As gôndolas dos supermercados brasileiros reservadas a alimentos à base de plantas estão ficando cada vez mais espremidas, conforme cresce a variedade da oferta, de substitutos de carnes a laticínios.
Há um ano, a startup Nude passou a disputar esse espaço com sucesso com seus leites feitos de aveia orgânica, tentando repetir a trajetória da sueca Oatly, que abriu o capital na Nasdaq este ano valendo US$ 10 bilhões.
Com apenas 12 funcionários e escritório num coworking em São Paulo, em dez meses a marca conseguiu chegar a mais de 700 supermercados e 350 cafeterias em vários Estados. “Já vendemos 500 mil litros neste ano. Tem crescimento mês a mês e bastante abertura de portas”, diz Giovanna Meneghel, CEO da Nude, que fundou a empresa junto de seu marido, Alexander Appel.
Até agora, são cinco opções de produtos: o leite de aveia convencional, o convencional com cálcio, o sabor baunilha, o sabor cacau e também a versão barista, que, como na Oatly, promete formar uma espuminha sobre o café e foi criada com a ambição de dominar o nicho de cafeterias.
Outros substitutos de laticínios já estão em fase de testes e os planos são de crescer a família de produtos, mas sempre à base de aveia, diz Meneghel.
A ideia de criar a marca nasceu durante uma temporada em que o casal viveu em Berlim, de 2015 a fevereiro de 2020, quando Appel trabalhou numa fintech. Lá, perceberam a febre da sustentabilidade e a demanda por leites vegetais, em especial os de aveia. “Chegávamos em cafés e tinha um aviso na porta quando estavam sem leite de aveia. E pior é que eu ia embora!”, diz ela.
Um (senhor) empurrão para a ideia veio do fato de a família de Meneghel ser do ramo da indústria de aveia há 30 anos, por meio da SL Alimentos, no Paraná.
O casal voltou da Alemanha determinado a colocar o Brasil na rota dos leites de aveia.
A SL Alimentos viu futuro no negócio e investiu para criar a primeira linha de produção de leite de aveia do país — até então, os produtos envasados aqui eram importados. Mas, fornecedora de várias empresas com marcas de aveia no varejo, a indústria não tinha interesse em competir com os clientes.
Assim a Nude nasceu como um negócio independente, do qual a SL é apenas fornecedora e parceira no desenvolvimento de produtos, sem relação societária.
Para tirar os planos do papel, o casal levantou em 2020 R$ 2 milhões numa rodada de capital semente num espírito ‘family and friends’. Agora, diz Meneghel, há conversas com fundos e a intenção é levantar até o fim do ano uma nova rodada, que poderá ser uma série A, mais parruda, ou uma pré-série A. “Ainda estamos com caixa da rodada inicial e estamos analisando o que faz mais sentido. Talvez fazer uma captação maior já que tem eleição no ano que vem?”
Num sinal de que a onda dos leites vegetais está ganhando tração no país, ´há dois meses a Vida Veg, que produz substitutos lácteos à base de soja, coco e outros, levantou R$ 18 milhões com a gestora X8 Investimentos.
Hoje, 20% das vendas da Nude vêm das cafeterias, e a maior parte vem dos supermercados e varejo especializado em produtos naturais. O site, com o divertido domínio ‘heynude’, em alusão à música dos Beatles, também tem um ecommerce que usa a plataforma de logística do Mercado Livre.
Os leites vegetais, estima-se, têm fatia de 1,9% do mercado de leites no país e, para Meneghel, alguns fatores bloqueiam um crescimento que poderia ser mais rápido. Ela cita o tratamento tributário desvantajoso em relação ao leite de vaca como o principal deles.
Enquanto o litro do leite de vaca custa de R$ 4 a R$ 12, o da Nude vai de R$ 15 a R$ 20, muito em função da carga tributária, diz.
“Vencidas as barreiras de imposto e de escala, acreditamos que o plant based vai ser a regra e não a exceção. Há muito potencial para crescimento e você já que lá fora, enquanto o consumo de leite de vaca cai, o vegetal só aumenta.”
Aveia, água e sal
Quem pega uma embalagem da Nude nas mãos se depara com uma lista de ingredientes enxutíssima: ‘água, aveia, extrato natural de baunilha, sal marinho”.
É tudo natural e simples de entender, seguindo a tendência crescente do ‘clean label’ ou ‘ rótulo limpo’.
“Quando fomos desenvolver o produto, era importante que ele fosse limpo. Não adianta salvar o animal e matar o ser humano. Tem que ser um alimento saudável — e gostoso, ou não vamos conseguir mudar hábito nenhum”, diz Meneghel. A escolha do nome procurou refletir esse princípio.
Para chegar nas fórmulas dos seus leites, a empresa usa exclusivamente o processo de enzimação, sem aditivos químicos.
As enzimas quebram as paredes celulares da aveia, liberando açúcar e proteína. “Desenvolvemos um mix de enzimas para trazer o leve dulçor da aveia e dar cremosidade de maneira natural. Você brinca com as enzimas, tempo, temperatura e tipo de aveia para gerar mais ou menos de cada elemento.”
As embalagens também trazem a informação de que os leites da Nude procuram deixar um baixo impacto ambiental e são neutros em carbono.
“Rastreamos toda a cadeia e usamos a plataforma chamada Carbon Cloud. Nela, colocamos todos os dados, desde o campo, o transporte, a embalagem. Os dados são verificados e com os dados em mão sabemos quanto cada caixinha emite e, com base na produção anual, a gente neutraliza as emissões”, diz Meneghel.
Mas, segundo ela, o objetivo agora é avançar para conseguir reduzir as emissões da cadeia de fornecimento, a começar pela lavoura, que responde por 45% das emissões da empresa. “Estamos com um projeto de agricultura regenerativa para capturar carbono em análise. A Nude não tem intenção de ir tocar o campo, mas queremos fazer parcerias para influenciar a cadeia.”