Em um apelo por uma ação determinada dos governos, mais de 130 empresas globais assinaram uma carta pedindo uma aceleração dos esforços coletivos para proteger e restaurar a natureza.
O documento foi divulgado nesta terça-feira, quando faltam 100 dias para a 16ª COP da Biodiversidade, que ocorre na Colômbia no fim de outubro. Apenas 9 dos 193 países signatários do Marco Global da Biodiversidade apresentaram seus planos detalhando como pretendem interromper e reverter a perda de diversidade biológica.
Acordado há dois anos, o marco é composto por 23 metas para transformar a relação da humanidade com a natureza. A mais simbólica, conhecida como “30 por 30”, estabelece que 30% das áreas terrestres e marinhas terão de ser protegidas até 2030.
A Natura & Co e a Suzano são as únicas brasileiras entre as signatárias. Estão acompanhadas de gigantes como Nestlé, Unilever, Amundi, Enel e Schneider Electric. Companhias de setores que tradicionalmente são grandes emissores de carbono, como mineração e óleo e gás, também fazem parte da lista – Anglo American, Engie, Iberdrola, Enel, entre outros.
A conferência da ONU sobre biodiversidade acontece a cada dois anos e tem um objetivo parecido com o das COPs do clima: incentivar a colaboração entre países, neste caso na defesa da diversidade biológica e da natureza.
Um dos elementos centrais do Acordo de Paris, que rege a cooperação climática, são os planos nacionais de descarbonização. Nas COP Bio, criou-se um mecanismo semelhante, e a expectativa é que esses documentos sejam apresentados até o início da conferência deste ano, em 21 de outubro.
Mais ambição
Um dos objetivos da carta publicada pelas 130 empresas é justamente cobrar objetivos nacionais ambiciosos.
Um número citado com frequência quando se fala da relação entre negócios e biodiversidade é a estimativa do Fórum Econômico Mundial de que US$ 44 trilhões – cerca de metade do PIB global – têm dependência moderada ou alta da natureza e dos serviços por ela prestados.
“Reconhecemos os riscos reais que a perda da natureza já representa e continuará representando para os negócios e os meios de subsistência, através da escassez de recursos e da interrupção das cadeias de abastecimento”, dizem as empresas, por meio da carta.
No documento, as companhias também afirmam estar comprometidas em transformar suas operações, cadeias de valor e setores de forma geral para contribuir para uma economia que dependa de ecossistemas saudáveis.
A publicação foi organizada pela Business for Nature, uma coalizão global que conta com uma centena de organizações parceiras e mais de 1.400 companhias e instituições financeiras em sua rede.
Em meio ao cenário político polarizado ao redor do globo, o documento, apoiado e assinado pelas companhias, deve dar confiança e coragem aos legisladores para que continuem fortalecendo suas políticas para a natureza, diz Eva Zabey, CEO da Business for Nature.
“Com um ambiente regulatório mais claro e forte, companhias e instituições financeiras terão apoio para agir mais. É esse o momento em que estamos agora: a ação voluntária não é suficiente”, afirma Zabey. “Precisamos que governos deem alguma certeza política para que o setor privado acelere e escale suas ações para investir em modelos de negócios inovadores.”
Junto à carta, a organização publicou uma série de recomendações que visam à criação de mecanismos que permitam a transição para uma economia positiva para a natureza. As recomendações se encaixam em cinco princípios:
- Garantir que empresas e atores financeiros protejam a natureza e restaurem ecossistemas degradados;
- Garantir a gestão sustentável de recursos para reduzir as pegadas ecológicas de produção e consumo;
- Valorizar e incluir a natureza nos processos de decisão e de reporte dos setores público e privado;
- Alinhar os fluxos financeiros para a transição para uma economia igualitária, net zero em carbono e positiva para a natureza; e
- Adotar tratados e acordos globais ambiciosos e efetivos para lidar com os desafios remanescentes de perda da natureza.
Na parte financeira, por exemplo, o documento pede reformas nos sistemas tributários sobre extração e uso de recursos naturais, de forma que a descarbonização e circularidade dos produtos seja valorizada, assim como o manejo e produção sustentável. Também é recomendada uma revisão na interpretação do dever fiduciário de agentes econômicos, de forma que passem a considerar a natureza e seus riscos ao fazerem suas decisões.
As recomendações e a lista completa de signatários podem ser acessadas neste link.
Marcha lenta
Por enquanto, apenas Canadá, Japão, Luxemburgo, Hungria, Malásia, China, Irlanda, Espanha e França apresentaram seus planos para biodiversidade, de acordo com levantamento da Business for Nature.
O Brasil está entre os que prometeram apresentar seu plano até a COP16, que será realizada em Cali.
Diretora de advocacy na Business for Nature, Maelle Pelisson observa que, como o período para desenvolvimento e implementação do plano foi encurtado – já que a pandemia adiou a COP15 da Biodiversidade de 2020 para 2022 –, alguns governos estão fazendo as duas tarefas em paralelo.
“Isso é ótimo, porque a essência da carta é que não há tempo a ser perdido e precisamos acelerar o processo”, diz Pelisson. No Brasil, por exemplo, já há organizações mapeando subsídios governamentais que podem ser prejudiciais para a biodiversidade, ainda que o plano nacional não tenha sido apresentado.
A ideia é que o documento concentre e estruture essa abordagem com a natureza e a biodiversidade. “Já há trabalho sendo feito e implementado. Isso é ótimo, mas não está andando rápido o suficiente em lugar nenhum”.
Foto: Convention on Biological Diversity