A taxonomia sustentável do Brasil, que está em consulta pública, vai servir como um parâmetro para que investidores saibam quais são os investimentos que contribuem para impactos ambientais, climáticos e sociais positivos no país. Mas, mais do que isso, a intenção é que contribua para a política climática brasileira.
“As ações que serão feitas com todos esses incentivos têm que resultar ao menos no cumprimento da NDC [Compromisso Nacional Determinado] do Brasil, isso é o básico. A taxonomia tem que grudar na NDC e no Plano Clima”, disse Winston Fritsch, economista e conselheiro emérito do CEBRI durante o segundo painel do Reset Conecta, evento que debateu sobre financiamento climático nesta segunda-feira, 25.
Também participaram da discussão Matias Rebello Cardomingo, coordenador-geral de análise de impacto social e ambiental da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e Nathalie Vidual, superintendente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a cargo da divisão de finanças sustentáveis. A conversa foi moderada por Gustavo Pimentel, sócio sênior da consultoria ERM e líder da prática de finanças sustentáveis.
A taxonomia foi apresentada pela Fazenda pela primeira vez no Brasil durante o evento em São Paulo. A ferramenta foi apresentada em Baku, durante a COP29, mas o lançamento oficial deve ocorrer até o fim desta semana em Brasília.
O debate girou em torno do processo da construção da taxonomia brasileira, da necessidade de padronização de informações corporativas em sustentabilidade e o desafio de criar ferramentas adaptadas à realidade brasileira que conversem com o cenário global.
Abaixo, os principais trechos da conversa:
Muitas mãos
A articulação para estruturar a taxonomia envolveu 247 pessoas de 28 órgãos do governo, 46 consultores, 47 representantes de 18 entidades da sociedade civil e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ). A Climate Bonds Initiative (CBI) liderou grande parte das conversas técnicas nos comitês setoriais. “Esse é um esforço intrinsecamente coletivo e conjunto”, disse Cardomingo.
Hoje, 70 países contam com uma taxonomia em desenvolvimento ou já desenvolvida, sendo 50 nacionais e uma da União Europeia. É o mesmo número de países que contam com o mercado de carbono, por exemplo, afirmou o representante da Fazenda.
“Enquanto o mercado de carbono é a ferramenta de internalização das externalidades climáticas, a taxonomia é a ferramenta de redução dos custos de transação e de assimetria informacional.”
Padronização
A linguagem comum é essencial para diminuir os riscos de greenwashing e para facilitar o desenvolvimento da agenda de sustentabilidade no mercado de capitais, afirmou Vidual, da CVM.
“Percebemos que ainda existia um gap de confiança por parte dos investidores em relação a alocar e disponibilizar recursos para investimentos em sustentabilidade. E tem papers que apontam que essa lacuna ainda existe, muito por conta da falta de clareza e transparência”, disse ela.
“Nós precisávamos atacar todos esses pontos num contexto em que não havia infraestruturas básicas funcionando, como uma taxonomia, por exemplo, e padrões internacionais para reporte de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade.”
Transparência
A taxonomia sustentável será complementar aos relatórios de sustentabilidade que passarão a ser exigidos pela CVM a partir do exercício de 2026, disse Vidual.
O regulador foi o primeiro do mundo a adotar a obrigatoriedade de conjuntos de normas referentes à sustentabilidade e ao clima, o S1 e S2, criadas pelo International Sustainability Standards Board (ISSB), ligado à IFRS Foundation.
A adoção do ISSB de forma voluntária ainda foi tímida, mas já anunciada pela Vale e pela Renner, por exemplo. As companhias abertas, securitizadoras e fundos têm até o final deste ano para se comprometer voluntariamente.
“A taxonomia é um sistema de classificação muito importante para classificar projetos, atividades e ativos que são sustentáveis ambientalmente, socialmente ou não, e nós vamos olhar como isso está se traduzindo nos relatórios financeiros de sustentabilidade”, disse ela.
Menos jabuticaba
Pioneira na adoção das normas S1 e S2, a CVM tem feito um esforço para influenciar outros países e jurisdições nessa frente. “Entendemos que uma linguagem comum é muito importante até para atrair mais capital internacional para a nossa economia”, disse Vidual.
A regulação brasileira, por sua vez, também deve buscar ser o mais próxima possível da global, disse Fritsch. “Quanto menos jabuticaba, melhor”.
No carbono, por exemplo, o projeto de lei que cria o mercado regulado de carbono no Brasil foi aprovado poucos dias antes do acordo, em Baku, sobre como implementar um mercado global para créditos de carbono.
Quanto menos diferenças na regulação para colocar os dois mercados em prática , melhor para o Brasil, defende o economista.
Particularidades
Desenvolver ferramentas e regulações na frente de investimentos sustentáveis, que combinem os interesses nacionais e estrangeiros é um trabalho árduo.
“Por um lado, você quer reduzir o custo de transação, quer que o investidor internacional entenda aquilo que você está classificando. Por outro, você quer incorporar quais são os seus interesses nacionais, o que está no Plano Clima”, disse Cardomingo.
Na taxonomia, foi incluído no objetivo de mitigação de emissões de carbono o recapeamento ou a recuperação de estradas em piores condições, um tema polêmico.
O debate durou semanas, envolvendo potenciais prejuízos à credibilidade da nova ferramenta como um todo. Mas o raciocínio, explica Cardomingo, foi de que o alto nível de dependência do Brasil no modal rodoviário faz com que o recapeamento seja uma estratégia essencial de curto prazo para redução de emissões, dadas as péssimas condições de várias estradas.
A estimativa da Confederação Nacional do Transporte (CNT) não deixou dúvidas: o Brasil desperdiçou 1,1 bilhão de litros de diesel por conta da dificuldade dos veículos de transitar em estradas ruins. Foram semanas de preocupação até que, enfim, a “jabuticaba” saiu.
Alguns aspectos da ferramenta são essencialmente regionais, como o uso sustentável do solo, conservação, manejo e o uso sustentável de florestas, exemplifica o coordenador-geral. “Esse objetivo não existia em nenhuma das taxonomias anteriores, mas a taxonomia colombiana trouxe e, depois que chegou na América Latina, virou modinha e nós não pudemos ficar de fora, dado o desafio de biodiversidade da região. Aqui se concentram 76% das nossas emissões.”