Como o BNDES quer descarbonizar sua carteira de empréstimos

Plano de net zero deixa maior parte das definições para o próximo ano, mas traça caminho para redução das emissões

Como o BNDES quer descarbonizar sua carteira de empréstimos
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Durante a COP27, o BNDES assumiu o compromisso de se tornar neutro em carbono até 2050 — o que envolve não só suas emissões diretas, mas principalmente o desafio de descarbonizar a carteira de mais de R$ 450 bilhões em empréstimos, diretos e indiretos, além de outros quase R$ 70 bilhões em participações societárias.

Anunciado no apagar de luzes do governo Bolsonaro, o plano prevê que a maior parte da execução aconteça na próxima gestão, inclusive as definições das metas de curto e médio prazo, que estão previstas para ser fixadas no ano que vem. 

É uma trajetória cheia de desafios, que vão desde mensurar as emissões de carbono de um portfólio amplo até se engajar com uma miríade de empresas para garantir que elas também cheguem ao net zero. 

Mas o banco deixou um mapa de como pretende avançar na descarbonização, além de toda uma estrutura montada ao longo dos últimos anos para avançar no objetivo. 

“Se você pensar em bancos de desenvolvimento ao redor do mundo, estamos dando um passo muito significativo: estamos nos propondo a pegar toda nossa carteira, inclusive a indireta”, diz o diretor de crédito produtivo e socioambiental do BNDES, Bruno Aranha. 

“Queremos saber quanto os nossos parceiros, as instituições financeiras, estão emprestando de recursos do BNDES e quanto esses projetos estão significando de carbono na ponta.”

Num documento de 47 páginas apresentado em Sharm el-Sheikh, o banco detalha uma política transversal, voltada para o engajamento com as empresas com as quais tem relação direta e também com instituições financeiras que fazem repasse de seus recursos, além de uma política setorial, voltada para segmentos prioritários. 

2023, o ano-chave

As metas intermediárias rumo à neutralidade de carbono devem ser definidas só no ano que vem, quando o inventário de emissões das operações do BNDES estiver completo e incluir as carteiras de crédito e as de investimento direto e indireto. 

Aranha destaca, porém, que a meta do país de reduzir 50% das emissões até 2030 serve como um “grande guidance”. 

“Entendemos que, como um banco de desenvolvimento brasileiro, o BNDES precisa ajudar e apoiar a jornada da economia brasileira e do Brasil no cumprimento dos seus compromissos climáticos e dos seus compromissos de desenvolvimento sustentável”. 

Por enquanto, o BNDES só tem o cálculo da pegada de carbono do seu portfólio de renda variável. 

A carteira — que conta com a participação de Petrobras, JBS e Eletrobras, por exemplo — correspondeu a uma emissão de quase 22 milhões de toneladas de CO2 no ano passado, segundo cálculo feito pela Way Carbon. Na conta, entram emissões proporcionais à participação do BNDES. 

Nesse caso, a estratégia de saída de empresas mais maduras por parte do banco, que vem sendo levada a cabo nos últimos anos e foi a marca desta gestão, deve ser usada para liberar recursos para projetos mais sustentáveis, aponta Aranha. 

“Estamos saindo de grandes empresas, sejam elas intensivas ou não, porque queremos usar esses recursos para apoiar projetos verdes”, diz o executivo. 

Indutor

A partir de 2023, todos os novos projetos que chegarem ao banco terão contabilidade de carbono e o BNDES quer desenhar metas de engajamento para estimular os clientes antigos a fazer seus inventários e traçar estratégias climáticas. 

O banco se vê num papel de indutor — tanto para as empresas de menor porte, quanto para a carteira indireta, que envolve o repasse de recursos do BNDES feito por outras instituições financeiras. 

“É relevante dizer que, de forma geral, entendemos que as empresas brasileiras estão bem posicionadas nessa jornada”, afirma Aranha, destacando a matriz energética limpa do país. “O que estamos dizendo é ‘olha, empresariado brasileiro, faça seu inventário porque você vai se surpreender’.”

Nas pequenas e médias empresas, o primeiro desafio é o entendimento da pauta de redução de emissões, diz Aranha. Esclarecer as oportunidades é o segundo. Em diversos casos, é na cadeia de suprimento, que inclui essas companhias, que as gigantes do mercado podem diminuir suas emissões, lembra — o que aumenta a vantagem competitiva de quem estiver à frente neste processo. 

Nesse sentido, a ideia do BNDES é atuar como credor, oferecendo recursos para que as empresas caminhem em direção ao net zero ou influenciando as tomadas de decisão nesse percurso, na parte do portfólio em que o banco entra como sócio. 

“A gente quer fornecer todo o apoio financeiro para que essas empresas possam fazer essa jornada de descarbonização”, reforça Aranha. 

Para os negócios em que a redução de emissões não seja possível, o banco quer oferecer opções de compensação, com compra de créditos de carbono. 

Créditos de carbono

No último ano, o BNDES vem avançando numa agenda de tentativa de fomento ao mercado de carbono. No fim de agosto, lançou uma chamada para a compra de R$ 100 milhões em créditos, num programa que deve arrematar, no total, pelo menos R$ 300 milhões em créditos

O plano é atuar como fomentador do mercado, garantindo não só capital para tirar projetos do papel, mas também dando chancela a padrões de qualidade para condução de iniciativas de redução de emissões de gases de efeito estufa. 

Uma vez comprados os créditos, o banco pode utilizá-los tanto para compensar a pegada de carbono de sua carteira financeira como para venda futura. 

Outra agenda do banco, na área de projetos, foi a estruturação de concessões de ativos ambientais. Esta vertente inclui parques naturais, como o do Iguaçu, voltados ao ecoturismo, e também concessões florestais, seja para manejo sustentável ou para monetização via créditos de carbono. 

Caso a empresa gere opções de créditos de carbono, o BNDES poderia comprá-los e utilizar a verba como fluxo de pagamento do próprio financiamento ou utilizá-los como garantia. 

Setores prioritários

Na agenda setorial, o BNDES elencou áreas prioritárias para descarbonização da economia, destacando os tipos de iniciativas que devem receber atenção especial na concessão de crédito e na estruturação de projetos para redução de emissões da economia. 

A lista é longa. Mas, na área de energia, há apoio a projetos de geração por fontes renováveis, incluindo tecnologias que estão começando a ganhar escala mais recentemente, como biogás, biometano e hidrogênio verde

Em logística e mobilidade urbana, o documento menciona eletrificação dos modais e uso de fontes renováveis na logística ferroviária, bem como incentivo ao transporte urbano de alta capacidade e baixa emissão. 

Na agropecuária, o banco quer fomentar a sustentabilidade na cadeia de valor, “financiando uso de bioinsumos e fertilizantes, e impulsionar a redução do desmatamento por meio da integração lavoura-pecuária-floresta.” Outra prioridade são as reduções de emissões associadas à pecuária. 

Em mudanças do uso da terra – jargão que inclui o maior vilão das emissões brasileiras, o desmatamento –, o roadmap contém investimentos para prevenção, combate e monitoramento à derrubada de vegetação de forma ilegal, especialmente na Amazônia e recuperação de áreas degradadas. 

Há menção ainda a bioeconomia, mineração de insumos essenciais para tecnologia da economia verde (“como cobre lítio, níquel e outros”), além de saneamento, economia circular e gestão de resíduos. 

Os compromissos climáticos do BNDES

A seguir, as seis metas relacionadas à neutralidade de carbono do banco:

  • Neutralidade em carbono até 2050
  • Neutralização das emissões nos escopos 1, 2 e as relacionadas a viagens a negócios e deslocamento de funcionários (casa-trabalho) a partir de 2025
  • Finalização do inventário das emissões financiadas do escopo 3 para as demais carteiras do BNDES
  • Definição, em 2023, de metas de neutralidade para as carteiras de crédito direto, indireto e renda variável
  • Definição, em 2023, de metas de engajamento para acelerar a transição dos seus clientes para a neutralidade em carbono
  • Incorporação, em 2023, da contabilização de carbono nos processos de aprovação de apoio a novos projetos