JBS faz a maior aposta de frigoríficos brasileiros na carne de laboratório

Empresa compra a espanhola Bio Tech, que produz proteína animal a partir de cultura celular, e anuncia centro de desenvolvimento da tecnologia no Brasil

JBS faz a maior aposta de frigoríficos brasileiros na carne de laboratório
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A JBS comprou uma startup espanhola que produz proteínas animais a partir de cultura celular, um negócio que marca a entrada do maior frigorífico do mundo no negócio da carne de laboratório.

A companhia anunciou na noite desta quarta-feira a aquisição do controle da BioTech Foods. O valor do negócio não foi divulgado. A JBS afirmou que serão investidos US$ 41 milhões na construção de uma nova planta na Espanha, para dar escala à produção.

Além disso, a empresa vai abrir um centro de desenvolvimento tecnológico no Brasil, que deve ser inaugurado em 2022. Ao todo, o investimento na possível carne do futuro será de US$ 100 milhões.

A BioTech Foods tem uma fábrica piloto em San Sebastián e o plano anunciado é produzir em escala comercial em meados de 2024. Os primeiros produtos devem ser hambúrgueres, almôndegas, embutidos e outros preparados.

É o segundo movimento de um frigorífico brasileiro nessa tecnologia de ponta. Em março, a BRF anunciou uma parceria com a startup israelense Aleph para desenvolver sua versão da carne de laboratório.

O mundo foi apresentado à carne de laboratório há pouco mais de oito anos, quando o cientista holandês Mark Post mostrou o primeiro hambúrguer que veio de tubos de ensaio, não do pasto. 

O experimento, financiado por Sergey Brin, um dos fundadores do Google, custou 250 mil euros e rendeu um hambúrguer de cerca de 140 gramas. 

Passada quase uma década, a tecnologia continua cara e complexa. Células bovinas colhidas de animais vivos são cultivadas e multiplicadas em laboratório, em equipamentos chamados biorreatores.

O resultado final tem as mesmas características biológicas da carne, mas ainda não é possível recriar a composição de músculos e gordura que alimentam a humanidade há milhões de anos. O bife de proveta deve demorar para aparecer nos supermercados.

A aposta é que essa carne fake possa compensar as desvantagens de textura e sabor com ganhos em sustentabilidade. Estima-se que a produção de um quilo de carne bovina exija o consumo de 15 mil litros d’água. No laboratório, esse total pode ser reduzido em 70% — sem contar o metano emitido pelos arrotos dos bois e as florestas derrubadas para criar pastagens, dois grandes vilões do aquecimento global.

JBS prometeu neutralizar suas emissões de CO2 até 2040, mas a pecuária é um setor notoriamente complicado para descarbonizar.

Embora ainda não se saiba se esse produto será comercialmente viável nem se terá aceitação comercial, a indústria da carne está se posicionando.

Cingapura foi o primeiro país cuja autoridade sanitária autorizou a comercialização dessas proteínas que vêm de laboratórios. Desde dezembro do ano passado, a americana Eat Just vende no país asiático nuggets de frangos que não saíram do ovo.

A Eat Just já recebeu US$ 450 milhões em capital de risco e tem entre seus sócios o frigorífico Tyson Foods e a Cargill, uma das maiores processadoras de alimentos do mundo.

Segundo a base de dados Crunchbase, empresas de cultura de carne em laboratório receberam US$ 1,2 bilhão em aportes no ano passado e US$ 913 milhões até o final de outubro deste ano.

A Mosa Meat, fundada por Post, é uma delas. Um dos desafios desse segmento nascente das comidas amigas do meio ambiente ainda é o custo. Mas as projeções são otimistas.

Segundo a consultoria CE Delft, em 2030 um quilo da “pasta” produzida em laboratório pode custar só um pouco mais caro que a mesma quantidade de carne moída. 

Já a diferença do impacto no ambiente é notável. Caso a eletricidade que faz funcionar os equipamentos venha de fontes renováveis, o frango de proveta representaria uma redução de 17% no impacto sobre o aquecimento global em comparação com uma galinha criada em granja.

Para a carne bovina, a redução pode ser de até 92%. Em ambos os casos, foi considerado todo o ciclo de vida dos animais, em comparação com uma fábrica capaz de produzir 10 mil toneladas de carne de laboratório por ano.

Sem peso na consciência

A carne de verdade que não pesa na consciência é a promessa, mas as opções de base vegetal que imitam carne de maneira convincente já são realidade.

A Marfrig adquiriu na semana passada uma empresa canadense e outra americana para reforçar sua presença no segmento conhecido como plant based.

Os negócios somaram US$ 140 milhões e foram fechados pela PlantPlus, joint-venture do frigorífico brasileiro com a gigante do processamento ADM. A PlantPlus opera na América do Norte.

De acordo com um levantamento da Bloomberg Intelligence, hambúrgueres, salsichas e outras carnes imitação movimentaram quase US$ 30 bilhões no ano passado, uma cifra pode quintuplicar até o fim desta década.