Cidade inundada no Rio Grande do Sul

A adaptação à nova realidade climática deve ser encarada como “o próximo passo da evolução humana”, escreve o presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, em sua mais recente carta dirigida à comunidade internacional.

“A era dos alertas dá lugar à era das consequências”, afirma o embaixador. Corrêa do Lago enquadra o tema em dimensão moral: “Sem adaptação, a mudança do clima se torna um multiplicador da pobreza, destruindo meios de subsistência, deslocando trabalhadores e aprofundando a fome.”

A carta aponta o impacto econômico dos desastres relacionados ao clima: na África, eles já custam anualmente de 2% a 5% do PIB. “Nos pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, um único furacão pode comprometer décadas de progresso, como demonstrou a devastação do ciclone Freddy em partes do Oceano Índico”, afirma o embaixador.

“Estamos ingressando em uma era perigosa, na qual os ricos – tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento – se isolam atrás de muros resilientes ao clima, enquanto os pobres permanecem expostos”, diz o texto. “Já vemos sinais desse cenário distópico emergindo como uma tendência.”

A inação não representa somente riscos localizados, argumenta a carta. As crises “são alertas fiscais, fraturas sociais e riscos sistêmicos à estabilidade global”.

O texto aponta um mecanismo de retroalimentação: o custo de lidar com as consequências de eventos extremos rouba recursos que poderiam ser destinados à transição para uma economia de baixo carbono, o que por sua vez agrava a mudança do clima e aumenta a necessidade por medidas de adaptação.

Primo pobre

Nos mais de 30 anos de diplomacia do clima, a adaptação sempre recebeu menos atenção que a redução das emissões de gases de efeito estufa, ou mitigação, no jargão das COPs.

Um dos motivos é a complexidade. Uma tonelada de CO2 é a mesma em qualquer lugar do planeta; medidas para aumentar a resiliência são hiperlocais.  

Um dos objetivos de Belém é colocar os dois assuntos no mesmo patamar. “Durante muito tempo argumentou-se que adaptação, por ser algo local, nem deveria ser debatida na conferência. Mas ela tem impacto global”, afirmou Corrêa do Lago em entrevista à imprensa na manhã desta quinta-feira (23). “Não é uma coisa ou outra.”

Em entrevista ao podcast Carbono Zero, do Reset, Thelma Krug, uma das maiores autoridades globais em mudança climática, afirmou que não se falava do assunto, entre outros motivos, porque isso seria uma admissão de fracasso.

“A gente estaria sinalizando a incapacidade de fazer suficiente mitigação que não nos levasse a ter que se adaptar. Hoje, é inevitável falar de adaptação”, diz Krug, que foi vice-presidente do IPCC, o painel científico da ONU sobre clima, e representou o Brasil durante mais de uma década nas negociações.

Vida real

As mudanças impostas pela crise do clima são exemplos concretos que aproximam a agenda das COPs do “mundo real”, um tema constante das comunicações da presidência brasileira.

Cidadãos, empresas, governos regionais – todos aqueles que não fazem parte formal das negociações – “sentem diariamente o peso da escassez de alimentos, da falta d’água e das ondas de calor”.

“No fundo, o público em geral, no Brasil e no mundo, entende muito melhor adaptação que mitigação, porque ela afeta a vida no dia a dia. Mitigação é algo muito mais abstrato. E isso tem impacto muito grande sobre a percepção da mudança do clima, sobretudo em democracias”, disse Corrêa do Lago.

A adoção de tecnologias de descarbonização, uma ação de mitigação, pode resultar em aumento do custo de vida. “Já uma obra da prefeitura que assegura que não haverá mais inundação, é um motor positivo para quem acredita que há um contrato entre o Estado, as autoridades e o público. E esse contrário é fácil de entender”, afirmou o embaixador.

E o dinheiro?

Os recursos destinados à resiliência ainda representam menos de um terço do total do financiamento climático. Um relatório da ONU estima que seriam necessários de US$ 195 bilhões a US$ 366 bilhões anuais para dar conta do que é preciso fazer.

O documento em que Brasil e Azerbaijão vão apontar alternativas para atingir US$ 1,3 trilhão ao ano para lidar com a emergência do clima vai contemplar adaptação, disse o presidente da COP30.

Subsídios e empréstimos concessionais serão essenciais para que os países mais vulneráveis – que tipicamente estão endividados – possam se preparar, diz a carta. O mesmo vale para instrumentos inovadores como swaps de dívida por investimentos em resiliência.

Mas os recursos públicos continuarão tendo papel central. “Quando você pensa num caso como o do Rio Grande do Sul (foto), foi o governo que cobriu a maior parte dos custos. Não foi cooperação internacional, não foi ajuda internacional, não tinha fundo para isso”, diz o embaixador.

Corrêa do Lago argumenta também que a adaptação deve ser parte central de um novo olhar para o planejamento público. Ela é “a essência do desenvolvimento sustentável”, escreve o presidente da COP30.

Na agenda

Não está claro se financiamento específico para adaptação será objeto de alguma decisão da COP de Belém. O Roadmap Baku to Belém, preparado por brasileiros e azerbaijanos, não será submetido à aprovação dos países.

O que está na agenda oficial dos negociadores são os Objetivos Globais de Adaptação. Trata-se de uma lista de indicadores universais e comparáveis que sirvam de medida do grau de preparação dos países.

A Convenção do Clima já estabeleceu 11 grandes objetivos . “Segurança alimentar, água, infraestrutura, patrimônio cultural…”, afirmou aos jornalistas Ana Toni, diretora-executiva da COP30. “Apesar de ser algo hiperlocal, é uma tentativa de mostrar que a adaptação afeta todos.”

Mas a limitação das COPs fica evidente nesse tema. Discussões internacionais nunca serão capazes de olhar para as necessidades específicas de cada país ou região.

O caráter prático, de implementação, será chave, diz Corrêa do Lago. Muitos dos avanços terão de ocorrer na chamada Agenda de Ação, ou seja, em iniciativas à margem do processo formal da conferência: “Vamos apresentar soluções que existem e que já podem ser adotadas”.

A presidência da COP30 fala em um “pacote” que envolva três elementos: o processo de negociação, mobilização concreta na Agenda de Ação e destaque para o tema na Cúpula dos Líderes.

“A contribuição da COP30 é dar visibilidade”, afirma Ana Toni.