Licença para Petrobras investigar petróleo na Foz do Amazonas “abre a porteira” na região

A Petrobras recebeu nesta segunda-feira (20) uma licença para perfurar um poço exploratório em águas profundas na Foz do Amazonas. O trabalho, que deve começar imediatamente e tem duração prevista de cinco meses, permitirá à estatal investigar a existência de petróleo na região.

Se confirmar a existência de petróleo em condições de exploração, a estatal terá que entrar com novo pedido de licenciamento para produção, o que é um processo mais demorado.

Esta é a primeira licença concedida na bacia. A decisão do Ibama pode criar um precedente e facilitar futuros licenciamentos na área, segundo Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama (2016 a 2018). 

“É uma porteira que se abre. O Ibama vai ter dificuldade em negar futuras licenças nas mesmas condições em uma área ambientalmente sensível”, diz Araújo. “A importância deste licenciamento específico não reside apenas na possibilidade de [a Petrobras] encontrar petróleo, mas sim em superar a etapa do licenciamento da perfuração”.

A estatal busca autorização para explorar a Foz do Amazonas desde 2014, quando entrou com o pedido de licenciamento para fazer a investigação no bloco FZA-M-59, o chamado bloco 59, arrematado em leilão no ano anterior. 

A região abriga ecossistemas raros e ainda pouco estudados, como os recifes de corais e esponjas da Amazônia e os manguezais, conhecidos como berçários da vida marinha. Comunidades tradicionais, como os ribeirinhos, dependem diretamente desses ambientes para sua subsistência. 

Outro ponto sensível é a dinâmica das fortes correntes oceânicas: um eventual vazamento poderia atingir rapidamente a costa brasileira e a de países vizinhos. A foz se estende pelo litoral do Amapá e do Pará, incluindo a Ilha de Marajó.

Na fila

O setor petroleiro se interessa pela Foz devido às suas semelhanças geológicas com áreas na Guiana e no Suriname, onde foram feitas descobertas de grandes reservas de petróleo. Vista como uma nova fronteira de produção, ela teria  potencial de produzir até 6,2  bilhões de barris, segundo estimativas da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Para ter uma ideia, em 15 anos de pré-sal, o país já produziu 5,5 bilhões de barris. 

No último leilão da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), realizado em junho de 2025, a Petrobras arrematou, em consórcio com a subsidiária brasileira da  ExxonMobil, um total de 10 blocos. Os outros nove foram levados pela americana Chevron e pela chinesa CNPC. 

Quando Araújo era presidente do Ibama, em 2018, o órgão negou cinco pedidos de perfuração da TotalEnergies, empresa de energia que também produz petróleo, próximos ao bloco 59. A Petrobras adquiriu esses blocos e busca o ‘relicenciamento’. “Provavelmente, esses serão os próximos blocos a serem liberados”, diz a especialista.

E a transição energética?

Principais responsáveis pela mudança do clima, os combustíveis fósseis apareceram pela primeira vez em mais de 30 anos de negociações internacionais numa decisão da COP28, em Dubai. O texto diz que é necessária uma transição que se afaste dessa fonte suja.

A postura brasileira é contraditória. Ao mesmo tempo em que defende a necessidade da descarbonização global, o governo está determinado a aumentar a produção de petróleo. O Brasil é hoje o oitavo maior produtor do mundo, mas as projeções da EPE indicam uma reversão dessa tendência. Caso a Margem Equatorial não seja aberta à exploração, a produção cairia para 5,1 milhões de barris por dia a partir de 2031.

O Plano Clima, principal instrumento da Política Nacional sobre Mudança do Clima, não estabelece metas quantitativas para ampliar o uso de fontes limpas na matriz energética nem para reduzir a produção de óleo e gás.

Um dos argumentos recorrentes é que o país precisa garantir sua segurança energética.

Mas mais da metade do que é produzido é vendido para outros países. Essa condição coloca o país em um patamar “confortável em termos de suprimento interno”, o que reduziria a necessidade de avançar sobre “novas fronteiras exploratórias agora”, diz Araújo.

Integrantes de diversas áreas do governo argumentam e até o presidente Lula já disse que se trata de uma questão econômica: por que o Brasil deveria deixar essa receita potencial no fundo do mar se o resto do mundo continua a extrair petróleo?

Para onde vai o dinheiro

No plano estratégico para o período de 2025 a 2029, a Petrobras prevê US$ 111 bilhões em investimentos, incluindo iniciativas de transição energética. A maior fatia do orçamento – US$ 77 bilhões –, porém, será destinada à exploração e produção de óleo e gás. Desse valor, US$ 7,9 bilhões vão para a busca de novas reservas.

A Margem Equatorial deve receber US$ 3 bilhões. Para as Bacias do Sul, onde estão as reservas do pré-sal, está previsto um pouco mais: US$ 3,2 bilhões. Ao todo, estão previstos ao menos 50 novos poços em áreas em que a companhia já detém direitos de exploração.

“Mesmo que outras fontes ganhem espaço, o petróleo não vai desaparecer. Assim como a lenha e o carvão ainda são usados, ele seguirá tendo papel relevante”, diz Helder Queiroz, professor de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor do estudo Questões-Chave e Alternativas para a Descarbonização do Portfólio de Investimentos da Petrobras.

Segundo o economista, a estatal vem diversificando lentamente seu portfólio, mas o petróleo deve permanecer como seu principal negócio “pelas próximas duas ou três décadas”. Ele ressalta que os ganhos de produtividade e a redução de custos das últimas décadas, “fruto de aprendizado tecnológico e melhor conhecimento das áreas exploratórias”, tornaram a atividade “mais rentável e menos onerosa do que no passado”.

Licenciamento 

Organizações da sociedade civil devem contestar na Justiça a licença concedida pelo Ibama. O Observatório do Clima e outras organizações vão processar o governo brasileiro por conta da decisão, segundo Araújo. Ela não diz quais são as outras entidades, “porque a ação ainda não foi aberta”. 

Se a ação judicial não conseguir barrar o processo, e a Petrobras encontrar petróleo em condições de produção, a companhia deverá abrir um novo processo de licenciamento – dessa vez para produção. Ele é considerado mais complexo e demorado.
“Do início da perfuração até a produção e geração de royalties, o processo leva cerca de uma década, se não for com essas licenças simplificadas que a nova lei de licenciamento quer impor”, diz Araújo.