Just Climate capta mais US$ 200 milhões com Brasil e Índia no centro da estratégia

A Just Climate, plataforma global de investimentos criada por Al Gore e focada em soluções climáticas, anunciou a captação de mais US$ 200 milhões em sua estratégia dedicada a tecnologias e modelos de negócio voltados para setores de difícil descarbonização. 

O novo aporte eleva para US$ 375 milhões o total já comprometido desde março, quando haviam sido anunciados US$ 175 milhões. A estratégia prevê que até 30% do capital seja aplicado em mercados emergentes, com foco na Ásia e América Latina, especialmente na Índia e no Brasil. 

Os novos investidores incluem a gestora Achmea Investment Management, dos Países Baixos, o Environmental Agency Pension Fund, do Reino Unido, e o Royal Bank of Canada. Eles se somam aos investidores anunciados em março: CalSTRS (o fundo de pensão dos professores da Califórnia) e Microsoft. Há ainda family offices e instituições da Europa, EUA, Canadá e Austrália, entre os investidores, segundo a gestora.

A captação marca um momento de maior apetite de investidores institucionais por ativos climáticos, segundo Eduardo Mufarej, co-diretor de investimentos da Just Climate e sócio da Generation Investment Management para a América Latina.

“Há mais capital agora para apoiar modelos de negócios que utilizam ou são focados na natureza”, afirma. 

Segundo Clara Barby, sócia sênior da Just Climate, os grandes investidores vêm reposicionando seus portfólios diante da constatação de que riscos e oportunidades relacionados ao clima e à natureza estão cada vez mais materiais, concentrados justamente em setores que historicamente recebem pouca atenção dos fundos de clima tradicionais. 

Ela pontua que a Just Climate não opera um fundo tradicional, mas sim uma estratégia capaz de receber capital continuamente, com uma ambição maior de expansão ao longo dos próximos meses. A expectativa é que o IDB Invest, braço privado do Banco Interamericano de Desenvolvimento, anuncie um investimento em breve.

Prioridades 

Mufarej acredita que o Brasil tende a ocupar posição central nessa agenda tanto pelo tamanho do mercado agroalimentar, um dos principais vetores de emissões de gases de efeito-estufa, quanto pela sua relevância para a expansão global das empresas investidas. Segundo ele, as empresas do portfólio já veem o país como um dos mercados prioritários.

“O Brasil vai ser uma peça importante da estratégia, tanto com investimentos diretos em empresas brasileiras quanto trazendo para o país tecnologias globais”, diz ele

Sobre o perfil de empresa que a gestora procura, o foco local está em três eixos que concentram parte relevante das emissões globais, mas ainda recebem pouca alocação climática: sistemas agroalimentares, especialmente agricultura de baixo carbono; restauração florestal e uso do solo; e água e resíduos, com ênfase em gestão hídrica e aproveitamento de biomassa.

Ele diz que agricultura, florestas e resíduos somam entre 25% e 33% das emissões globais, mas respondem por apenas 5% a 10% da alocação em clima dos grandes investidores institucionais. A nova estratégia tenta justamente preencher essa lacuna, colocando recursos em modelos escaláveis que permitam impactos mensuráveis.

Agricultura

No Brasil, a estratégia terá forte presença em soluções para aumentar resiliência climática na agricultura sem impor custo adicional ao produtor. Mufarej diz evitar modelos que dependam de “prêmio verde”, o preço mais alto pago por produtos sustentáveis, por serem inviáveis em cultivos de margem de lucro estreita.

Para ganhar escala, as tecnologias apoiadas devem custar o mesmo ou menos do que as soluções tradicionais, aumentar produtividade e reduzir emissões ou impactos ambientais. Mufarej também diz que devem exigir pouca ou nenhuma mudança operacional, evitando necessidade de novas máquinas ou adaptações caras.

Os executivos da Just Climate enfatizam que seu foco não é comprar terras ou operar projetos de conversão florestal, mas financiar modelos habilitadores da transição, ou seja, tecnologias, dados e serviços capazes de acelerar mudanças estruturais já em curso.

“Se queremos escala, precisamos financiar o que destrava o resto”, resume Mufarej.

A gestora também vê espaço para o país capturar parte do movimento de powershoring, quando indústrias preferem regiões com energia renovável abundante e barata. O Brasil, diz Mufarej, pode se tornar destino competitivo para data centers, processamento de minerais, produção de fertilizantes verdes, SAF e até aço verde.

“Acreditamos que isso é possível e que será algo comum, tema sobre o qual esperamos falar muito nos próximos 10 anos. Acho que o Brasil está comprometido em desenvolver esse modelo de revolução industrial verde”.

Empresas investidas

Três investimentos já foram anunciados, mas Just Climate não divulgou os valores dos aportes.

A NatureMetrics, do Reino Unido, trabalha com medição de biodiversidade via DNA. A tecnologia permite medir impacto ambiental com mais precisão, menor custo e maior velocidade que métodos tradicionais. A empresa já reúne o maior centro de dados de amostras de biodiversidade do mundo.

A GreenLight Biosciences, que é dos Estados Unidos mas já opera no Brasil, desenvolve soluções de RNAi. Trata-se da biotecnológica que silencia genes específicos em pragas, doenças e plantas daninhas para proteger as culturas.

Essa forma de controle altamente direcionado de pragas é uma alternativa para áreas onde pesticidas perderam eficácia após décadas de uso intensivo. A empresa já é líder no mercado americano de batata e recebeu aprovação para um produto voltado à preservação de colônias de abelhas.

Por fim, a AgroStar, da Índia, é uma plataforma para pequenos agricultores (1 a 2 hectares), oferecendo aconselhamento agronômico, biológicos e soluções de eficiência hídrica. A Just Climate vê o país como um dos mercados mais urgentes para a transição agrícola.