CRA Verde trará crédito para bioeconomia e restauração florestal

Santander, Gaia, Belterra e Conexsus se reúnem para operação de R$ 17 milhões que irá financiar 4,5 mil produtores sem acesso a linhas tradicionais

CRA Verde trará crédito para bioeconomia e restauração florestal
A A
A A

Conseguir crédito para agricultura sustentável ou para regeneração de áreas degradadas sempre foi uma dificuldade para os pequenos produtores rurais. Mas, aos poucos, vão surgindo mecanismos para ampliar a oferta de financiamento e incentivar a agrofloresta e a manutenção da floresta em pé. 

Uma emissão de R$ 17 milhões em Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) com vencimento em três anos vai fornecer capital de giro para 22 negócios comunitários, de culturas como cacau, castanhas e açaí, e quatro pequenas e médias empresas de impacto nas regiões Norte e Nordeste do Brasil.

Desse total, R$ 7 milhões vão para a Conexsus, organização da sociedade civil que apoia negócios comunitários, e R$ 10 milhões para a Belterra, startup que desenvolve sistemas agroflorestais (SAF). O crédito  varia conforme as necessidades de cada negócio e está na faixa entre R$ 80 mil e R$ 600 mil. 

Os empréstimos costumam seguir o período das safras, em torno de 12 meses, e terão juros de 12% ao ano para produtores — abaixo do CDI e muito abaixo do custo para esses negócios comunitários, que seria em torno de 40%. 

Comuns no financiamento do agronegócio, ainda são raros os CRAs voltados para financiar a bioeconomia. Nesse caso, outro componente de ineditismo foi a presença de um grande banco na operação: o Santander foi o coordenador líder e encarteirou parte da emissão, que também contou com a Gaia, responsável pela estruturação, como investidora. 

“Estamos levantando capital para investir em floresta em pé, na Amazônia, no Cerrado e em outros biomas, e na restauração de áreas degradadas, recompondo floresta de onde ela não deveria ter saído”, diz Valmir Ortega, CEO da Belterra Agroflorestas. 

Blended finance

No CRA, o capital filantrópico, vindo do Fundo Vale e da Good Energies Foundation, foi fundamental para reduzir o risco da operação e garantir um valor atrativo para os tomadores, dentro do conceito chamado de ‘blended finance’. 

A modalidade que vem ganhando tração dentro do ambiente de impacto no Brasil consiste em captar dinheiro a fundo perdido ou que aceita retornos abaixo dos de mercado para mobilizar capital que busca retorno de capital, ampliando a escala da operação.

A operação foi montada em quatro séries, com graus de risco e retornos diferentes, e quatro séries. Os prazos de vencimento diferem entre si e as taxas variam de 3,3% (para o capital filantrópico) a CDI + 2,1% (equivalente a cerca de 15,75% ao ano) para o capital comercial. Santander e Gaia entraram com recursos próprios enquanto Belterra e Conexsus serviram de veículo para recursos de filantropia do fundo Vale e da Good Energies. 

“O legal de trazer essa galera [bancos] para investir com a gente é o peso de hackear o sistema para o bem por dentro. Tem que puxar essa turma para investir junto”, diz João Pacífico, CEO da Gaia, especializada em investimentos de impacto. “Hoje, a grande maioria dos CRAs, 99,9% deles, não é sustentável. O sistema funciona para fomentar uma coisa que não é sustentável”.

Cacau na liderança

Belterra e Conexsus são irmãs. Ortega é cofundador da Conexsus, junto à atual diretora executiva, Carina Pimenta, e foi a partir do trabalho feito na organização que nasceu a Belterra. 

Na primeira, o contato é com cooperativas e comunidades extrativistas, para garantir que há geração de renda e benefícios econômicos em manter a floresta em pé. 

Na segunda, o desafio é recuperar o que veio ao chão, com trabalho direto com os agricultores e um modelo “muito mais intensivo” em capital, conta Ortega. 

Quando chega a um novo bioma, a trajetória da Belterra é entender as condições locais e buscar quais espécies permitem um modelo econômico escalável. Na Amazônia e Mata Atlântica, por exemplo, o conjunto de espécies já foi traçado. No Cerrado e na Caatinga, o trabalho ainda “é quase um programa de pesquisa e desenvolvimento”, diz Ortega. 

O CRA vai permitir que haja produção de banana, mandioca, cupuaçu, pupunha e outras espécies em áreas degradadas, mas é o cacau que se destaca como cultura que vai pagar a conta ao longo do tempo. 

“Escolhemos o cacau porque o Brasil tem um enorme potencial de expansão na espécie. Não produzimos cacau nem para o nosso próprio consumo interno, nós importamos amêndoa de cacau”. 

O fruto amazônico também combina com sistemas agroflorestais por gostar de sombra no início do desenvolvimento e com pequenos e médios produtores, dada a necessidade de mão de obra e atividade intensiva. 

O trabalho tem sido cada vez maior para que os modelos sejam competitivos com qualquer outra monocultura. “Os nossos modelos baseados em SAF de cacau, por exemplo, que esse CRA financia, dão um retorno líquido por hectare, de quatro a seis vezes superior à soja”, afirma Ortega. 

A Belterra já implementou 1,8 mil hectares de agroflorestas, com 1,5 milhão de mudas de cacau, 2 milhões de mandiocas, entre outros alimentos. 

Expertise

A Conexsus já realizou várias operações de financiamento, “mas é a primeira vez que fazemos no mercado de capitais com uma estrutura inovadora”, diz Pimenta. 

Como pode haver revolvência – isto é, os empréstimos têm prazos menores do que o vencimento do CRA, o que significa que o dinheiro pago pode ir para novos produtores –, o impacto pode ser ainda maior. 

Além dos instrumentos de financiamento, a Conexsus atua no desenvolvimento dos empreendimentos, com assessoria para gestão do negócio e acesso ao mercado. 

O apoio é essencial para o sucesso da introdução de crédito. “Só entrou nesse CRA quem teve um ciclo histórico bom de utilizar o crédito com a gente em outras operações, e que trabalham muito bem com uma assessoria, veem isso como uma contribuição pro negócio”, diz Pimenta. 

Head de negócios sustentáveis inovadores no Santander, Leonardo Fleck, também destaca essa expertise da Conexsus como um diferencial na operação. 

“O que nos motivou [a entrar] foi apoiar empresas surgindo com grande potencial, com grande capacidade de alcance, de cooperativas, para dar escala para financiamento de agriculturas sustentáveis”, diz Fleck, que afirma que a experiência do banco nessa área ainda é nova e dificulta fazer tal movimento de forma direta.