O governo britânico acaba de apresentar um plano abrangente de ações concretas para atingir suas metas climáticas. A estratégia inclui incentivos a carros elétricos, subsídios para a troca dos aquecedores domésticos a gás e investimentos em fontes alternativas de energia.
Algumas medidas já eram conhecidas, outras são novidade. O timing do anúncio do pacote foi calculado. Em onze dias, o premiê Boris Johnson será anfitrião da COP26, a cúpula do clima, que acontece em Glasgow, na Escócia. Eis mensagem para os outros líderes mundiais: estamos fazendo a nossa parte.
Ou seja, não adianta apenas se comprometer com metas mais ambiciosas, mas, a essa altura do jogo e dada a urgência da crise climática, é preciso dizer como se pretende chegar lá.
Além de levantar a questão sobre quem vai pagar a conta das mudanças propostas, muitas das quais dependentes de subsídios, o pacote não escapou de críticas de ativistas do clima, que apontam uma falta de ambição no plano.
“Dinheiro para plantar árvores e progresso na adoção de carros elétricos não compensam a falta de planos concretos para energias renováveis em escala, investimentos em transportes públicos ou um compromisso decisivo para acabar com novas licenças para explorar gás e petróleo”, afirmou ao The Guardian Rebecca Newsom, diretora de políticas públicas do Greenpeace.
Eis algumas das medidas da estratégia para atingir a neutralidade de emissões em 2050:
. A partir de 2030, fica proibida a venda de novos carros e vans movidos a gasolina ou diesel;
. Em 2035, 100% da energia consumida no país virá de fontes limpas. Para isso, haverá investimentos em plantas eólicas offshore, produção de hidrogênio e pelo menos uma nova usina nuclear;
. Subsídios para trocar aquecedores a gás por alternativas de baixo carbono. Os sistemas de aquecimento são responsáveis por quase um quarto das emissões do país;
. Financiamento de plantas de sequestro de carbono em dois polos industriais no norte da Inglaterra. O CO2 será capturado e armazenado em poços de petróleo exauridos no Mar do Norte. O objetivo é comprovar a viabilidade econômica da tecnologia.
Quem vai pagar a conta
A conta para chegar à neutralidade em 2050 é alta, e não há certezas sobre quem vai pagá-la.
O fim da venda de carros a gasolina, por exemplo, pode representar um buraco de 40 bilhões de libras no orçamento, com a perda de arrecadação de impostos sobre a venda de combustíveis. Um documento publicado pelo Tesouro britânico apontou uma perda de até 1,5% do PIB em 20 anos, que teria de ser preenchida por outra fonte de recursos.
Uma das ideias em discussão é a criação de mais pedágios dentro das cidades, como o que existe na região central de Londres há mais de 20 anos. Mas a proposta não toca no tema.
“Quem vai pagar pela neutralidade será uma das questões dominantes no governo e nas empresas durante a próxima década”, disse ao Financial Times Mats Peterson, da consultoria EY.
O governo britânico aposta em 90 bilhões de libras (US$ 124 bilhões) de investimentos da iniciativa privada, que gerariam cerca de 450.000 empregos ao longo da próxima década.
A mudança climática em casa
O ponto mais controverso do anúncio foi a troca dos aquecedores a gás. Uma discussão que normalmente se restringe à direção das grandes empresas e aos políticos chegou às casas dos britânicos.
Trocar o aquecedor de casa é muito mais complicado que trocar de carro. Apesar de generoso, o programa de subsídios vai contemplar somente 30.000 substituições por ano, ao longo de três anos.
A expectativa é que o preço dos aquecedores elétricos caia rapidamente com a demanda criada pelos subsídios e com investimentos voluntários – o governo pretende aumentar a tarifação do gás natural de uso doméstico.
A partir de 2035, a instalação de novos aquecedores a gás será proibida.
Por enquanto não há sinalização de leis que obriguem a troca dos equipamentos em uso hoje, mas uma integrante do governo já afirmou que “em algum momento” a substituição voluntária não será mais suficiente.
Enquanto este dia não chega, a estratégia é aumentar os impostos sobre gás natural e reduzir os da eletricidade.
“A patrulha dos aquecedores não vai invadir sua casa de chinelo para arrancar seu aquecedor te ameaçando com uma cenoura”, escreveu Boris Johnson no tabloide The Sun.
A piada não esconde uma realidade que muitos países que dependem de energias sujas terão de enfrentar cedo ou tarde: uma economia de emissões zero terá custos indiretos e também diretos. Vender a ideia politicamente para os eleitores será um dos desafios mais importantes das próximas décadas.