O escândalo de geração de créditos de carbono em terras supostamente griladas no Amazonas teve desdobramentos na Faria Lima. Dois fiagros da gestora AZ Quest carregam volume considerável de um CRA (certificados de recebíveis do agronegócio) emitido pela Stoppe Ltda., empresa da família de mesmo nome apontada pela Polícia Federal como líder de uma organização criminosa que agia na Amazônia.
Os fundos AZ Quest Sole e AZ Quest Luna tinham em carteira R$ 54,6 milhões do CRA de R$ 60 milhões emitido pela Stoppe Ltda em março do ano passado. O restante estaria nas mãos de investidores individuais, segundo relatório da gestora.
A Stoppe Ltda. é uma das empresas do médico paulista Ricardo Stoppe Júnior que fazem parte de um esquema supostamente fraudulento que foi alvo da PF no último dia 5. Ele e Ricardo Villares Lopes Stoppe, seu filho e sócio administrador da companhia, estão presos no interior de São Paulo.
O lastro do CRA é uma dívida da Stoppe Ltda e as garantias da operação são os créditos de carbono que seriam gerados em atividades que mantêm a floresta em pé, também conhecidas como REDD+, e dois imóveis nos quais são desenvolvidos os projetos.
Segundo o documento da emissão, as duas propriedades foram avaliadas em R$ 190 milhões. Elas fazem parte dos 500 mil hectares que pertenciam à união e foram grilados por Stoppe, de acordo com a investigação da PF, num esquema que subornou diversos agentes públicos e funcionários de cartórios para falsificar comprovações de titularidade.
A emissão do CRA foi realizada pela Eco Securitizadora, parte do grupo Ecoagro. Em nota oficial na segunda-feira, a empresa diz ter encaminhado notificação à Stoppe Ltda. e aos avalistas pedindo esclarecimentos.
Fundo em queda
O CRA Stoppe corresponde a pouco mais de 9,88% da carteira do fundo Sole e a 5,87% do fundo Luna.
A presença dos ativos envolvidos no escândalo na carteira derrubou o valor da cota do Sole. Listado na B3 com o símbolo AAZQ11, o fundo era negociado por R$ 7,77 no fechamento do mercado ontem, dia 11, com uma queda de 11,5% nos últimos cinco dias. O Luna não é negociado em bolsa. A administradora de ambos é a XP Investimentos.
Os fundos da AZ Quest não compraram o CRA diretamente. O investimento se deu por meio da compra de cotas do FDIC Caetê, que, por sua vez, tem como único ativo o CRA Stoppe. A gestão do Caetê é da Ceres Asset, e a administração fica a cargo da Vórtx.
Em comunicado ao mercado publicado no começo da noite de terça, as casas afirmam que os ativos do Caetê foram remarcados por metade do valor do dia anterior, como “medida preventiva”.
Isso representa um impacto de 7,82% no valor unitário das cotas do AZ Quest Sole, de acordo com comunicado ao mercado da AZ Quest, também divulgado na terça à noite.
Carbono e polícia
Se confirmados os crimes investigados pela PF, o esquema descrito na investigação será de longe a maior fraude envolvendo créditos de carbono no país, com o potencial de afetar um mercado que começa a mostrar sinais de reação depois de uma longa crise.
Iniciativas globais, que incluem o apoio do governo americano, tentam restaurar a confiança em um setor não regulado e alvo de denúncias de exagero nos benefícios climáticos e exploração de comunidades locais e povos indígenas.
Os reflexos no mercado financeiro, mesmo que contidos, também representam uma péssima notícia para as soluções climáticas baseadas na natureza – um negócio nascente e de potencial bilionário para o Brasil.
CRAs lastreados em carbono ainda são raros – e talvez continuem assim depois da experiência da AZ Quest, afirma um gestor experiente: “É o primeiro impacto de ‘carbonwashing’ em um fiagro grande. O mercado já sabe pouco sobre esse ativo, e quando vê informação é na página policial…”
A posição das empresas
Nenhuma das gestoras atendeu aos pedidos de comentários do Reset. Todas direcionaram a reportagem para fatos relevantes.
AZ Quest e XP afirmam que manterão o mercado e os cotistas informados caso haja novos eventos materiais e dizem estar “estudando medidas cabíveis para resguardar os interesses” do fundo e dos investidores.
Vórtx e Ceres “reafirmam seu compromisso de seguir desempenhando suas atividades de forma diligente e em estrita observância ao seu dever fiduciário”.
A reportagem não conseguiu contato com a defesa de Stoppe.