Brasil deve cortar emissões em 92% até 2035, diz proposta

Rede de ONGs Observatório do Clima apresenta sua visão para o que o país deveria apresentar como meta nacional de descarbonização

Brasil deve cortar emissões em 92% até 2035, diz proposta
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De acordo com uma rede de mais de cem ONGs climáticas brasileiras, o Brasil vai ter de fazer um enorme esforço se quiser dar sua colaboração parte para manter viva a meta de 1,5°C do Acordo de Paris.

As emissões nacionais de gases de efeito estufa teriam de ser cortadas em 92% até 2035, em comparação com a linha de base de 2005. Os 2,44 bilhões de tCO2e (toneladas de CO2 equivalente) há 19 anos passariam para meros 200 milhões de tCO2e.

Essa é a contabilidade feita pelo Observatório do Clima (OC) em uma proposta para as novas metas de descarbonização do país, conhecidas como NDCs.

Mesmo em relação ao compromisso brasileiro em vigor hoje o número proposto é muito agressivo.  Em setembro do ano passado, o governo consertou a chamada “pedalada climática” da gestão Bolsonaro e voltou a prometer um teto de 1,32 bilhão de tCO2e em 2025 e 1,2 bilhão de tCO2e em 2030.

De acordo com os dados mais recentes do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases do Efeito Estufa (SEEG), outra iniciativa da rede OC, o país emitiu 1,7 bilhão de tCO2 em 2022. Os números do ano passado ainda não foram divulgados.

Uma nova rodada global de metas, para vigorar entre 2031 e 2035, será apresentada até fevereiro do ano que vem, já sob a presidência brasileira da COP30, que acontecerá em Belém (PA) em novembro de 2025. A expectativa é que o Brasil seja um dos primeiros a apresentar sua NDC, com objetivos ambiciosos para liderar pelo exemplo.

Ambição não falta às metas sugeridas pelo Observatório do Clima. Elas abrangem toda a economia, com foco no desmatamento, responsável por metade dos gases de efeito estufa que o país lança na atmosfera.

O que torna essa contabilidade particularmente agressiva é uma premissa adotada pelos autores. O total de 200 milhões de tCO2e são o resultado líquido, descontando o carbono absorvido pelas florestas e pelo solo, por exemplo.

Mas o OC optou por não incluir as remoções de carbono de unidades de conservação, como florestas nacionais ou reservas extrativistas. Na prática, isso significa uma necessidade de mais reduções efetivas.

“A proposta é possível, não vai contra as leis da física, mas exige um esforço considerável de políticas públicas e investimentos”, diz David Tsai, coordenador do SEEG e um dos autores do documento. “A intenção foi levantar a barra e estabelecer uma referência.”

A proposta se baseia em cinco pilares principais:

. Redução do desmatamento legal e ilegal a virtualmente zero no país inteiro (o limite seriam 1.000 km2 anuais);

. Iniciar a recuperação de 21 milhões de hectares que compõem o “passivo” do Código Florestal, ou seja, desmate que foi além do previsto em lei;

. Mudanças nas práticas agropecuárias para aumentar a captura de carbono no solo;

. Aceleração da transição para outras fontes de energia que não sejam os combustíveis fósseis; e

. Melhoria na gestão de resíduos.

Onde cortar

A proposta entra em alguns detalhes das medidas que deveriam ser tomadas em cada um desses pontos, mas o mais importante é entender que a NDC pede um compromisso coletivo do setor privado e de diferentes esferas da administração pública.

Além de muito dinheiro.

No setor de transportes rodoviários, por exemplo, o OC inclui uma forte expansão dos transportes públicos. A proposta prevê a instalação de novos 4 mil quilômetros de sistemas BRT, mil quilômetros de linhas de metrô e 95 mil km de ciclovias.

Dessa forma, a quilometragem percorrida por automóveis aumentaria apenas 15% ­– enquanto dobraria a percorrida por ônibus urbanos, 57% dos quais seriam de emissão zero (elétricos ou movidos a hidrogênio).

A visão dos autores também exige um consenso sobre o futuro da matriz energética brasileira que, hoje, ainda parece distante.

Na geração de energia, usinas solares e eólicas atingiriam capacidades respectivas de 95 GW e 70 GW em 2035, saltos consideráveis dos atuais 46 GW e 30 GW.

Já as termelétricas a gás manteriam os mesmos níveis dos anos recentes, para garantir o fornecimento de eletricidade em caso de crises hídricas. O uso do gás fóssil pela indústria seria gradualmente substituído por eletricidade, biomassa e hidrogênio.

Mas não parece ser este o consenso no governo atual, com uma forte pressão para novos investimentos em produção e infraestrutura de gás natural, além da determinação da abertura de novas áreas de petróleo offshore na região Norte.

A floresta 

Mas quando se fala de emissões de carbono brasileiras, o que realmente faz diferença são o desmatamento e a agropecuária, que juntas respondem por 75% das contribuições do país para o aquecimento global.

O OC defende o virtual fim do desmatamento em todos os biomas, incluindo aquele que é permitido pela legislação. Em várias oportunidades, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se comprometeu a zerar a destruição da natureza até 2030.

Os autores da proposta de NDC foram apresentar a ideia em diversos ministérios. “No MAPA (Ministério da Agricultura e Pecuária) o pessoal assusta quando falamos em desmatamento zero”, diz Bárbara Zimbres, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

O que deve constar na submissão brasileira à ONU, segundo ela, é uma linguagem falando em desmatamento ilegal.

O OC também aponta a necessidade de iniciar a recuperação de 21 milhões de hectares de áreas degradadas. Existem iniciativas privadas e modelos inovadores de concessão sendo testados, mas hoje os trabalhos de reflorestamento ainda são contados em dezenas de milhares de hectares.

Cumprir esse objetivo exigirá uma aceleração decisiva dos esforços, que vão de uma infraestrutura de viveiros e mudas ao acesso a bilhões de dólares de financiamento. 

 O agronegócio 

A boa notícia para o agronegócio é que, segundo os cálculos do OC, o solo brasileiro pode dar uma enorme ajuda no fechamento da nossa conta de emissões. Mas isso também não acontece por passe de mágica.

A receita inclui a expansão de sistemas ILPF (integração lavoura-pecuária-floresta), SAF (sistemas agroflorestais) e ampliação de técnicas como o plantio direto.

Do lado da pecuária, serão necessários investimentos em sistemas de confinamento e suplementação alimentar e abate mais precoce dos animais. O OC também aponta investimentos em melhoramento genético e aditivos que reduzam a produção de metano na digestão bovina. 

A NDC oficial

Ainda não se sabe quando o país vai apresentar sua nova NDC. Existe a expectativa de que ela seja apresentada em novembro, na conferência do clima do Azerbaijão, mas quem acompanha os trabalhos em Brasília afirma que isso não é uma garantia.

O trabalho é coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e envolve a contribuição – e exige o comprometimento – de todos os outros ministérios.

O que é certo é que há uma grande expectativa em relação à submissão brasileira. Um dos motes que o país encampou há alguns anos nas negociações internacionais é a Missão 1,5 – manter viva a aspiração do Acordo de Paris.

No fim da COP do ano passado, formou-se uma “troika” com as presidências das COPs 28 (Dubai), 29 (Baku) e 30 (Belém). Um dos compromissos do trio é usar as NDCs como uma ferramenta de “correção de rumo”.

As NDCs são propostas apresentadas voluntariamente, e não há nenhuma maneira de impor sanções a um país que eventualmente não cumpra o que prometeu.

Mas elas são um bom indicador do rumo que as coisas estão tomando – e até aqui elas pintam uma figura sombria.

A primeira rodada de submissões cobre o período até 2030. Mesmo que todos os países cumpram o que prometeram – o que é pouco provável –, o mundo estaria caminhando para um aumento de 2,8°C na temperatura.