais da conferência será o desenho do fundo que vai compensar os países vulneráveis que já sofrem as consequências da mudança climática.

No passado, os países ricos fizeram promessas que não foram cumpridas. Agora, diz o especialista em negociações do clima Bruno Toledo à Radio France Internacional, o mundo em desenvolvimento vai querer saber como esses recursos serão viabilizados nem que seja necessário tomar o processo como refém.

Medindo o progresso

O outro grande tema da COP28 será a urgência da descarbonização. Em Dubai vai acontecer o primeiro global stocktake, como é chamado o levantamento do progresso em relação às metas nacionais estabelecidas no Acordo de Paris, firmado em 2015.

O mundo precisa reduzir as emissões de gases do efeito estufa em cerca de 45% até o fim desta década (em relação a 2019) para limitar a 1,5°C o aquecimento global em 2100 e evitar as piores consequências da mudança do clima, de acordo com o mais recente sumário da ciência compilado pela ONU.

De acordo com uma análise feita no ano passado pelo World Resources Institute, os atuais compromissos assumidos pelos países levarão a uma redução de somente 7% até 2030.

Além da pressão sobre governos nacionais, os ativistas querem que a indústria dos combustíveis fósseis também faça sua parte. O setor é responsável por 75% das emissões de gases que causam o efeito estufa.

Com um executivo de petroleira conduzindo as discussões, entretanto, não há muita esperança de avanços.

Em Bonn, Al Jaber afirmou que uma “redução gradual dos combustíveis fósseis é inevitável”. Mas a declaração deixou de fora uma informação crucial: o prazo.

As gigantes do setor, privadas e estatais, seguem com planos de manter a produção nos níveis atuais ou até mesmo aumentá-la.

A promessa dos anfitriões é uma COP “transformacional, de ação”, mas a cinco meses do início das discussões paira sobre a conferência um clima de pessimismo.