Como a Lev quer criar uma febre de e-bikes no Brasil

Os irmãos e sócios Rodrigo e Bruno Affonso têm a meta de abrir mais de 50 lojas de bicicletas elétricas nos próximos três anos

Como a Lev quer criar uma febre de e-bikes no Brasil
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Centro financeiro de São Paulo, a Avenida Faria Lima tem vivido um fenômeno da mobilidade urbana: trânsito de bicicletas. No horário do rush, o congestionamento de carros é acompanhado por uma fila de magrelas na ciclovia que corta a avenida. E, nos últimos tempos, ela tem sido invadida por uma marca específica de bikes elétricas, da brasileira Lev. 

A empresa foi fundada em 2010 pelos irmãos e sócios Rodrigo e Bruno Affonso, no Rio de Janeiro. Bruno (à direita na foto) se impressionou com a autonomia e praticidade das bicicletas elétricas em 2007, quando passou uma temporada em Pequim. 

Queria visitar as obras da Olimpíada que aconteceria no ano seguinte e não conseguia fazer isso de táxi nem de bicicleta comum. Até que experimentou uma bike elétrica. “De repente, a cidade encolheu para mim. Eu conseguia cruzar Pequim inteira”, conta. Ele viu o potencial do negócio e convenceu o irmão, Rodrigo (à esquerda na foto), a entrar como sócio e CEO. 

A expansão inicial foi lenta, com sete lojas abertas até 2018, mas o crescimento das vendas foi constante: de 10 mil e-bikes vendidas em 2022, deve chegar a 14 mil este ano. Mas o objetivo agora é ganhar tração. A meta é abrir 50 novas lojas nos próximos três anos, mais do que dobrando a rede atual, de 32 unidades. 

As lojas estão presentes em São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. No plano de expansão, Minas Gerais e Paraná estão no topo das prioridades; em seguida, o Nordeste.  

A empresa não divulga resultados financeiros, mas afirma que seus números são fortes o bastante para manter a expansão sem precisar de novos investidores. Rodrigo diz que recebe mais de uma sondagem por mês, mas que por enquanto descarta todas. “Talvez o fim de 2025 seja um bom momento para avaliar propostas”, diz o CEO. 

A estrutura verticalizada – com controle de design, linha de montagem, lojas, pós-vendas – permite que a Lev aproveite melhor as oportunidades, afirma Rodrigo. 

Os pontos de venda, que também realizam reparos, são outro ponto de atração. “As lojas precisam oferecer serviço rápido, resolver qualquer problema, porque o cliente usa a bike para trabalhar e não pode esperar dois dias por um conserto”, afirma Bruno, que assumiu o cargo de diretor na empresa.

“Os chineses usam e-bike não por ser cool, mas por ser funcional. É o que queremos aqui.”

Da China para Manaus

Da China, veio a ideia e também a montagem de boa parte da produção. Mas só até o fim deste ano. A partir de 2025, todas as bicicletas elétricas da marca vão passar a ser montadas no Brasil, na nova fábrica da empresa na Zona Franca de Manaus. Metade desse trabalho, até outubro, era feito na China. 

Os componentes seguem sendo fabricados na Ásia, sob orientação dos brasileiros. 

Os Affonsos começaram a avaliar a transição há dois anos. Com a montagem na Zona Franca, pagam menos tributos e correm menos riscos com o câmbio. Enquanto implementam a mudança, enfrentam uma nova dificuldade: o fluxo de carga na área se tornou mais lento, por causa do baixo nível dos rios, depois da seca histórica deste ano. 

“A cada vez que você ultrapassa um obstáculo, aparece outro. A gente se concentra no que consegue controlar. Se você quer empreender, tem de ser assim”, diz Rodrigo, CEO da Lev.

O novo processo de produção ajuda a conter o preço final das bicicletas da Lev, numa tentativa de torná-las mais populares. O modelo mais barato custa cerca de R$ 7 mil.

As bicicletas Lev têm velocidade máxima próxima de 25 km/h e autonomia de cerca de 30 km, com alguma variação entre os modelos. De acordo com a experiência em outros países, a e-bike tende a substituir veículos maiores (moto, carro, ônibus) nos trajetos longos, de uma forma que a bicicleta comum não consegue.

O resultado é menor impacto ambiental nas cidades, maior fluidez no trânsito e mais exercício para os usuários (é preciso pedalar parte do tempo em trajetos mais longos). As elétricas ajudam a manter os ciclistas pedalando, mesmo quando eles envelhecem. 

Os resultados, bons para o meio ambiente e para a saúde pública, aparecem em vários estudos, como um feito em 2019 com 10 mil ciclistas em sete cidades europeias, liderado por pesquisadores da Universidade de Zurique e do Instituto de Estudos de Transporte de Viena. 

Com isso, se multiplicam as políticas públicas de incentivo financeiro para que o cidadão compre uma e-bike, em países como Finlândia e Itália, cidades como Paris e Londres e Estados como Colorado e Connecticut, nos EUA.

Os irmãos Affonso já sabem disso tudo, mas as vantagens da e-bike não se reverteram no Brasil em políticas públicas de incentivo. Por aqui, os empreendedores se acostumaram com o caminho cheio de quebradas. Se não é câmbio, imposto ou logística, pode ser o trânsito perigoso ou só o preconceito, mesmo.

Desde 2010, já teve gente considerando as e-bikes caras demais, femininas demais (por causa da cestinha de carga e da posição do quadro, que mantém o ciclista mais ereto), rápidas demais (para dividir com as bicicletas comuns o espaço restrito de ciclovias e ciclofaixas). 

Tendência

A evolução do mercado de e-bikes foi parecida em muitos países. Até 2019, as bicicletas elétricas ganhavam mercado num ritmo constante. Até que, na pandemia, as vendas dispararam, porque o equipamento se mostrou um ótimo meio de transporte para quem queria ou precisava evitar aglomeração no transporte público. 

Nos Estados Unidos, o salto foi de 145% em 2020, um aquecimento tão forte que mereceu análise do Fórum Econômico Mundial: “Com as vendas de e-bikes em crescimento, pode ser necessária maior colaboração público-privada na regulação para criar espaços seguros, no incentivo ao compartilhamento de bicicletas e na garantia de acesso a pontos de recarga.” 

Fenômeno parecido ocorreu nas maiores economias da Europa e da Ásia, e também no Brasil. A Lev aproveitou ao máximo. “A pandemia foi um momento triste. Mas pensamos no que podíamos fazer pelas pessoas: elas estavam em casa, deixando de gastar dinheiro com restaurante e viagem. Podiam usar esse dinheiro para trocar de bicicleta”, conta Rodrigo. 

“Ligamos para todos os nossos 15 mil clientes, oferecendo desconto super agressivo para eles trocarem a bicicleta usada por uma nova.”

Depois que a pandemia passou, o ritmo de vendas de e-bikes desacelerou. Em 2023, as vendas caíram 5% na Alemanha, 9% na França, 19% na Itália e 11% nos Estados Unidos. Mas parece ser só um reajuste de momento, segundo consultorias. 

Elas afirmam que a tendência de popularização permanece e que e-bikes vão tomar o mercado das bicicletas comuns. O Boston Consulting Group (BCG) estima que o crescimento anual global do setor até 2028 será da ordem de 12% e a Fortune Business Insights projeta um avanço anual nos EUA ainda maior, de 15%. Os irmãos Affonso estão a postos.