Shein quer IPO em Nova York – mas esconde como produz suas roupas

Relatório da ONG Public Eye sobre o fenômeno da fast fashion mostrou trabalhadores sem contrato, jornadas duplas e condições de saúde e segurança precárias

Site da Shein, varejista de moda online que revolucionou o fast fashion
A A
A A

A varejista online de moda Shein, que elevou a outro patamar o conceito de ultra-fast-fashion, planeja listar suas ações em Nova York este ano. 

A notícia, divulgada ontem em primeira mão pela Reuters, joga luz sobre a falta de transparência da empresa chinesa sobre como suas roupas de baixo custo são produzidas e entregues no mundo todo – inclusive no Brasil.

O escrutínio sobre a indústria da moda tem sido crescente. O setor é altamente poluente na etapa de fabricação, gera uma montanha de lixo na forma de roupas descartadas e é alvo de denúncias constantes sobre as condições de trabalho precárias – ou ilegais –, especialmente em modelos de negócio que primam pela instantaneidade.

Fundada em 2008, a Shein decolou a partir de 2015 e virou um fenômeno global da moda nos últimos dois anos, principalmente entre jovens da geração Z, de 12 a 27 anos.

Com um modelo de negócios baseado no estímulo ao consumismo, a empresa aposta na fórmula de preços baixos, big data para apurar as tendências da moda, rapidez alucinante para colocar novos itens na grade e o domínio do uso das redes sociais e influenciadores digitais.

Só no Instagram, são quase 23 milhões de seguidores no mundo – a conta brasileira da rede tem quase 4 milhões de seguidores. Em junho do ano passado, seu app se tornou o mais baixado aplicativo de compras da Apple Store nos Estados Unidos, superando o da Amazon pela primeira vez.

Hoje a empresa despacha seus produtos para mais de 150 países e, embora não divulgue números oficiais, fontes ouvidas pela Reuters apontam um faturamento de quase US$ 16 bi em 2021 e um valuation de cerca de US$ 100 bilhões.

Numa rodada de captação feita em agosto de 2020, a empresa, que tem entre os investidores Sequoia Capital, IDG Capital e Tiger Global, foi avaliada em US$ 15 bilhões.

Com todo esse sucesso, os preços ultra-baixos dos produtos – no portal brasileiro uma blusa pode custar R$ 27 e um vestido, R$ 42 – despertam questionamentos sobre as condições em que os itens são produzidos.  

Diante do deserto de informações por parte da empresa, relatórios independentes têm fornecido pistas – e elas não são abonadoras.

O barato sai caro

No índice de transparência da moda de 2021, a Shein marcou apenas 1% (num total possível de 100%), figurando entre as 21 mais mal avaliadas. O índice, calculado por uma organização sem fins lucrativos, avalia e ranqueia 250 dos maiores e mais lucrativos grupos de moda do mundo segundo as informações divulgadas pelas empresas sobre suas políticas e práticas de direitos humanos e ambientais, tanto nas operações próprias quanto na cadeia produtiva.

Uma reportagem da Reuters de agosto do ano passado revelou que a Shein não cumpria a lei britânica que obriga varejistas de determinado porte a divulgar as condições de trabalho de sua cadeia de fornecimento. E pior: vinha informando erroneamente que possuía certificações internacionais das condições de trabalho.

Em relatório divulgado em novembro, a ONG Public Eye se propôs a responder à questão: onde e sob quais condições são produzidas as roupas da marca de baixo custo?

Um resumo no formato webstory

Pesquisadores locais registraram depoimentos de trabalhadores terceirizados da Shein e tiraram fotos das instalações na Vila de Nancun, em Guangzhou (antiga Cantão), informalmente chamada de Vila Shein, devido à alta concentração de fornecedores da marca.

Alguns dos achados: instalações sem condições adequadas de saúde e segurança, com enormes sacos de roupas amontoadas bloqueando os corredores e saídas, jornadas de trabalho de 11 horas por dia, com apenas um ou dois dias livres por mês, trabalhadores sem contrato, pagamento por peça produzida. 

No grande galpão logístico que atende a marca, a situação encontrada foi semelhante: jornadas diárias de 11 a até 14 horas e a maioria trabalhando até 28 dias num mês porque a remuneração dobra a partir do 23º dia. A renda pode até ser atraente (R$ 6 mil a R$ 9 mil mensais), mas a carga horária é completamente fora da lei, configurando praticamente dois empregos em um.

Um giro pelas redes sociais mostra mais problemas: a empresa constantemente é alvo de denúncias de estilistas que a acusam de copiar seus modelos descaradamente. 

No ano passado, a empresa publicou um código de conduta de seus fornecedores, indicando que os funcionários devem ser maiores de 16 anos, leis devem ser cumpridas e impactos no meio-ambiente têm de ser mitigados, entre outras diretrizes. Mas elas mais parecem cumprir a função de isentar a companhia juridicamente em relação a práticas eventualmente inadequadas ou ilegais de seus terceirizados.

Depois do relatório da Public Eye, a empresa anunciou que abriria investigações internas e, num movimento para lustrar suas credenciais, em dezembro recrutou para ser seu chefe global de ESG Adam Whinston, um veterano da sustentabilidade com passagens por J.C. Penney, Walt Disney e Hewlett-Packard. Ele ficará baseado em Los Angeles.

Além dele, a equipe da Shein nos Estados Unidos, seu principal mercado, tem sido reforçada em várias frentes, num indicativo de que a abertura de capital está mesmo ganhando tração.