
O conceito de blended finance tem ocupado lugar central nos debates sobre como financiar a transição para uma economia de baixo carbono no Sul Global. Trata-se de um modelo que combina diferentes fontes de capital – filantrópico, público, concessional e privado – para viabilizar investimentos de impacto que, por si só, seriam menos atraentes ao mercado tradicional.
O desafio está em transformar essa ideia em realidade concreta, especialmente quando se trata de empreendimentos mais arriscados e ainda sem tração econômica comprovada.
O estudo de caso “Venture Capital to Scale impact in the Amazon”, assinado por Felippe Cippiciani e publicado no compilado “Case Studies on Blended Finance and Sustainable Investing in Brazil 2025”, da Universidade Columbia, citou uma iniciativa da KPTL justamente por tentar transformar essa promessa em estrutura. Nosso Fundo Floresta e Clima, ainda em fase de estruturação, foi destacado como uma tentativa concreta de implementação do blended finance em venture capital na América Latina.
E o estudo não esconde: o processo foi duro, complexo e ainda não chegou ao desfecho desejado. Mas trouxe aprendizados valiosos que merecem vir a público, tanto para inspirar novas tentativas quanto para evitar armadilhas já identificadas.
Desafios do blended finance
A proposta era simples, na teoria: criar um fundo que tivesse entre seus cotistas um investidor concessional disposto a assumir maior risco e menor retorno, destravando assim o interesse em apoiar soluções climáticas e baseadas na natureza por parte de investidores privados.
Na prática, esbarramos em uma série de dificuldades estruturais.
Faltou ao ecossistema uma cultura de risco compartilhado e de missão coletiva. Não há no Brasil um histórico de fundos estruturados com esse nível de sofisticação, tampouco um mercado jurídico e financeiro amplamente preparado para lidar com as nuances legais, fiscais e operacionais dessa combinação de interesses.
A ausência de marcos regulatórios específicos e a rigidez dos instrumentos tradicionais de investimento impuseram desafios adicionais. Foi preciso investir tempo e energia para educar parceiros, mobilizar especialistas jurídicos e financeiros, elaborar documentações quase artesanais e, sobretudo, manter a convicção de que o esforço valia a pena mesmo sem garantias de captação.
O descompasso entre os tempos da estruturação e da decisão de investimento se mostrou um dos maiores entraves. A experiência nos ensinou que a inovação financeira, principalmente quando busca servir ao clima e à bioeconomia, exige três elementos-chave:
- Coragem institucional para assumir o papel concessional;
- Capacidade técnica para executar projetos de alta complexidade;
- Vontade política para escalar modelos ainda não testados em larga escala.
Nenhum desses elementos é trivial. Mas todos são essenciais para que o blended finance deixe de ser uma promessa e se torne prática corrente no financiamento climático brasileiro.
Financiamento sustentável no Brasil
Projetos-piloto efetivamente executados – mesmo sem sucesso financeiro imediato – cumprem um papel essencial no amadurecimento do ecossistema. Eles ajudam a desenhar a sintonia fina, revelam os gargalos práticos da implementação e criam jurisprudência institucional para futuras tentativas.
Nesse sentido, o Fundo Floresta e Clima foi o começo de uma jornada de construção e aprendizado. É um protótipo, um modelo, que, ao ser testado, revelou os limites do sistema atual, mas também apontou caminhos possíveis de evolução.
O estudo de Columbia dá visibilidade a essa tentativa. E mais do que isso: insere o Brasil em um debate global sobre a necessidade de novas arquiteturas financeiras capazes de unir retorno financeiro com impacto socioambiental mensurável.
Há, no Sul Global, uma carência crônica de capital paciente, de instrumentos flexíveis e de ambientes institucionais dispostos a colaborar. Não se trata de “falta de dinheiro”, mas de inadequação estrutural.
Dada a urgência da pauta, devemos seguir estudando formas para viabilizar o financiamento para projetos ligados a bioeconomia e soluções climáticas. Nesse contexto, está sendo desenvolvida uma estrutura financeira inovadora que combina capital filantrópico com investimento comercial para apoiar projetos sustentáveis.
Aprendemos e estamos criando uma nova estrutura, mais robusta e alinhada com as restrições institucionais e regulatórias brasileiras. Uma estratégia de primeiras perdas por meio de uma estrutura de dívida que tem como objetivo mitigar riscos e facilitar a entrada de capital concessional de forma mais tangível e eficiente.
Ao utilizar o capital filantrópico como amortecedor de risco – absorvendo eventuais perdas iniciais –, a estratégia busca reduzir a percepção de risco associada a projetos sustentáveis, que tradicionalmente enfrentam barreiras para atrair investimento privado. Com isso, espera-se desbloquear novos recursos do setor privado para iniciativas de alto impacto socioambiental, promovendo uma alavancagem mais eficaz do capital disponível.
O que hoje parece ousadia amanhã será o baseline. Projetos como o nosso pavimentam a estrada para que outros venham, com mais eficiência, menos atrito e maior escala. Não é fácil. Mas é necessário. O clima não pode esperar que o sistema financeiro se acomode. É o sistema que precisa se ajustar à urgência climática.
* Christiane Bechara é sócia e chief finance officer (CFO) da gestora KPTL. Executiva de finanças e governança corporativa com mais de 25 anos de carreira, é conselheira de empresas de tecnologia e mentora de mulheres em desenvolvimento de carreira.
*Danilo Zelinski é head de Nature & Climate Investments da mesma gestora.