OPINIÃO: Nas normas do ISSB, impacto e materialidade são o xis da questão

Novas normas de reporte de sustentabilidade da IFRS são avanço, mas não podem ser vistas como solução final para os desafios empresariais nesta seara, escreve Aron Belinky

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Incluir aspectos de sustentabilidade nos reportes empresariais é um assunto que vem sendo discutido há décadas, e sempre causando polêmicas. 

A criação, em 2021, do International Sustainability Standards Board (ISSB) pela IFRS Foundation para criar normas de contabilização e reporte de sustentabilidade, já havia acirrado os debates. 

A fundação é a mesma que dita as regras para o padrão contábil mais adotado pelas empresas de capital aberto do mundo. 

Passados quase dois anos, o ISSB acaba de entregar seus dois primeiros produtos: as normas S1 e S2. 

Trata-se de uma mudança de grandes proporções na gestão empresarial, afetando não só os profissionais de sustentabilidade, mas especialmente as áreas de contabilidade e finanças, como escreveu Rodrigo Tavares para a Folha de S. Paulo

Mas, apesar de serem uma boa-nova, as novas normas também trazem limitações e desafios. 

Uma questão central se refere ao foco exclusivo desses padrões na chamada “materialidade financeira”, ou seja, a exclusão de métricas ESG que não sejam percebidas como relevantes pelos atores econômicos. 

O padrão S1 estabelece que uma entidade deve reportar “informação material sobre riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade em relação aos quais se possa esperar, de forma razoável, que afetem as expectativas de resultados da entidade” (tradução minha). 

Rege também que a informação deve ser considerada material caso sua omissão, distorção ou obscurecimento possa influenciar as decisões que o “usuário primário dos reportes financeiros de propósito geral toma com base nos reportes da entidade, os quais incluem demonstrações financeiras e informações financeiras relacionadas a sustentabilidade” (tradução minha). 

Finalmente, define que esses “usuários primários” são “investidores, financiadores e outros credores”.

Por um lado, essa filtragem pode ser vista como positiva, na medida em que atende diretamente os detentores de capital, que poderão decidir com critérios mais amplos os negócios que irão nutrir. 

Espera-se que, informados por critérios de sustentabilidade que afetem as perspectivas de resultados das empresas, serão levados a investir naquelas que, nessa perspectiva mais ampla, apresentem menores riscos e melhores oportunidades. Trata-se de um bem-vindo e necessário aprimoramento da visão tradicional de investimentos.

Há, porém, duas importantes limitações nessa abordagem, que precisam ser sempre consideradas. 

A primeira é quanto à amplitude da visão econômico-financeira, pois uma perspectiva estreita, simplista ou de curto prazo pode levar à desconsideração de aspectos que seriam de grande importância em uma visão mais ampla. 

Sustentabilidade não combina com simplismo e imediatismo, mas, infelizmente, as pressões de tempo e limitações de recursos costumam estreitar fortemente o escopo e completude das análises empresariais e financeiras.

A segunda limitação é quanto aos impactos positivos e negativos dos aspectos excluídos pelos filtros da IFRS, ou seja, impactos que existem, mas que, por qualquer motivo, não serão considerados relevantes (materiais) para fins de informação aos investidores, financiadores e outros credores. 

Isso pode incluir impactos negativos de grande relevância, como, por exemplo, a eliminação de meios de subsistência de comunidades impactadas ou a extinção de espécies e habitats. 

O fato de não serem hoje percebidos como relevantes para os negócios não torna esses impactos menos importantes do ponto de vista ético, político ou científico. 

O argumento de que esses aspectos serão finalmente percebidos como relevantes para os negócios — com o tempo, as repercussões reputacionais e as implicações sistêmicas — não garante a prevenção de perdas que poderão ser, em muitos casos, irreparáveis.

As novas normas da IFRS são um grande avanço para a ampla disseminação da perspectiva de sustentabilidade e devem por isso ser saudadas. Mas não são uma panaceia e, assim, não podem ser vistas como solução única e final para os desafios da sustentabilidade empresarial. 

É essencial que a materialidade financeira seja, sempre, combinada com a materialidade de impacto.

Para saber mais sobre esses conceitos, um documento fundamental é o Statement of Intent to Work Together Towards Comprehensive Corporate Reporting, publicado no âmbito do Fórum Econômico Mundial em setembro de 2020.

* Aron Belinky, doutor em sustentabilidade empresarial pela FGV/EAESP, é pesquisador e professor, fundador da ABC Associados, consultoria especializada em estratégias e metodologias de avaliação de negócios por critérios de sustentabilidade.