O governo parece finalmente ter completado o desenho de sua política de transição ao baixo carbono, com o anúncio do chamado Plano de Transição Ecológica previsto para ser lançado já no segundo semestre de 2023.
Esta política começou a ser desenhada desde o início da nova administração, com a implementação de um esquema de governança “transversal” da política climática, com secretarias focadas na transição nos ministérios-chave e um ataque intransigente ao desmatamento ilegal da Amazônia, responsável por cerca de metade das emissões de gases de efeito estufa do Brasil, que nos dão a nada invejável posição de 5º maior poluidor do mundo.
Agora, o governo completa o trabalho ao encaminhar um substitutivo aos projetos de lei há muito em discussão no Congresso, propondo regras para a precificação eficiente das emissões de carbono – requisito fundamental de qualquer política de clima – e lança o chamado Plano de Transição Ecológica que, embora ainda seja apenas uma vasta lista de intenções, deve, segundo o ministro da Fazenda, produzir um conjunto de incentivos ao investimento de impacto climático e “ser a grande marca do terceiro mandato de Lula”.
O desenho de instrumentos para incentivar investimentos de impacto climático – centrados na eletrificação verde e sua infraestrutura – não exige muita criatividade. Existe consenso de que deva ser um tripé de instrumentos formado por precificação do carbono (como o sistema europeu), incentivos fiscais temporários focados em projetos e atividades de impacto (como o IRA americano, em nosso caso possivelmente mais centrado em incentivos ao investimento) e, por último, mas essencial, um ambiente onde o setor privado seja atraído para financiar esses investimentos.
O principal problema está no desenho desse último objetivo: qual o tamanho da conta e de onde virá o dinheiro?
Estimativas das necessidades de investimento na transição climática dos países em desenvolvimento e do papel central do investimento privado nesses fluxos variam, mas estão convergindo. Se usarmos um número recente e de grande autoridade, produzido pelo Grupo Independente de Especialistas criado pelo G20, veremos que, para cumprir os objetivos do Acordo de Paris, os países em desenvolvimento (excetuando-se a China) teriam que elevar até 2030 seus investimentos de impacto climático – ou seja, fazer investimentos adicionais – em US$ 1.8 trilhão, na maior parte em infraestrutura. Isto representa nada menos do que quadruplicar o nível de investimentos existente em 2019.
Deste total, estima-se que cerca de US$ 500 bilhões viriam das chamadas Instituições de Financiamento do Desenvolvimento, a rede de bancos multilaterais e nacionais de fomento que, naturalmente, teria que ser reformada para prover este volume.
O restante dessa enorme despesa de capital, mais de US$ 1 trilhão, terá que vir de investidores privados. E a maior parte disso em financiamentos externos do conjunto de bancos e enormes gestoras de ativos globais que gira em torno do sol de Wall Street. Como dizem por lá, no small thing.
Para responder a esse desafio, o Banco Mundial acaba de criar o que chamou de Private Sector Investment Lab – uma iniciativa a ser liderada por um grupo de 15 CEOs de grandes instituições financeiras privadas internacionais – visando criar soluções inovadoras para promover o investimento do setor privado em investimentos de impacto climático em países menos desenvolvidos.
O Lab já está em ação e deverá se concentrar inicialmente em escalar o volume de transition finance voltado para energias renováveis e infraestrutura energética. Ou seja, as engrenagens começam a se mexer para endereçar o que até hoje tem sido a parte mais desafiadora da solução do problema do aquecimento global: trazer o setor financeiro privado dos países desenvolvidos para a mesa.
Atrair investimentos privados não deveria ser difícil para economias que possuem recursos naturais que lhes permitam gerar oportunidades rentáveis de investimento em energia verde, como o Brasil.
Entretanto, a percepção de risco do mercado internacional faz com que um projeto no Brasil, com taxa interna de retorno não alavancada equivalente ao de um projeto, digamos, europeu, se torne não competitivo na atração de investimento por ter um custo de financiamento internacional vários pontos de percentagem superior ao do projeto europeu.
Esta distorção existe por duas razões. A primeira, muito importante em projetos de eletrificação, existe porque a energia elétrica é, em geral, um bem produzido para o mercado interno e, portanto, existe risco cambial para o investidor estrangeiro. E os custos de cobertura de risco (hedge) cambial cobrados para financiamento de projetos em países emergentes pelos bancos internacionais são altos e cíclicos, fruto de uma miopia do mercado internacional de capitais empiricamente demonstrável, que amplifica desproporcionalmente o impacto de estresses financeiros correntes na avaliação do risco de longo prazo.
É por isso que os primeiros anúncios da criação do Lab do Banco Mundial foram provocados por esse tema e pela ideia de criação de um fundo segurador para minimizar este risco, sobre o qual escrevi em recente artigo no Valor Econômico.
Entretanto, no Brasil, o potencial de geração de energia limpa eficiente é muito superior à demanda doméstica projetada nas próximas décadas, o que permite que se pense realisticamente em liderarmos a transição à era do hidrogênio verde, transformando elétrons baratos em moléculas exportáveis sob múltiplas formas. Isto permitiria realizar estes grandes projetos sem risco cambial relevante, pois projetos deste tipo têm um hedge natural em suas receitas denominadas em dólares.
Mas, infelizmente, ainda permanecerá o obstáculo principal ao financiamento externo privado de projetos de infraestrutura no Brasil: o alto prêmio de risco de longo prazo do país, resultante das percepções de mercado sobre a instabilidade do arcabouço da política monetária e fiscal do país.
Especialmente no quadro atual de contração de liquidez global e de tensões geopolíticas, não podemos, realisticamente, ter a expectativa de um boom de investimentos verdes no Brasil se a política macroeconômica não tiver compromisso claro com a meta de perseguir o retorno ao grau de investimento.
A alternativa seria estimular os investimentos com recursos públicos, distribuindo subsídios desnecessários e comprometendo ainda mais o equilíbrio fiscal de longo prazo.
Em outras palavras, se a grande marca a ser deixada pelo terceiro mandato de Lula, como diz o ministro da Fazenda, será ter estimulado uma onda de investimentos na transição ao baixo carbono, a prioridade deste governo deverá ser a execução de uma política macroeconômica que acelere a queda do risco país, complementada pela criação de um ambiente regulatório de primeiro mundo.
* Winston Fritsch é PhD em Economia pela Universidade de Cambridge, foi Decano do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio e Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Tem longa atuação na gestão de instituições financeiras e é Conselheiro Emérito do CEBRI.