Um ‘segundo andar’ para recuperar pastos degradados

A Inocas vai integrar a macaúba em 11 mil hectares para recuperar pastagens e criar novas receitas para agricultores familiares – e vislumbra um crescimento exponencial

Processo de beneficiamento dos cocos da macaúba em planta da Inocas
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Nos últimos nove meses, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mencionou em discursos pelo menos uma dezena de vezes as dezenas milhões de hectares de pastagens degradadas do país.

A Inocas, uma startup com sede em Patos de Minas (MG), tem planos claros e ambiciosos para pelo menos uma parte dessa imensa área.

A empresa desenvolveu um sistema que recupera pastos e aumenta a produtividade da pecuária introduzindo no mesmo terreno a cultura da macaúba, uma palmeira nativa cujos frutos podem ser transformados em óleos comestíveis ou para a indústria e também ração animal.

A empresa já provou a viabilidade dessas “fazendas de dois andares” em 2 mil hectares em Minas Gerais e acaba de fechar o financiamento para outros 4 mil em São Paulo. Ao todo, já estão previstos 11 mil hectares com o sistema integrado. (Um hectare equivale a mais ou menos o tamanho de um campo de futebol.)

E esse é só o começo, diz o fundador e CEO Johannes Zimpel. “Estamos em fase avançada de negociação de um pacote de 33 mil hectares, que provavelmente começa ano que vem, e temos conversas iniciais para projetos de 200 mil. É uma curva exponencial.”

O modelo é uma espécie de triangulação. Na base de tudo estão agricultores donos de pequenas e médias propriedades.

Os benefícios oferecidos a eles são a receita adicional com o cultivo da macaúba e um aumento de até cinco vezes na produtividade do rebanho, graças a melhorias no pasto e técnicas como a rotação.

Os financiadores do projeto ficam com os créditos de carbono gerados pelo restauro e o sequestro de CO2 nas plantações e no solo recuperado.

A Inocas entra com a metodologia. Em troca, recebe metade da produção da macaúba – e a garantia de poder comprar a parte restante por um preço fixo.

Alternativa à soja

A Inocas foi fundada em 2015 e nasceu de um projeto de pesquisa financiado pela UE em universidades de três países: Alemanha, Austrália e Estados Unidos.

A startup também recebeu recursos do BID (US$ 4 milhões) e mais recentemente do Fundo Vale (R$ 12 milhões, que serão pagos na forma de créditos de carbono) e da aceleradora Amaz.

O negócio da empresa, além do impacto socioambiental positivo, está na transformação da macaúba. Zimpel afirma que os derivados dos cocos da palmeira (foto) podem substituir com vantagem produtos à base de soja ou palma.

“A gente quer fazer um contraponto a essas culturas”, afirma Zimpel, que é economista e administrador e passou sete anos na Amazônia trabalhando na GIZ, uma agência de cooperação técnica do governo alemão.

De um hectare plantado com macaúba saem 2,5 toneladas de dois tipos de óleos vegetais (um da polpa e outro da amêndoa). A mesma área plantada com soja produz um quinto disso, diz Zimpel.

O que sobra da extração do óleo rende duas formas de ração animal – sete toneladas daquele mesmo hectare –, uma delas especialmente adequada para bovinos.

O plano inicial da Inocas era vender o óleo para a indústria de biocombustíveis, mas as aplicações são mais amplas.

A startup tem uma parceria de desenvolvimento com a Natura para o uso da macaúba em cosméticos. Outras possibilidades são o uso em bioplásticos, lubrificantes e tintas.

Mas esse potencial industrial ainda vai demorar para ser realizado. Do plantio até a primeira colheita passam-se cinco anos, e a produção se estabiliza em dez.

Os primeiros pés estão começando a produzir agora. A primeira fábrica, no interior mineiro, ainda produz pequenas quantidades. O plano é ter várias unidades, sempre perto das plantações.

O sistema agrossilvipastoril

O método desenvolvido pela Inocas é um sistema agrossilvipastoril. Trata-se basicamente de plantar palmeiras de macaúba no meio do pasto, com a adição eventual de alguma outra cultura.

Os benefícios são muitos. O primeiro é recuperar um solo em condições tão ruins que em alguns casos “nem grama cresce direito”, diz Zimpel.

As palmeiras criam um leve sombreamento, que deixa passar luz suficiente para as gramíneas e ao mesmo tempo evita a evaporação excessiva. As raízes contêm a erosão do solo, e as folhas que caem funcionam como adubo natural.

A iniciativa mais recente anunciada pela companhia fica no Vale do Paraíba, no interior de São Paulo.

A Native, uma desenvolvedora de projetos e broker de créditos de carbono americana, fechou em agosto um acordo de alguns milhões de reais (o valor exato não é público) com a Inocas.

O plano é implementar o sistema em cerca de cem propriedades ao longo dos próximos cinco anos. Serão 4 mil hectares, a um custo médio de implementação de R$ 15 mil a R$ 20 mil por hectare, diz Zimpel.

A maioria será no modelo de parceria com os agricultores, mas a empresa também trabalha com arrendamento de terras e a aquisição de terras próprias.

As fazendas da região têm níveis baixíssimos de produtividade, afirma Zimpel. “Uma vaca produz em média mais de 60 litros de leite por dia no Brasil. Lá, a média fica abaixo de 5.”

Usando as macaúbas como suporte para cercas, os produtores podem fazer rotação de pasto, uma técnica conhecida mas pouco utilizada por causa do alto custo. Essa mudança sozinha já garante um ganho considerável, afirma o fundador.

E, depois da extração do óleo, pelo menos 20% do volume dos frutos pode ser transformado em ração. Uma alimentação melhor também tem benefícios imediatos.

“Só a macaúba já dobra a receita do proprietário, e ele pode aumentar a receita ainda mais com essa otimização da produção bovina”, diz o CEO.

O ‘cinturão’ da macaúba

Em paralelo à prova de conceito realizada em Minas, a Inocas fez um levantamento de outras regiões do país que teriam condições de replicar o sistema integrado.

Zimpel mostra no mapa uma mancha vermelha que cobre parte do Mato Grosso do Sul e segue em direção aos Estados do Sudeste. São as regiões para onde a empresa pode se expandir.

A Amazônia, onde a pecuária causa mais destruição ambiental, não está pintada.

Zimpel diz não se tratar de uma exclusão – um dos projetos da startup fica no Pará. Mas uma conjunção de características torna mais interessantes outras partes do país.

O tipo de solo e a altitude são dois fatores. Outro é a decisão de ocupar áreas antropizadas há muito tempo. Um terceiro motivo tem a ver com a regra para a geração de créditos de carbono.

Para não criar os chamados “incentivos perversos”, projetos que produzam os créditos pretendidos pela Inocas não podem ocupar terras desmatadas há menos de dez anos.

Mas espaço para crescer é o que não falta. “Tem área de pastagem mal aproveitada de sobra”, diz Zimpel. “Não precisamos abrir mais na Amazônia para pasto e para soja. Vamos produzir gado e também ração nas mesmas áreas que foram desmatadas muito tempo atrás.”