FINANÇAS

Seguradoras vão ao STF contra obrigação de investir em crédito de carbono

Associação que representa do setor, CNSeg avalia que obrigatoriedade é inconstitucional e pede liminar no Supremo

Seguradoras vão ao STF contra obrigação de investir em crédito de carbono

A Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg) ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com um pedido de liminar para declarar inconstitucional a obrigatoriedade de investir parte das reservas técnicas das seguradoras em ativos de créditos de carbono. 

A lei que cria o mercado regulado de carbono no Brasil trouxe uma exigência para as empresas de seguros, capitalização e previdência complementar aberta: aplicar 0,5% de suas provisões técnicas (as reservas guardadas para responder às obrigações adquiridas nos contratos de seguros e dos planos de previdência) em créditos de carbono ou fundos que invistam nesse ativo. 

Isso equivaleria a destinar entre R$ 7 bilhões e R$ 9 bilhões para esses ativos, segundo dados preliminares da Superintendência de Seguros Privados (Susep), que regula e supervisiona o setor.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) propõe declarar inconstitucional o artigo 56 da lei 15.042/2024. “O artigo tem vícios de inconstitucionalidade formal e material”, diz a CNSeg em nota à imprensa. 

O primeiro argumento apresentado pelas seguradoras é o de que o dispositivo que cria a obrigatoriedade é uma lei ordinária que trata de uma matéria que deve ser regulada apenas por uma lei complementar. “A Constituição Federal prevê que a regulação do setor de seguros deve ser feita por lei complementar e não por lei ordinária”, afirma a CNSeg, com base nos artigos 192 e 202 da Constituição.

“Vale ressaltar que o artigo 56 foi inserido na lei de última hora, sem debate com o setor, sem a devida fundamentação”, complementa.

A tramitação do PL do mercado de carbono foi longa, tumultuada e cheia de vaivéns. A Câmara fez uma manobra para dar a palavra final sobre o tema e enviou um Frankenstein para o Senado no apagar das luzes de 2023. 

O projeto começou a ganhar urgência no segundo semestre de 2024 com a proximidade da Conferência do Clima da ONU (COP), que ocorreu em novembro no Azerbaijão. Foi a última antes de o Brasil sediar o evento, no Pará, em novembro deste ano. 

A proposta sobre as reservas técnicas das seguradoras apareceu no Senado, em uma emenda que trazia como justificativa que a obrigação geraria um impacto positivo no financiamento de projetos ambientais e na valorização do mercado de carbono. Ela, porém, caiu e retornou ao projeto de lei quando este voltou à Câmara para a aprovação final. 

A inclusão foi uma surpresa tanto para as seguradoras quanto para as organizações ambientais que acompanharam e incidiram sobre as discussões e tramitação. O Executivo tentou derrubar a proposta, mas, diante da aprovação no Congresso, o Ministério da Fazenda agora corre para regulamentar a obrigação, o que envolve pelo menos quatro órgãos reguladores. 

Argumentos 

Os outros princípios constitucionais que estariam sendo feridos, segundo a ação proposta pela CNSeg, seriam os da isonomia, da livre iniciativa, da livre concorrência, do poluidor-pagador, da proporcionalidade, da razoabilidade, da segurança jurídica e da liberdade econômica. 

“É uma proposição discriminatória, vedada pela Constituição Federal, pois atinge apenas o setor segurador”, diz a organização. 

De fato, fora as empresas intensivas em emissão de gases de efeito estufa que estarão sob o mercado regulado, o setor segurador foi o único a ser obrigado a também adquirir créditos  – neste caso, para uma finalidade que não está atrelada à sua atividade fim, reclamam as seguradoras.  

O mercado regulado de carbono brasileiro é um sistema de comércio de emissões em que o governo impõe limites aos grandes poluidores, chamado de cap and trade. Grosso modo, entes regulados que forem além de sua obrigação de cortes negociam seus excedentes com quem está devendo. 

Segundo estudos preliminares do Ministério da Fazenda, ele deve ter sob seu guarda-chuva entre 4 mil e 5 mil fontes emissoras (leia-se empresas), o que hoje cobriria cerca de 15% das emissões de gases do país.

As seguradoras defendem que a lei fere o princípio do poluidor-pagador previsto no arcabouço normativo bem antes da lei do mercado de carbono. Segundo este princípio, em caso de lesão ao meio ambiente no exercício de sua atividade econômica, o poluidor deve reparar o dano e restituir, na medida do possível, o estado anterior das coisas. 

A princípio, as seguradoras não são grandes emissoras diretas de CO2 (escopo 1 e 2), mas têm emissões indiretas ao fazer seguros para clientes que emitem, o chamado escopo 3. No mercado financeiro, alguns bancos e gestoras de recursos têm metas públicas de redução de emissões diretas e indiretas, mas o setor de seguros ainda está nos estágios iniciais desse processo.  

O setor, porém, tem obrigação de observar questões de sustentabilidade. Este é o principal argumento de quem defende que a exigência da lei do mercado de carbono sobre as seguradoras seria constitucional. 

A resolução n° 4.993, do Conselho Monetário Nacional (CMN) de 2022, define as regras de aplicação das reservas técnicas das seguradoras. Em seu segundo artigo, diz que elas devem “observar, sempre que possível, os aspectos relacionados à sustentabilidade econômica, ambiental, social e de governança dos investimentos”.

Em uma norma ainda mais ampla, o decreto-lei nº 73, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados e regula as operações de seguros de forma geral, diz em seu artigo quinto que “são objetivos das políticas de seguros privados (…) promover a sustentabilidade socioambiental e climática das instituições operadoras dos mercados supervisionados”. 

Tamanho do mercado

Hoje, o único mercado de carbono em operação no Brasil é o voluntário. No caso brasileiro, os créditos são gerados principalmente em atividades de preservação da floresta e vendidos a empresas que decidiram compensar suas emissões de carbono mesmo sem serem obrigadas por lei – voluntariamente, daí o nome.

Apesar de o principal objetivo da lei do mercado regulado de carbono era criar e tratar sobre este segmento específico, ele também tratou sobre questões do mercado voluntário.  

São ativos do mercado voluntário em que as seguradoras estão obrigadas a investir. Elas, porém, dizem que é impossível cumprir a norma devido a falta de ativos suficientes no mercado. 

Na nota à imprensa, a CNSeg cita estudos que comprovam essa tese. Um deles é o Voluntary Carbon Market, feito pelo BTG Pactual, que aponta que em 2024 o total de créditos de carbono emitidos no mercado voluntário foi de US$ 220 milhões (cerca de R$ 1,2 bilhão pela cotação atual do dólar). 

“Portanto, fica evidente que nem sequer existem créditos de carbono no Brasil no volume exigido pela lei, reforçando que é impossível o cumprimento da obrigação estabelecida pelo artigo 56”, diz a CNSeg. 

No mercado global, a consultoria McKinsey estima que o mercado voluntário emita  aproximadamente US$ 1,5 bilhão por ano (R$ 8,5 bilhões). “Nem se comprássemos todos os créditos do mundo seria possível cumprir essa obrigação”, diz um executivo do setor que pediu para não ser identificado. 

As seguradoras já são permitidas investir em créditos de carbono hoje, mas na prática não o fazem. Isso porque elas são permitidas aplicar apenas em créditos de carbono negociados em bolsa de valores ou mercado de balcão organizados, registrados em entidades autorizadas pelo Banco Central ou Comissão de Valores Mobiliários (CVM). 

No mercado voluntário hoje, porém, as negociações são privadas entre geradores de créditos e compradores. A expectativa é que esse mercado passe a ser organizado com a regulamentação da lei do mercado regulado de carbono, que deve demorar cinco anos para estar totalmente pronta, segundo projeções do próprio governo. 

A nota da CNSeg demonstra, porém, uma preocupação de que a contrariedade a essa obrigação não soe como uma falta de disposição do setor para o tema da sustentabilidade. A confederação cita a proposta de aplicação das reservas em títulos verdes (os green bonds) emitidos pelo Tesouro Nacional.

“Uma solução mais abrangente, pois os recursos desses ativos podem ser direcionados aos mais variados tipos de projetos. Estes são de fato ativos financeiros com liquidez e negociados de forma transparente que atendem aos objetivos de sustentabilidade, sem colocar em risco os recursos reservados para pagamentos de benefícios e indenizações aos segurados”, diz a associação que congrega o setor. 

Até o momento, porém, o Tesouro só fez emissões externas do tipo.