
Belém – Cerca de 800 milhões de toneladas de carbono estão sem um responsável no plano brasileiro de corte de emissões de gases de efeito estufa. É quanto o desmatamento em áreas privadas voltadas ao agronegócio emite por ano.
O governo queria apresentar durante a COP30 como pretende obter as reduções de emissões de carbono prometidas à ONU. Mas um impasse com o agro, atividade responsável por parte relevante das nossas emissões, pode atrapalhar esse plano.
A briga é onde alocar essa conta salgada: no plano do setor agropecuário ou na categoria “mudança do uso do solo”, onde entram também os números de desmatamento em terras públicas. A proposta de alocar no agro colocou o setor em pé de guerra com o governo.
Representantes do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e da Agricultura e Pecuária (Mapa) ainda tentam entrar em um acordo antes do fim da Conferência do Clima da ONU, que ocorre entre hoje e o dia 21 de novembro em Belém.
“Tem que finalizar os detalhes, mas a decisão de aprovar ou não é mais uma definição política mesmo”, disse uma pessoa do governo que acompanha as negociações de perto. A Casa Civil foi chamada a intervir nas negociações do Plano Clima.
Casa Civil e MMA coordenam o Conselho Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), formado por 23 ministros. Para ser lançado, o Plano Clima precisa ser aprovado por esse órgão. Havia uma reunião prevista na última semana, mas ela não aconteceu, dada a ausência de acordo.
O Brasil não tem a obrigação de apresentar na conferência como pretende cumprir o que prometeu em seu plano nacional de descarbonização. Mas gostaria de fazê-lo para fortalecer sua liderança política à frente da COP30.
A treta
Entidades do agronegócio querem mudanças na proposta apresentada pelo governo, que foi colocada em consulta pública em julho. A alteração na contabilidade de carbono teria um impacto significativo nas obrigações de descarbonização que caberiam ao setor.
Para cumprir o orçamento de carbono nacional, a chave são as políticas públicas de controle do desmatamento, responsável por cerca de metade dos gases de efeito-estufa lançados pelo país na atmosfera. A proposta contida na Estratégia Nacional de Mitigação coloca parte da responsabilidade sobre proprietários rurais quando vegetação nativa é derrubada para abrir novas áreas produtivas.
Foram divulgados sete planos setoriais: conservação da natureza, agricultura e pecuária, cidades (incluindo mobilidade urbana), energia (incluindo combustíveis e mineração), indústria, resíduos e transportes. São previstas reduções das emissões para cada um deles, com uma meta para 2030 e outra para 2035.
No setor agrícola entram tanto a produção agrícola e pecuária quanto a abertura de novas áreas, o que é chamado de “mudanças do uso do solo”, ou seja, desmatamento.
Uma das propostas na mesa seria criar um novo plano setorial para acolher os cálculos das emissões e remoções de CO2 decorrentes da mudança do uso do solo em propriedades rurais. O Plano Clima passaria, assim, a ter oito planos setoriais.
A principal crítica do agro – que neste caso também é acompanhada de especialistas de ONGs e consultorias – é a de que o ônus adicional de colocar o desmatamento na conta do agro deveria ser compensado por um bônus: a conta do setor poderia incluir o carbono capturado no solo, com o uso de práticas mais sustentáveis, e nas áreas de vegetação preservadas.
A premissa é que o agro não só emite, mas também remove gases de efeito-estufa, resultando num balanço não tão negativo ou, a depender da quantidade de captura, até positivo. O problema é que o cálculo dessas remoções é falho na versão atual do inventário nacional de emissões, algo reconhecido pelo próprio governo.
Os técnicos do governo têm nove dias úteis para desamarrar esse nó.