ENTREVISTA: ‘Regulação é a peça que falta para acelerar investimentos climáticos’

Em passagem pelo Brasil, CEO do Principles for Responsible Investment, David Atkin, diz que país tem oportunidade de liderar agenda das finanças conectadas à biodiversidade

David Atkin, CEO do PRI, Principles for Responsible Investment
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O mundo já tem tecnologias sendo escaladas e capital suficiente para financiar a transição e evitar os piores efeitos da mudança climática. A peça que falta é a regulação para fazer o dinheiro fluir. 

Essa é a visão de um observador privilegiado do tema, o CEO do Principles for Responsible Investment, David Atkin.

O PRI é uma rede global de investidores criada em 2005 com o apoio das Nações Unidas para acelerar a integração das lentes ambientais e sociais aos investimentos. Seu crescimento nos últimos anos foi exponencial. Hoje a rede conta com mais de 5,5 mil signatários em 100 países, que somam US$ 120 trilhões em ativos. Mas nem tudo são flores. Longe disso.

Na semana passada, Atkin, um australiano de Melbourne que há dois lidera o PRI, esteve em São Paulo para avaliar o grau de engajamento do mercado financeiro local. Reuniu-se com gestores e participou do congresso anual da Abrapp, que reúne os fundos de pensão do país.

Em entrevista ao Reset, falou do risco de o PRI virar instrumento de ‘greenwashing’, já que o grau de comprometimento dos signatários é bastante irregular, das medidas para acelerar a migração do capital no mundo todo e do estágio de evolução do mercado brasileiro.  

Sempre que entrevisto um gestor de recursos aqui no Brasil, a conversa começa com: “Somos signatários do PRI desde tal ano”. Algumas vezes é um gestor que realmente tem um trabalho sério na frente de investimentos responsáveis, mas na maioria das vezes, não. O selo do PRI foi banalizado? Vocês aceitam qualquer gestora, mesmo aquelas que não têm consistência?

Temos padrões mínimos: ao assinar os princípios, você concorda que precisa introduzir em sua organização uma política de investimento responsável, concorda em alocar recursos para implementá-la, em promover o PRI publicamente e concorda em relatar seu progresso anualmente. Mas alguns não o fazem. Todos os anos removemos uma série de signatários que não atendem a esses requisitos.

Dito isso, há uma preocupação. Não estamos vendo progresso suficiente, alguns só fazem o mínimo. Não tenho os números, mas é uma parte suficientemente grande dos nossos signatários, a ponto de isso ser um problema que precisamos resolver.

Pensamos em elevar os padrões mínimos, mas o conselho decidiu seguir outro caminho. Se você definir um obstáculo muito alto, impedirá os investidores de iniciarem sua curva de aprendizado. E esse é particularmente o caso nos mercados emergentes.

A questão é: usamos o chicote ou a cenoura? E achamos que a cenoura é melhor.

O que isso quer dizer?

Reconhecemos que existem ideias diferentes sobre o que é ser investidor responsável. Para alguns investidores, ser responsável significa integrar riscos e oportunidades nos seus processos de investimento, para outros, identificar resultados de sustentabilidade. Alguns pensam que é agir em relação aos resultados de sustentabilidade. Cada um deles é legítimo. Então resolvemos criar diferentes caminhos de progressão, voluntários.

Agora estamos projetando esses caminhos. A ideia é ter diferentes níveis de progresso que serão atingidos. E os donos dos ativos, como fundos de pensão, poderão questionar os gestores e dizer se estão alinhados ou não e fazer outra escolha de gestor.

Achamos que isso, de certa forma, ajudará a resolver a questão do greenwashing.

No Brasil, não me parece que os gestores e os investidores em geral estejam convencidos de que a crise climática e a perda de biodiversidade constituem um risco para a economia e o mercado financeiro. Qual a sua percepção?

Não estão começando do zero. Já tem práticas avançadas acontecendo, organizações que estão neste espaço há algum tempo. E essa é uma base muito boa para dar o próximo salto. O Brasil tem uma oportunidade agora, assim como aconteceu na Austrália, de onde eu venho.

Durante 10 anos, na Austrália, do ponto de vista do ciclo político, muito pouco estava acontecendo. E agora, com a mudança de governo, assistimos a uma aceleração [da agenda verde]. Acho que a mesma coisa é possível aqui no Brasil.

E qual a situação no mundo?

Os gestores precisam garantir que estão avaliando o mundo em que estão investindo e avaliando os riscos em todas as suas dimensões. Se você não estiver fazendo essas coisas, não estará cumprindo seu dever fiduciário com o investidor. 

E já há informações suficientes na comunidade de investimentos, nos reguladores, nos governos e nos decisores políticos para dizer que estes são riscos sistêmicos reais.

No início dos anos 2000, toda essa ideia de integração de riscos ESG, investimento responsável, era uma ideia de nicho.

Mas hoje o PRI tem  5,5 mil signatários em 100 países, representando US$ 120 trilhões, o que significa que mais da metade do capital institucional existente no mundo aderiu aos princípios. Isso não é mais um nicho, é mainstream. 

Agora, não são todos, e muitos não avançaram o quanto deveriam. Vimos um interesse de baixo para cima por parte dos investidores, e agora começamos a ver uma regulamentação de cima para baixo. Os governos querem ter certeza de que os investidores não estão fazendo greenwashing.

Mas, mais do que isso, os reguladores estão pressionando os investidores a focar nessas questões de risco sistêmico. Acabo de chegar do Japão. O governo aproveitou a conferência anual do PRI para lançar uma série de novas iniciativas políticas para demonstrar a sua liderança.

E não é só no Japão. Em Cingapura, Hong Kong, Malásia, Vietnã, Filipinas, Tailândia e Austrália, os reguladores estão enviando sinais claros aos investidores. Isso está acontecendo na Europa, está acontecendo no Reino Unido. E acredito que aqui, também. 

Mas os investidores estão movendo o capital na velocidade necessária para conter a mudança climática? 

A resposta clara é não. E não é de se surpreender, porque a temática tem apenas 20 anos. Mas o tempo está passando. Sabemos que já estamos próximos de atingir o aquecimento de 1,5°C e que cada ponto importa.

Não é a falta de inovação e tecnologia e nem falta de apetite do capital. A peça que falta são definições políticas adequadas em todo o mundo, que deem a confiança para investir nesta temática da sustentabilidade e na transição climática de forma consistente com as suas responsabilidades fiduciárias e que garantam a existência de projetos confiáveis.

Muitos governos concordaram com planos de transição climática, mas falta granularidade no planejamento. Qual é o plano de transição para a agricultura? Qual é o plano de transição para o transporte? Qual a taxonomia? E quais são os projetos? Qual é o pipeline do projeto? Ainda  não temos as políticas adequadas para realmente colocar o capital necessário para trabalhar. Essa é a lacuna.

O capital realmente existe?

Há capital aqui no Brasil? Provavelmente não. Mas, internacionalmente, temos.

E por que esse capital não existe aqui ainda?

Porque o ambiente regulatório não está muito claro. Porque o pipeline de projetos não está definido. E existe uma tendência dos mercados desenvolvidos de investir nos seus próprios mercados, porque consideram os emergentes mais arriscados. Então, como reduzir o risco dos mercados emergentes para que os investidores do Norte global possam se mover para o Sul global?

Hoje os chamados fundos de transição vêm crescendo rapidamente. Você acha que os investidores têm que financiar a transição? Quais os limites do que é transição e o que é greenwashing? 

Os reguladores precisam criar linguagens e terminologias padronizadas.

No momento estamos um pouco no Velho Oeste. Todo mundo faz compromissos net zero e usam a mesma linguagem para se referir a coisas diferentes.

Dito isso, os fundos de transição serão cruciais.

Há uma mudança de mentalidade em relação aos investimentos de transição? Antes era mais forte a abordagem de investir em empresas verdes e banir as poluentes, fazendo um filtro negativo.

Um fundo de pensão pode facilmente livrar seu portfólio de ativos ligados a carbono sem, no entanto, ajudar a descarbonizar a economia. Qual é o propósito disso? Você pode parecer melhor como instituição isolada, mas não fez nada para resolver o problema.

É preciso reconhecer que existem economias, comunidades e indústrias muito dependentes dos combustíveis fósseis. Existem grandes investidores institucionais que entenderam que talvez seja melhor manter as empresas de combustíveis fósseis na carteira e orientá-las na sua transição.

Veremos cada vez mais maturidade na conversa. Temos que mudar os modelos de negócios das empresas. Mas claro que há parte da indústria de combustíveis fósseis tentando frear o nosso trabalho, principalmente nos Estados Unidos. 

Além da Europa, onde tudo se move mais rápido nesse front, onde mais as finanças sustentáveis estão avançando mais rapidamente?

Reino Unido, Canadá, Austrália. Em Cingapura, os grandes fundos soberanos, GIC e Temasek, estão fazendo coisas incríveis. No Sudeste Asiático, os reguladores estão pressionando muito, é uma região a ser observada. Como começaram mais tarde, podem aprender com os erros de outros países.

Temos o TCFD bem consolidado e agora o TNFD ganhando vida agora, certo? Qual é a relevância disso? E o que você espera? 

Esta é provavelmente a nova área mais relevante que os signatários do PRI precisam de compreender melhor.

Há um reconhecimento crescente de que não é possível resolver as alterações climáticas se não compreendermos realmente o mundo natural em que vivemos e a forma como os recursos naturais foram esgotados. 

O TCFD foi incorporado ao ISSB, e daqui dois a três anos o TNFD deve entrar nos padrões globais de sustentabilidade. A natureza é a próxima fronteira. E aqui o Brasil tem a oportunidade de demonstrar liderança, porque é um dos hotspots de biodiversidade do globo.