Perfil: De advogado da Zona Franca a investidor em série de startups da Amazônia

Átila Denys investe na aceleradora Amaz, faz aportes via family office e agora vai gerir um portfólio de R$ 75 milhões para startups que agregam valor aos produtos da floresta

O advogado e investidos Atila Denys
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O economista e advogado Átila Denys trabalhou durante décadas para as empresas instaladas na Zona Franca, à frente do maior escritório de direito empresarial de Manaus, o DD&L Associados, fundado por ele. Nos últimos cinco anos, longe do dia a dia da prática da advocacia, se converteu num investidor serial de startups da floresta amazônica. 

Paulista radicado na capital manauara há 46 anos, hoje ele é o principal investidor individual da aceleradora de impacto Amaz e também faz aportes diretos em empresas nascentes por meio de seu family office. No total, já colocou R$ 30 milhões nesses negócios.

Mais recentemente, passou também a gerir um portfólio de R$ 75 milhões originados de benefícios fiscais de uma indústria instalada na Zona Franca e que serão destinados a startups da bioeconomia.

Já são mais de 30 as empresas debaixo do seu guarda-chuva. E ele não quer parar por aí.

“Eu estava com a vida bem equalizada, mas não estava fazendo nada pela região. Gostaria de ter enxergado isso antes ”, diz. 

A Zona Franca, com todas as críticas que recebe por conta dos incentivos fiscais, em sua opinião cumpriu o papel de oferecer uma alternativa econômica ao Estado, o que levou o Amazonas a ter hoje índices de desmatamento inferiores aos dos vizinhos Acre, Amapá, Rondônia e Pará. “Ela permitiu a conservação da floresta, mas não vai existir para sempre.”

Bioeconomia da floresta

A saída, em sua opinião, está em desenvolver negócios em torno da tão falada – e pouco praticada – bioeconomia da floresta.

“Temos que levar atividades econômicas onde as pessoas moram e comprar os insumos por um preço justo; e não explorar quem vive da coleta. Precisamos desenvolver uma lógica de valorização para que as pessoas consigam viver bem.”

A virada de chave, diz, foi influenciada pelo empresário Denis Minev, da Lojas Bemol e também um conhecido investidor em startups da região, e de Mariano Cenamo, CEO da Amaz.

Por meio da aceleradora, são 13 as startups investidas, como a empresa de recuperação de pastos degradados Inocas, as fabricantes de superalimentos Mahta e Mazô e o marketplace de produtos artesanais Tucum.

“O Átila Denys tem colocado mais recursos nas startups da região do que empresários de maior patrimônio”, diz Cenamo. E não é só uma questão de aportar capital. Denys tem assento no conselho da Amaz, está no conselho de algumas das empresas e, recentemente, contratou um executivo para acompanhar os negócios no detalhe. 

Padrão global

Ele também acredita em usar sua experiência na advocacia para a formalização dos negócios desde o nascedouro. “Se queremos crescer e exportar, precisamos de negócios com um compliance de padrão global.”

Junto de Denis Minev, ele investe também em outros três negócios por meio do fundo de biotecnologia Emerge: a Nativa, de fitomedicamentos, a Fitofit, de fitoterápicos, e a Manguté, de ingredientes para a indústria de alimentos.

Dentro do seu family office, Denys criou a aceleradora Axcell, que tem 7 empresas investidas, como o Café Apuí e a marca de chocolates Warabu.

Também estão no family office dois negócios na área de turismo ambiental que absorveram a maior parte dos seus investimentos até aqui: o hotel boutique Mirante do Gavião, em Novo Airão, e a Expedição Katerre, que faz cruzeiros pelo Rio Negro.

Denys entrou no ano passado como sócio dos dois negócios fundados pelo empresário Ruy Tone, com o objetivo de financiar a expansão de ambos. Com aporte de R$ 22 milhões até aqui, dois novos hotéis estão em fase de projeto – o Mirante do Madadá, na mesma região, e um hotel em Manaus para receber os clientes que hoje ficam em hotéis da concorrência a caminho de Novo Airão. Além disso, uma quarta embarcação será incorporada à frota da Katerre. 

Propriedade intelelectual

Denys também aceitou um convite para gerir os recursos aportados pela fabricante de placas eletrônicas Digiboard no programa conhecido como PPBio

Para ter direito aos benefícios previstos pela Lei de Informática, as empresas instaladas na Zona Franca são obrigadas a destinar ao menos 5% do seu faturamento a pesquisa e desenvolvimento. Historicamente, os recursos sempre foram aplicados em projetos de inovação dentro das próprias fábricas. 

Para tentar mudar essa dinâmica, a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) criou cinco programas em que as empresas da podem investir em projetos e negócios com a curadoria de terceiros. Um desses programas é o Programa Prioritário de Bioeconomia, o PPBio, voltado para pesquisa e inovação baseados no uso sustentável dos recursos da floresta e coordenado pelo Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam).

“A Digiboard tem R$ 75 milhões depositados no PPBio e eu fui convidado a ajudá-los na gestão dos recursos”, explica Denys. Como contrapartida pelo trabalho, ele recebeu uma fatia de 20% dos negócios, algo previsto pelo regulamento do programa. 

“Não sou remunerado. Só terei ganho no futuro se os negócios derem certo e houver uma saída dos investimentos”, diz ele. Os recursos aportados no PPBio e investidos nas startups não são reembolsáveis. Isso quer dizer que, se as startups prosperam, o investimento retorna, mas, em caso de fracasso, o capital é perdido. (A maioria dos aportes em startups é estruturado sob a forma mútuo conversível, ou seja, uma dívida que é convertida em ação da empresa em caso de sucesso, mas que pode ser cobrada em caso de fracasso).

“O PPBio é um mecanismo bem inteligente para fomentar todo o ecossistema empreendedor na região. Normalmente, o capital dos investidores é mais agressivo em busca de retorno. Esse é um capital mais resiliente”, diz Denys.

Pipeline

Depois de quase um ano de planejamento e negociações, o fundo da Digiboard está pronto para investir em 12 negócios já selecionados.

Aqui, Denys quer começar a acelerar uma tese que considera essencial: criar negócios da floresta com mais tecnologia embarcada. “Chocolate e café são bioeconomia, mas quando chega na fase da comercialização, você se depara com a realidade de concorrer com quem já está nesses mercados”, diz.

“Temos que ir mais fundo em pesquisa e buscar produtos que realmente agreguem valor aos ingredientes e bioativos que só existem na região. As minhas novas rodadas serão nesse sentido.”

Dentro dessa tese cabem desde uma fábrica de leite de castanha na região até uma startup que pesquisa colágeno a partir das escamas do pirarucu, passando por outra que desenvolve um gel para aplicar nos pés de diabéticos.

“Agora é a hora de colocar todo o dinheiro nesse tipo de pesquisa. Não é mais em café, não é mais em chocolate, não é mais em cosméticos. Isso já tem bastante no mercado. É hora de inovar.”