A Natura estreou como a primeira empresa brasileira a emitir uma dívida com metas atreladas à biodiversidade da Amazônia e, de cara, abocanhou R$ 1,33 bilhão no mercado de capitais, conforme comunicado na noite de ontem.
Emitidos como Sustainability Linked Bonds (SLBs, na sigla em inglês) pela Natura Cosméticos, os recursos levantados com os títulos não têm um destino carimbado, mas a companhia precisa cumprir metas estabelecidas na emissão, caso contrário arca com uma penalização nos custos de crédito.
Os protagonistas da operação são os bioativos da Amazônia. A empresa usa hoje 44 ingredientes da floresta, como ucuuba, andiroba, patauá e castanhas, e se comprometeu a aumentar o número para 47 e 49 até o fim de 2026 e 2027, respectivamente.
Se não cumprir a meta até os prazos determinados, a Natura paga um adicional de 0,15% ao ano na primeira verificação e 0,30% ao ano na segunda. O prazo dos títulos é de cinco anos, com vencimento em 15 de junho de 2029.
Desenvolver a cadeia de fornecimento dos novos ingredientes leva entre três e cinco anos, segundo a empresa. Os próximos insumos a entrar em suas formulações não foram revelados.
A taxa foi de CDI + 1,2%, com spread 25% abaixo da média da companhia para operações similares. O UBS BB foi o coordenador líder da oferta, que contou também com o Itaú BBA.
Quase 40% da captação foi liderada por nomes de peso: foram R$ 300 milhões do International Finance Corporation (IFC), que integra o Grupo Banco Mundial, e R$ 200 milhões do BID Invest, braço do Banco Interamericano de Desenvolvimento que atua com o setor privado.
A aposta dos bancos de desenvolvimento está relacionada ao pioneirismo da companhia em conseguir incluir na conta a biodiversidade – o que não é trivial – e o desenvolvimento das cadeias produtivas.
“Isso só é possível porque o nosso modelo de negócio é desenhado de determinada maneira. Depois de [quase] 25 anos trabalhando com comunidades da Amazônia, temos informação suficiente, rastreável e auditável para conseguir atrelar esse indicador a um instrumento financeiro”, disse Silvia Vilas Boas, vice-presidente de Finanças e Estratégia da Natura, em entrevista coletiva.
A aproximação com essas instituições multilaterais tem acontecido justamente para desenvolver pilotos e outros instrumentos financeiros inovadores que permitam que a concessão de crédito passe pela Natura e chegue às comunidades locais extrativistas da floresta, segundo Vilas Boas.
“Quando falamos de ecossistema de inovação e produtos da Amazônia, o maior desafio é com as cadeias de valor pequenas, pouco sofisticadas, com muitos riscos ambientais e sociais, e a Natura traz ao menos um pouco de mitigantes de tudo isso”, afirmou ao Reset Juan Parodi, diretor de investimentos do BID Invest à frente da operação.
Essa foi a primeira compra de debêntures pelo banco na área de bioeconomia e a primeira compra no mercado de capitais público no Brasil.
Gestão de risco
A ideia é que o BID Invest funcione cada vez mais como âncora para operações na Amazônia, afirma Parodi, com o intuito de trazer mais dinamismo e aumentar o apetite de quem investe.
“Damos esse primeiro passo para que o mercado de capitais sirva para atrair investidores, pela sofisticação do produto e porque nos permite entrar com estruturas mais subordinadas [em que a instituição absorve parte dos riscos antes de outras].”
Com poucas exceções, as empresas e o ecossistema econômico da região amazônica não têm o mesmo estágio de desenvolvimento de outras regiões do país.
O BID Invest, por exemplo, tem ticket máximo de R$ 1 bilhão no Brasil – mas o teto cai para um terço desse valor quando se trata da região.
Natureza na conta
Trazer bancos multilaterais de desenvolvimento junto à operação tende a contribuir para a menor percepção de risco pelo mercado. A estratégia também foi usada pelo banco BBVA Colômbia, que, com estruturação e investimento do IFC, emitiu no mês passado o primeiro título de biodiversidade do mundo no valor de US$ 50 milhões. Os recursos serão usados para financiar projetos com foco em reflorestamento, restauração e conservação de florestas e mangues no país.
A falta de métricas claras ligadas à biodiversidade ainda faz com que investidores e empresas a deixem em segundo plano e foquem nas mudanças climáticas.
Mas, aos poucos, o cenário vem mudando.
A Força-Tarefa para Divulgação de Dados Financeiros relacionados à Natureza (TNFD) publicou, no ano passado, recomendações para que empresas avaliassem e divulgassem dados financeiros relacionados com seu capital natural. Meses antes, a COP15 da biodiversidade, em Montreal, aprovou o “Acordo de Paris da Natureza” para trazer maior proteção a esse ativo.