Cinco pontos para entender a proposta do Brasil no G20 para taxar os bilionários

Destrinchamos a ideia do economista Gabriel Zucman de um padrão global para fechar as brechas usadas pelos ultra ricos para driblar os impostos

Cinco pontos para entender a proposta do Brasil no G20 para taxar os bilionários
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Na presidência rotativa do G20, o Brasil encampou a ideia taxar os ultra ricos mundo afora e encomendou ao economista francês Gabriel Zucman uma proposta para ser discutida pelos países. 

Seus contornos já são conhecidos, mas hoje pela manhã Zucman apresentou oficialmente um plano à imprensa do mundo todo, com base num relatório que acaba de ficar pronto e que será levado à reunião de ministros de Finanças do G20 agora em julho, no Rio de Janeiro. O economista, que é professor da Escola de Economia de Paris e da Universidade de Berkeley, além de ser fundador do UE Tax Observatory, explicou a ideia.

Ele esclareceu que, diferentemente do que muitos têm falado, não se trata de um imposto sobre riqueza, mas sim de uma forma de taxar a renda dos ultra ricos, que por variados motivos acabam pagando proporcionalmente menos ou nada. Ou seja, seria uma maneira de tentar corrigir a regressividade do imposto sobre renda no topo da pirâmide.

Também não se está falando de um imposto global, mas sim um padrão único que poderá ser aplicado de forma independente por cada país ou bloco econômico. “Claro que, quanto mais países aderirem, maior será a efetividade.”

Apesar de a ideia ter ganhado momentum, da teoria à prática os obstáculos são muitos, como mostrou reportagem do Reset.

O tempo da academia e da política não são os mesmos, disse Felipe de Oliveira, coordenador de assuntos financeiros internacionais do Ministério da Fazenda, ao fazer a abertura da entrevista de Zucman por videoconferência.

“Há um consenso crescente entre especialistas em torno da necessidade de se taxar os super ricos. Mas na política as negociações são longas.”

Entenda a ideia em cinco pontos:

Qual a proposta?

Não se trata de criar um imposto global, mas sim um padrão internacional para taxar os ultra ricos.

A ideia central é que as estimadas 3.000 pessoas do mundo que têm um patrimônio superior a US$ 1 bilhão fossem chamadas a pagar um mínimo de 2% de seu patrimônio em imposto anualmente.

Se a pessoa já pagasse imposto de renda equivalente a 2% sobre a riqueza, nenhum imposto adicional seria devido. Mas, se recolhesse menos, teria que complementar. 

Uma vez que se aprove um padrão global, os países decidiriam aderir ou não. Cada país, então, teria que aprovar reformas tributárias domésticas para implementar o novo tributo. Os instrumentos que podem ser usados para alcançar o objetivo são variados. Zucman lista como opções um imposto sobre a renda presumida, um imposto de renda sobre um conceito ampliado de renda ou uma taxa sobre a riqueza propriamente.

“[No conceito], não se trata de um imposto sobre riqueza, é algo que se encaixa no domínio do imposto sobre a renda”, disse. A ideia de usar a riqueza como referência é porque ela é mais difícil de manipular do que a renda.

Não se trata, explicou ainda, de criar um imposto progressivo, mas uma forma de resolver a regressividade da taxação que existe na prática. “É uma forma de garantir que os mais ricos não paguem menos impostos.”

No futuro, sugere Zucman, o imposto poderia avançar sobre os centimilionários, ou seja, quem tem patrimônio na casa das centenas de milhões de dólares. Nesse caso, seria obtida uma arrecadação anual adicional entre US$ 100 bilhões e US$ 140 bilhões.

Qual o diagnóstico?

Segundo Zucman, os sistemas tributários atuais falham em taxar adequadamente os ultra ricos. Estudos demonstram que os bilionários conseguem evitar o imposto de renda por meio de diversos mecanismos e, como consequência, pagam apenas 0,3% sobre sua fortuna anualmente (em média).

“Isso priva os governos de ter acesso a esses recursos. Não é sustentável, porque o crescimento da riqueza se dá de forma desigual.”

O patrimônio dos mais ricos cresce, em média, 7,5% ao ano em termos reais (descontada a inflação) nas últimas quatro décadas. “Com o imposto de 0,3% que pagam hoje, isso quer dizer que o rendimento líquido dos bilionários está na casa dos 7,2% ao ano. Mesmo com a taxa de 2%, a taxa de retorno real seria de 5,5%.”

Por que a coordenação global?

Se a aplicação seria por adesão e cada país criaria seus próprios mecanismos, qual a necessidade de uma coordenação global?

Zucman diz que um dos principais obstáculos para taxar os ultra ricos é o risco de que mudem sua residência para países onde as alíquotas são mais baixas, um movimento chamado de ‘race-to-bottom’.

A coordenação global, disse, poderia proporcionar troca de informações entre países, para fechar brechas. Mecanismos como impostos de saída também seriam uma opção.

“Vamos supor que uma pessoa passou 40 anos no Reino Unido, que decidiu implementar a taxação, e decide se mudar para a Suíça, que decidiu não aderir à proposta. O Reino Unido poderia criar uma regra para continuar taxando essa pessoa pelos próximos anos, considerando que ela enriqueceu no país e fez uso de serviços e infraestrutura públicos”, exemplificou.  

Como medir a fortuna?

Além do ‘race-to-bottom’, outro desafio seria medir adequadamente a fortuna dos bilionários. Segundo Zucman, estudos sugerem que metade da fortuna dos ultra ricos está em ações de grandes empresas listadas (pense em Jeff Bezos e Amazon e Elon Musk e Tesla). Os outros 50% estão em empresas grandes de capital fechado, que podem ser avaliadas por métodos diversos. Apenas uma parte residual estaria em bens como barcos, aviões ou obras de arte. “Não teríamos uma avaliação perfeita, mas haveria uma melhora massiva em relação ao status quo.”

Para onde iriam os recursos?

A proposta não entra no mérito da destinação dos recursos.

“Não cabe a mim dizer como os recursos arrecadados devem ser aplicados. Cabe às pessoas [população de cada país] decidir isso via o Congresso”, disse Zucman.