
Siga o dinheiro. Essa é uma descrição simples, mas eficaz para mostrar como o poder econômico exerce sua influência. Investidores com mandatos relacionados ao clima vêm há alguns anos eliminando ações de empresas do setor de combustíveis fósseis de seus portfólios. Mas há pouquíssimas evidências de que isso tenha um impacto real na produção de petróleo, gás e carvão.
O motivo? Eles estão fazendo errado, segundo uma pesquisadora da Universidade de Cambridge. A co-diretora de finanças para mudanças sistêmicas da universidade, Ellen Quigley, estuda as evidências dessas políticas de exclusão nas emissões de gases de efeito estufa medidas no mundo real.
A conclusão é que eles se concentram demais em ações, quando o impacto maior seria em dívida. A pesquisa de Quigley mostra que 90% do novo capital que financia combustíveis fósseis vem de títulos e empréstimos bancários. Apenas uma pequena fração proveniente da emissão de ações.
Quigley convenceu seus empregadores a aplicar essas ideias ao seu portfólio – ela é consultora especial de investimento responsável do diretor financeiro da instituição. A Universidade de Cambridge é uma das universidades mais ricas fora dos Estados Unidos e reportou um patrimônio líquido de 8 bilhões de libras no ano passado.
Novo índice
Cambridge firmou uma parceria com a Bloomberg para criar um novo índice de títulos de dívida que exclua empresas que buscam ou financiam a expansão de combustíveis fósseis. Até o momento, a universidade e o fundo de pensão dos funcionários da ONU – que tem US$ 88 bilhões sob gestão – se comprometeram a investir US$ 750 milhões de acordo com o novo índice.
A universidade inglesa também mobilizou mais de 70 outras instituições de ensino superior, incluindo as universidades de Oxford e a London School of Economics, para investir em conjunto com ela em um novo veículo de investimento. Ele parece ser o primeiro do gênero: um fundo de dívida de curto prazo que excluirá a aplicação em títulos que financiam a expansão dos fósseis.
Juntas, as universidades planejam investir cerca de 500 milhões de libras no fundo, que será administrado por uma gestora de ativos ainda não anunciada. A iniciativa deve ser lançada nos próximos meses.
“Ao contrário dos produtos de ações, há evidências de alguma ‘adicionalidade’ em outras classes de ativos, como as que estamos mirando”, disse Quigley ao Financial Times, em referência ao impacto das políticas de exclusão no mercado de dívida. “Que é, curiosamente, onde vemos menos opções para investidores que desejam fazer esse tipo de coisa.”
O financiamento global de combustíveis fósseis proveniente de títulos e empréstimos totalizou US$ 746 bilhões em 2023, com mais US$ 101 bilhões provenientes de financiamento de projetos, segundo dados da empresa de dados BloombergNEF. A emissão de ações por produtores de combustíveis fósseis foi de apenas US$ 23 bilhões no mesmo ano.
Impacto no bolso
O volume de empréstimos a combustíveis fósseis aumentou substancialmente na última década, em comparação com a década anterior.
Em teoria, menos demanda por esses títulos elevaria o custo de capital dessas empresas – o que afetaria a viabilidade econômica de alguns projetos. Essa abordagem de exclusão de Cambridge, porém, precisaria se tornar bastante difundida para provocar esse efeito.
Outros grandes gestores de ativos demonstraram interesse, como os fundos de pensão dos professores da Califórnia, de US$ 368 bilhões; dos funcionários das Universidades do Reino Unido, de 78 bilhões de libras; e o fundo público da Suíça, de US$ 52,8 bilhões. Os três contribuíram para o desenvolvimento do novo índice de títulos, mas ainda não se comprometeram a investir de acordo com ele.
Esse movimento mostra como gestores de recursos com estratégias de longo prazo, como universidades e fundos de pensão, estão intensificando seu trabalho em questões climáticas. Isso em um contexto em que muitos bancos e gestoras de ativos estão sendo mais discretos – principalmente devido a reação negativa vindo dos Estados Unidos, com riscos jurídicos para quem assume publicamente compromissos climáticos.
A pesquisa de Quigley sugere que a incorporação de fatores ambientais ou sociais na seleção de títulos já afetou as classificações de crédito e o custo de capital de empresas – tanto para títulos quanto para empréstimos bancários.
E os bancos?
Bancos não precisam evitar todo tipo de financiamento a combustíveis fósseis para entrar no novo índice de títulos Cambridge-Bloomberg – a linha de corte é oferecer crédito que vá expandir a produção.
Essa é a mesma política que a iniciativa Science Based Targets (SBTi) está pressionando os bancos a adotarem para obter a aprovação para seus planos climáticos – a entidade dá o selo de maior prestígio para os planos de descarbonização de empresas.
A pesquisadora de Cambridge cita um estudo que examina especificamente o efeito do desinvestimento em novos financiamentos para combustíveis fósseis por meio de empréstimos bancários e emissão de títulos em 33 países. Ele descobriu que cada aumento de 1% nos ativos sob gestão comprometidos com o desinvestimento está associado a um declínio de 0,11% no financiamento de dívida para empresas de petróleo e gás.