Renovado, Fundo Amazônia terá papel ativo e vai engajar municípios

Gestor do fundo, BNDES vai desenhar iniciativas para envolver prefeituras e ganhar escala e velocidade, diz Tereza Campello, diretora do banco

Diretora Socioambiental do BNDES - Tereza Campello
A A
A A

Depois de ficar paralisado por quatro anos, o Fundo Amazônia, principal instrumento financeiro de combate ao desmatamento e preservação da floresta, voltou à atividade.

O programa, que completa 15 anos hoje, foi completamente reestruturado. Além de avaliar projetos de terceiros, o fundo também será agente. A ideia é mobilizar administrações municipais para criar iniciativas que tenham maior escala.

“Temos mais de 700 municípios na Amazônia. Ao atrair essas gestões locais para programas pré-modulados por nós, teremos mais sinergia e um efeito multiplicador bem mais forte do que se nos concentrarmos em ações pontuais”, disse Tereza Campello, diretora socioambiental do BNDES, em entrevista ao Reset.

O BNDES é responsável pela gestão do fundo, que já desembolsou R$ 1,5 bilhão e que tem R$ 3,4 bilhões livres em caixa para novos investimentos.  

Ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome no período de 2011 a maio de 2016, Campello adiantou uma das primeiras medidas da retomada do fundo.

Será criada uma cadeia local de abastecimento com produtores de alimentos locais, em parceria com o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

“Muitas crianças da Amazônia estão comendo produtos industrializados, de outras regiões. Queremos promover investimentos em modelos econômicos sustentáveis, que ajudem a viabilizar a inclusão socioprodutiva de agricultores familiares, povos indígenas, assentados e populações tradicionais”, diz Campello.

Abaixo, os principais trechos da entrevista:

O governo acaba de relançar o Fundo Amazônia, depois de quatro anos de paralisia. O que mudou e que resultados esperar dessas mudanças?

As orientações do Fundo Amazônia são aquelas estabelecidas pelo Plano de Prevenção e Controle dos Desmatamentos da Amazônia (PPCDAm), que acabou de ser divulgado.

O Fundo Amazônia é um dos principais instrumentos para alcançar as metas do plano. O que fizemos neste momento, após reestruturar o Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa), é um manual de operações, mostrando de forma simples e didática quem pode recorrer ao fundo, como pode entrar, em quais as áreas. Agora, estamos com nosso balcão aberto para receber e, também, apresentar projetos.

O fundo deixa de ser, então, apenas um receptor de propostas ambientais, para passar a apresentar iniciativas aos interessados?

É isso. Criamos novas diretrizes bianuais para o enfrentamento do desmatamento. São diretrizes que mantêm o mesmo rigor técnico de antes, mas que ajudam os proponentes a entenderem exatamente o que o governo quer e como cada um pode atuar. Isso passa por algo novo, que é a abertura do fundo para a participação direta de municípios.

Como isso vai funcionar?

Até hoje, os municípios compunham projetos junto ao governo estadual, mas não podiam ser os proponentes. Agora, eles poderão entrar sozinhos. 

O que a gente vai fazer é abrir um edital modulado, para facilitar a adesão do município em iniciativas pré-estabelecidas. O Fundo Amazônia vai oferecer novos programas para atrair a adesão de municípios.

Temos 700 municípios na Amazônia. Ao atrair as gestões locais para programas modulados, teremos mais sinergia e um efeito multiplicador bem mais forte do que se nos concentramos em coisas muito pontuais.

Não interessa para o fundo ter 700 microprojetos nos 700 municípios da Amazônia, sem sinergia, em que cada um olha a sua micro situação. Isso não vai alterar a realidade da Amazônia. Haverá sucesso se esses 700 municípios atuarem numa determinada direção, não um para cada lado.

Queremos um resultado de política pública que nos ajude a enfrentar o desmatamento, o crime na floresta, a gerar emprego e renda.

Em que momento está essa iniciativa?

O que vamos fazer agora, com o Ministério do Meio Ambiente, é abrir uma chamada pública com esses módulos. Posso destacar duas linhas, em especial, que já estão sendo organizadas.

Uma envolve restauro florestal, que é um grande desafio. Vamos organizar uma chamada para que ONGs, setor público e demais instituições possam atuar na restauração de áreas onde o desmatamento é mais intenso.

Pegue uma unidade de conservação que perdeu vegetação, por exemplo. Se você recompõe essas áreas estratégicas, cria um colchão de proteção, evitando que o desmatamento continue naquela região, narrando o avanço a partir de áreas degradadas.

A gente está montando uma chamada pública para isso e vamos convidar parceiros a aderir, por meio desse modelo que poderá ser replicado.

Quando sai essa chamada pública?

Ela estará nas ruas nos próximos três meses. Paralelamente, estamos trabalhando numa segunda proposta, que vai colar as ações do fundo em uma das políticas públicas mais bem sucedidas da história brasileira e que é exemplo no mundo, que é o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar).

O que será feito?

O PNAE existe desde a época de Getúlio Vargas e vem sendo aperfeiçoado ao longo da história.

Desde 2009, o programa conta com um componente interessante, que é a determinação para que 30% do recurso federal repassado para alimentação escolar seja voltado a compras locais, priorizando a agricultura familiar, a produção de extrativistas etc.

Hoje, a alimentação escolar na Amazônia praticamente não aproveita os produtos da sua biodiversidade. Temos escolas no coração da Amazônia onde as crianças comem biscoito recheado, suco açucarado, compram coisas de fora da Amazônia, produtos do eixo Rio-São Paulo e de outros territórios, e não os produtos saudáveis da região.

As crianças deixam de ter acesso a uma alimentação saudável, com desperdício da produção e enfraquecimento da economia local. Nossa ideia é usar os recursos do Fundo Amazônia para ampliar o alcance dessa política pública na região, fortalecendo a agricultura familiar.

De que forma o Fundo Amazônia entraria nesse programa?

Queremos organizar a oferta localmente, com um chamado para que entidades se disponham a atuar nestas microrregiões. Vamos iniciar com alguns territórios prioritários.

Os proponentes terão de fazer um diagnóstico do que está sendo produzido localmente e o que pode ser ofertado para as escolas. Em alguns territórios, você já tem cooperativas produzindo castanhas, polpa de frutas, feijão, arroz, por exemplo. Vamos estimular essa produção familiar, as cooperativas de pescadores.

Queremos atrair interessados em criar essa cadeia, pode ser uma faculdade, uma cooperativa, uma entidade de assistência técnica de extensão rural. Eles vão organizar a cadeia e ligar os elos.

A ideia é chegar a milhares de crianças, produtores e extrativistas da Amazônia, além de ter resultado com maior velocidade. Dessa forma, conseguimos enfrentar a crise de segurança alimentar e, ao mesmo tempo, gerar emprego e renda.

Queremos promover investimentos em modelos econômicos sustentáveis, que ajudem a viabilizar a inclusão socioprodutiva de agricultores familiares, povos indígenas, assentados e populações tradicionais.

Quando esse trabalho começa?

Vamos colocar esse chamamento na rua em um ou dois meses. Ela já está em elaboração e envolve vários órgãos. Estamos estudando e fechando um diagnóstico.

Você tem alguns municípios da Amazônia onde a escola não tem cozinha, por exemplo. Então, ela só pode servir coisa industrializada. O que nós vamos fazer, eventualmente, é usar recursos do fundo para adquirir uma cozinha, para que essa escola possa processar uma fruta, para que possa preparar um peixe.

O Ministério do Meio Ambiente tem falado em propor ações que criem áreas livres de desmatamento, com municípios que passem a ter um tipo de selo verde. Como a senhora avalia essa proposta?

É uma boa ideia. Estamos abertos para que as instituições, empresas e municípios apresentem as suas propostas, mas também queremos atuar induzindo essa sinergia, dando direcionamentos.

As pessoas falam que há muito dinheiro disponível no Fundo Amazônia, referindo-se aos R$ 3,4 bilhões disponíveis, mas se você pensar em grande escala, isso não é um recurso que consegue fazer frente a tudo que é necessário no combate ao desmatamento.

A gente precisa fazer com que o recurso do Fundo da Amazônia também seja um indutor para que os demais recursos disponíveis não sejam usados de forma incoerente com nossas medidas, senão ficaremos enxugando gelo.

Se você usa parte do recurso público para fazer restauro florestal, mas emendas parlamentares da mesma região são usadas para ampliar a plantação de soja, não há convergência.

Como fazer para que essas ações sejam convergentes?

Vamos atrair o município, o gestor, o deputado, para que se some a nós. O Fundo Amazônia pode ser esse indutor. Vamos fazer com que ele se some a esse esforço gigantesco e necessário, que é não só o de combater o desmatamento, mas de gerar emprego e renda de maneira sustentável.

Qual é hoje o cenário financeiro do Fundo Amazônia? O que foi usado? Quanto está disponível?

O fundo recebeu um total de R$ 3,3 bilhões desde a sua criação. Ao longo do período, esse recurso rendeu R$ 2,4 bilhões. Então, chegou a um montante de R$ 5,7 bilhões.

Desse total, o fundo já desembolsou R$ 1,5 bilhão para mais de 100 projetos. Hoje, estão em fase de aplicação mais R$ 223 milhões e há ainda outros 14 projetos em análise, que somam R$ 494 milhões. Há, portanto, R$ 3,4 bilhões para uso livre.

Quando o mercado de carbono deixará de ser uma promessa para se tornar uma realidade efetiva no país?

O governo já está agindo sobre isso. Está para sair um pacote grande de medidas que vai envolver a própria regulamentação do mercado de carbono.

Como esse setor ainda não está regulamentado, vemos iniciativas individuais, mas elas são desorganizadas. A legislação vai acabar criando vetores, mostrando para onde temos que ir. Isso será implementado no curtíssimo prazo e vai nos ajudar muito.