Na Harsco, resíduo do aço vira fertilizante

Multinacional está investindo R$ 220 milhões neste ano para ampliar produção em duas plantas em Minas Gerais

Na Harsco, resíduo do aço vira fertilizante
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A reutilização da escória, um resíduo do processo de produção do aço, é um quebra-cabeça antigo a ser resolvido pela indústria siderúrgica.

O material fica depositado em grandes montanhas cinzentas nas regiões onde estão instaladas as indústrias do setor e já foi visto como lixo, sem qualquer valor comercial.

A multinacional americana Harsco Environmental, um braço do grupo Enviri, está acelerando sua produção no Brasil para tentar mudar essa história de vez, transformando o resíduo em um produto para a agricultura.

Neste ano, a Harsco vai investir R$ 220 milhões para ampliar a capacidade instalada da produção de fertilizantes de sua unidade em Timóteo (MG), junto à planta da Aperam, indústria que já foi da ArcelorMittal e é a maior produtora de aço inoxidável da América Latina – no Brasil, as operações da Harsco estão localizadas dentro de unidades de produção de ferro e aço de empresas clientes.

Outro investimento está previsto em Ipatinga, também em Minas, junto à planta da Usiminas no município.

Ao fim de todo o processo, que deve se concluir no ano que vem, a companhia quer chegar a uma capacidade instalada de meio milhão de toneladas por ano.

Hoje, a capacidade nominal da linha de fertilizantes é de 300 mil toneladas, mas a produção está quase no limite. No ano passado, foram comercializadas cerca de 250 mil toneladas e, este ano, a produção deve bater 280 mil.

“É hora de aumentar o número da roupa”, afirma o presidente da companhia para a América Latina, Wender Alves.

Reciclagem

O processo produtivo da Harsco envolve a separação das partículas metálicas da escória, que volta para as siderúrgicas em forma de sucata metálica e é utilizada na fabricação do aço.

Somente no Brasil, a companhia produziu, no ano passado, mais de 1 milhão de toneladas desse material, segundo o presidente da companhia.

Já a parte não-metálica da escória, que envolve substâncias como o silicato de cálcio, serve de insumo para fertilizantes e para um agregado similar à brita, com várias aplicações na infraestrutura e construção civil.

Os fertilizantes, em especial, têm sido uma aposta importante da Harsco ao longo da última década. Hoje, segundo o presidente da companhia, o produto é utilizado em 140 mil hectares, em culturas com área foliar muito grande, como cana-de-açúcar e milho.

“Transformar um milhão de toneladas de lixo em produto é o suficiente? Acho que não, né? A gente não pode se dar satisfeito em deixar resíduo para trás. Acho que foi isso que nos motivou a buscar outras frentes”, afirma Alves.

Fertilizante de silício

O negócio de fertilizantes não é exatamente uma novidade para a Harsco, que globalmente tem 171 anos de mercado e está presente no Brasil desde a década de 1960.

Por aqui, a companhia já trabalha há pelo menos duas décadas com produtos para a agricultura.

Mas a produção era pequena, e os benefícios que poderiam ser gerados ao produtor rural no momento da aplicação não estavam totalmente claros para a empresa, segundo Alves.

“A gente viu que tinha uma pérola na mão que talvez fosse pouco explorada”, recorda ele.

Pela pouca familiaridade com o tema e pela necessidade de aproximação maior com o agronegócio, a empresa começou a trabalhar, na última década, em parceria com a Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa).

A Harsco descobriu que o seu produto, rico em silicato de cálcio e de magnésio, pode ser um substituto para o calcário agrícola, o tipo de corretivo mais usado para diminuir a acidez da terra. 

A correção do solo é importante para que o produtor consiga ter o máximo de aproveitamento na hora de aplicar o usual fertilizante NPK (sigla em inglês para nitrogênio, fósforo e potássio). Também torna as plantas mais resistentes a pragas e doenças.

Além do corretivo, a empresa fabrica três fertilizantes, de diferentes tipos, que agregam elementos como silício e enxofre.

As vendas hoje se concentram em Minas Gerais. Os negócios também vêm crescendo em Estados-chave para o agronegócio, como Mato Grosso e Goiás.

Pelas possibilidades que o produto pode trazer para reduzir a pegada de carbono das lavouras, a Harsco tem visto as vendas do produto crescerem em culturas como a de grãos e cana-de-açúcar nos últimos dois anos, segundo o presidente da companhia.

Alves entende, no entanto, que o principal argumento de venda ainda não é o ganho ambiental que pode ser gerado a partir da utilização do produto, mas sim a capacidade de correção do solo.

“Os argumentos novos na mesa, sem dúvida nenhuma, são o fator ambiental e a promoção da economia circular. Mas nenhum produtor vai te comprar só por causa disso”

E o futuro?

A escória é a matéria-prima base de todos os produtos da Harsco. Com isso, emerge um problema que volta e meia aparece na mesa e acaba por afetar os negócios da companhia: a volatilidade de produção das siderúrgicas.

Somente no ano passado, por exemplo, a produção brasileira de aço caiu 6,5% em comparação com 2022, segundo dados do Instituto Aço Brasil.

“Há uma forte correlação entre as operações da Harsco e o nível de produção siderúrgica no país, por isso, quando o nível de utilização de capacidade das usinas é baixo, consequentemente sentimos o impacto também”, diz o presidente da Harsco.

Além disso, também emerge a questão ambiental da indústria do aço, uma das mais poluentes do mundo.

Hoje, existem duas rotas de produção do aço no globo: uma delas envolve o uso de alto-fornos, que utilizam carvão mineral para a produção, e a outra envolve o derretimento da sucata em fornos elétricos, um processo que emite menos CO2.

A vantagem, para a Harsco, é que ambos os processos geram a escória necessária para a produção de seus produtos. 

Alves acredita que a transformação da indústria pode ser benéfica também para a companhia – especialmente pela mitigação dos impactos de mercados em suas operações.

“Acreditamos em um crescimento forte e diversificado do mercado de soluções verdes para as operações siderúrgicas no Brasil, impulsionado por planos de descarbonização da indústria nacional de aço, além de uma regulamentação sofisticada no setor”, afirma ele.