A Salva quer levar o big data para a fazenda

Startup fundada por Gabriel Klabin e Mariana Caetano aposta que a digitalização será a chave para o agro de baixo carbono

A Salva quer levar o big data para a fazenda
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Há quase duas décadas, quando ninguém falava em drone, Gabriel Klabin, neto de Wolff Klabin, nome importante na história da gigante companhia de papel e celulose da família, estava fazendo testes com aeromodelos que chamaram a atenção até da Marinha brasileira.

A startup foi se transformando ao longo do tempo, um caminho que passou por fazendas no Pantanal e muita tecnologia, e derivou em outro negócio: Klabin hoje é sócio de uma empresa que pretende levar o big data para o campo.

Ajudar o agronegócio a coletar dados – e, mais importante, entendê-los – é o negócio da climatech Salva, criada em novembro de 2022.

A empresa criou uma plataforma digital que funciona como uma espécie de software de gestão para os atributos sustentáveis de uma fazenda.

Os produtores podem ter acesso fácil às emissões de gases do efeito estufa que geram, verificar a saúde do solo e entender se suas propriedades estão aptas a gerar créditos de carbono, entre outras funcionalidades.

Ao lado de Klabin no empreendimento está Mariana Caetano, executiva com mais de 20 anos de experiência no agronegócio, com passagens por empresas como a chinesa de insumos Syngenta, a Guima Café, do grupo mineiro BMG, e o fundo de venture capital de impacto KPTL.

A startup já monitora 2,3 milhões de hectares, tem clientes como a gigante das commodities SLC Agrícola e agora está no meio de rodada de investimentos-anjo de R$ 5 milhões para expandir sua área comercial.

Uma nova realidade

A Salva é um spin-off da Santos Lab, empresa que Klabin criou há quase duas décadas, quando a palavra drone não fazia parte do vocabulário da maioria das pessoas.

As duas empresas seguem existindo em paralelo, com a Salva aproveitando o know-how das tecnologias que foram sendo construídas pela Santos Lab nos últimos anos.

A nova companhia representa uma maneira de aplicar esse conhecimento na prática, em um setor em que muitos ainda resistem à tecnologia digital.

Mas o argumento de venda, diz Klabin, também se apoia nos ganhos que a adoção de uma tecnologia como essa pode gerar ao produtor.

“Todo mundo já entendeu os efeitos das mudanças climáticas, mas mudar dói. O produtor está gerindo um negócio, e ele tem que ver algum benefício financeiro de fazer isso”, acrescenta Klabin.

O que a Salva propõe para o agronegócio é uma realidade já conhecida nas companhias há bastante tempo: transformar a quantidade colossal de dados armazenados em seus bancos de dados em informação de qualidade, que servem de bússola para que executivos possam tomar decisões.

Nas fazendas, onde começa a cadeia do agronegócio, a ideia ainda é nova. Mas a adaptação às mudanças climáticas e as crescentes exigências regulatórias – vide a polêmica lei antidesmatamento da União Europeia – devem acelerar essa transformação.

“A gente está passando por uma mudança estrutural. O produtor tem que começar a entender e pensar o negócio agrícola de maneira diferente”, afirma Caetano.

A Salva tem produtos específicos para demandas do agronegócio, mas a ideia é que todas se complementem numa espécie de painel de controle.

As informações ficam reunidas numa plataforma proprietária chamada Flora, em que o produtor pode acessar os indicadores mais importantes de maneira simplificada, assim como os gestores de grandes companhias e seus softwares SAP ou Oracle.

Dos quatro produtos que a startup tem no momento, o principal é o Salva Carbon, que apresenta para o produtor um retrato do balanço de emissões de gases do efeito estufa de uma propriedade. A metodologia é o GHG Protocol, o padrão-ouro para determinar o impacto climático de empresas.

“O produtor consegue entender, por talhão, onde e qual deve ser o esforço maior para obter o melhor resultado”, afirma Caetano.

Ela cita um exemplo prático de uma fazenda no Pará, a Sierentz Agro Brasil, que passou a produzir soja com balanço negativo de carbono neste ano após ter começado a fazer seu inventário de emissões de gases de efeito estufa há três anos.

“Eles entenderam que, com poucas mudanças, podiam ter resultados sem grandes investimentos, grandes esforços, só com uma maneira diferente de pensar a agricultura”, afirma.

O produtor passou a trabalhar com o receituário da agricultura regenerativa: implementou com plantas de cobertura, fez a integração lavoura-pecuária e lavoura-floresta e montou biofábricas de insumos biológicos.

“No segundo ano, o número de emissões deles já foi muito mais baixo, e agora, no terceiro ano, quando eles intensificaram o manejo, a soja deles já retirou mais carbono da atmosfera do que emitiu”, diz Caetano.

Uma outra solução, a Salva Crop, permite os produtores fazerem o monitoramento de pastagens e culturas, avaliando a mudança do solo ao longo do tempo em suas terras – o que abrange, por exemplo, a degradação das terras.

Dessa forma, é possível comparar a mudança do solo ao longo do tempo mirando as datas-corte para desmatamento previstas no Código Florestal ou ainda pela União Europeia.

Há ainda soluções de certificação e adaptação às mudanças climáticas, que se chamam Salva Certified e Salva Adapta.

Na primeira, a startup reúne dados de diferentes fontes, usando fotografias de satélite, informações públicas e também privadas para atestar que as propriedades estão em conformidade ou não com o Código Florestal, por exemplo. 

Já a ferramenta de adaptação permite que seja feita a medição de impactos de eventos extremos. A SLC Agrícola usa o sistema para entender como as mudanças do clima poderão afetar as fazendas da companhia segundo modelos que projetam cenários climáticos ao longo dos próximos 100 anos.

A ideia é que a solução possa propor saídas de adaptação. “Se o produtor usar plantas de cobertura no Mato Grosso, fazer um plantio direto bem feito no Mato Grosso, usar variedades de soja mais específicas, mesmo com a temperatura aumentando, ele ainda consegue ter uma produtividade boa na soja, por exemplo”, afirma.

Unindo conhecimentos

A ideia de criar a startup nasceu a partir de uma inquietação de Caetano há três anos, quando ela atuava na área de agronegócio da gestora KPTL e sentiu necessidade de empreender após mais de duas décadas atuando como executiva em empresas do setor.

“Começou a me dar uma coceirinha de colocar a mão na massa e fazer algo que pudesse mudar a realidade da agricultura”, afirma.

Nesse período, Caetano conheceu Klabin e os dois começaram a pensar numa startup. Ele é filho de Israel Klabin, fundador da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS) e ex-presidente da Klabin.

Foi a paixão por tecnologia e aeromodelismo que o levou a criar a a Santos Lab, em 2006.

Na largada, já conseguiu contratos com a Marinha, após um comandante ter visto vídeos de demonstrações de um drone que Klabin havia desenvolvido quando estava na universidade.

Mas, quando a receita vinda das Forças Armadas começou a se esvair e os drones chineses passaram a chegar ao mercado, há uma década, Klabin resolveu voltar sua atenção para o agronegócio.

“Abriu-se essa oportunidade de adaptar para o uso civil os drones que a gente já tinha feito”, recorda ele.

A família tinha uma fazenda no Pantanal, que já foi vendida. A maior parte da área era excedente de reserva legal. Apenas uma fatia pequena era destinada para a pecuária. “Não dava dinheiro, porque era muita onça pra pouco gado. E o meu pai sempre ponderava: ‘Como é que ganha dinheiro com isso aqui?””

A Santos Lab passou a fazer monitoramento de áreas produtivas com drones, trazendo informações sobre manejo, perfil de solo e pragas, entre outros dados. Mas Klabin logo se deu conta que as imagens geradas pelos drones não eram suficientes para entender tudo o que acontecia no campo

“Tinha muita coisa que a gente não ia acessar porque era embaixo da terra ou era uma praga que dava ali na raiz. No Mato Grosso, a gente abriu um centro integrado de muitas outras análises além do drone, que começou a virar um pedaço menor dentro do quebra-cabeça”, explica ele.

A empresa começou a produzir muitos mapas e dados sobre o campo – mas não conseguia endereçar direito todo o conhecimento que gerava. 

“Eram 200 mapas, cada um sobre uma coisa diferente. Um era praga, outro era clorofila, outro era calcário, coisas no solo. E aí a gente criou uma plataforma de software para juntar esses mapas. Mas era muita coisa, era muita funcionalidade. A gente estava um pouco perdido em relação ao que de fato o mercado queria.”

Caetano recorda que teve a mesma percepção ao conhecer o trabalho da startup. “Na Santos Lab, o Gabriel tinha um grupo grande de pesquisadores trabalhando, uma série de iniciativas, mas não tinha um produto. Resolvemos nos juntar.”

A Salva veio para somar o conhecimento de Caetano com o agronegócio ao que já vinha sendo desenvolvido por Klabin e sua equipe. 

“Sabendo da história dela, era justamente o que faltava na gente, de alguém que via o produtor, que sabia o que o produtor queria”, afirma Klabin.

Filha de um produtor de café de Minas Gerais, Caetano sempre esteve em contato com os desafios e a movimentação dos produtores do Cerrado Mineiro para ter o selo de denominação de origem.

Ela também trabalhou na Guima Café, empresa de cafés especiais do grupo mineiro BMG, onde atuou durante quase 15 anos, e percebeu que certificar a fazenda produtora era uma forma de entrada no mercado europeu – quando pouca gente falava nisso no Brasil, ainda nos anos 2000.

“Os acionistas da fazenda me falavam na época: ‘Mariana, mas será que a gente consegue? Porque a fazenda está muito bagunçada, né?’ E realmente estava, foi muito difícil. Tivemos um trabalho super intensivo, desde melhorar a moradia dos funcionários até enfrentar a seca”, afirma Caetano.

O caminho foi longo, até porque a seca continuou sendo um desafio persistente para a empresa, mas os frutos vieram com o tempo.

Em 2021, fazendas da Guima passaram a produzir com técnicas regenerativas em um projeto-piloto, numa parceria com a Nespresso e a startup holandesa Re.Nature.

“Conheço muito o produtor rural e seus desafios. E também vivenciei essa transição que a gente tem passado numa agricultura mais resiliente, os produtores procurando maior sustentabilidade”, resume Caetano.