Os mais de 3 mil focos de incêndio registrados diariamente no Brasil estão consumindo o Cerrado, o Pantanal, a Amazônia e diferentes cidades de São Paulo. Mais da metade do país está coberta pela fumaça. Os prejuízos diretos e indiretos causados pelo fogo ainda não foram estimados – mas o custo será enorme para o meio ambiente, a saúde da população e também para alguns negócios.
Não existe uma estratégia única para lidar com um problema dessas proporções, mas uma das peças fundamentais é identificar rapidamente novos focos de fogo e agir imediatamente, para impedir que eles avancem. Este é o negócio da Um Grau e Meio.
A startup desenvolveu uma plataforma digital que combina imagens captadas por câmeras de alta resolução, modelos matemáticos e as características particulares de cada bioma. Usando satélites, a detecção leva de uma hora e meia a três horas. Com o sistema da Um Grau e Meio, o tempo cai para segundos.
“O nosso sistema, o Pantera, mostra o histórico e o que já foi queimado, o que é ótimo para análises e bem relevante. Mas a principal vantagem é permitir que se olhe para frente: para onde vai o fogo? Quando vai? O que eu faço? É uma plataforma para ação”, diz Osmar Bambini, co-fundador e diretor de inovação da Um Grau e Meio.
Quanto mais cedo identificado o novo foco, maiores as chances de sucesso em evitar que o fogo se alastre e menores os custos para fazê-lo.
Ao todo, são 17,5 milhões de hectares monitorados pela Um Grau e Meio – 10 milhões de florestas e áreas nativas e outros 7,5 milhões de agricultura. Essa área é maior que a soma dos Estados de Sergipe, Alagoas e Pernambuco.
O Cerrado, que está disputando com a Amazônia o maior número de focos de incêndio atualmente, é o bioma mais monitorado, com 6 milhões de hectares.
A empresa, agora em seu oitavo ano de vida, tem entre seus clientes gigantes como Sylvamo (antiga International Paper Brasil) e Suzano, de papel e celulose, a mineradora Anglo American, a sucroalcooleira BP Bunge Bioenergia (joint-venture da britânica BP e da norte-americana Bunge) e as desenvolvedoras de créditos de carbono Biofílica e Mombak.
Nessas áreas privadas, houve uma redução de 80% no tempo de resposta e de 90% na área queimada, segundo Bambini.
Olhar digital
O típico sistema de prevenção de incêndios é manual – e caro. “As empresas pagavam uma pessoa para ficar horas em uma torre a 30 metros do chão procurando possíveis focos de fogo com binóculos”, diz Bambini.
“Isso é custoso e mantém em condição extremamente insalubre um trabalhador que poderia estar fazendo aceiros [faixas sem vegetação para evitar propagação do fogo] ou outra atividade de conservação.”
A tecnologia da Um Grau e Meio substitui os olhos humanos por imagens capturadas por câmeras e analisadas por inteligência artificial. Em cada propriedade são instaladas câmeras de alta resolução, capazes de cobrir um raio de até 20 quilômetros.
O algoritmo do Pantera identifica instantaneamente os sinais de fumaça e atribui a cada ponto uma probabilidade de que ele corresponda a um incêndio. A partir dessas informações, o contratante decide se vai ativar brigadas da região ou acionar a ajuda de voluntários, por exemplo.
Outro recurso tenta prever para onde o incêndio está se movendo, com base nos ventos, na topografia da região e na presença de mato seco, um dos combustíveis que aceleram a propagação do fogo.
Entre 2022 e 2023, só no Pantanal, ao menos 600 dos focos de incêndio registrados pelas câmeras da startup geraram ações de combate ao fogo, segundo a empresa, cujo nome remete ao objetivo de manter em 1,5°C o aquecimento do planeta em comparação com a era pré-industrial.
‘Operação de guerra’
No início do ano, a startup concluiu sua primeira rodada de captação, de R$ 18,7 milhões, que contou com aporte da Baraúna Investimentos, Indicator Capital, Yield Lab Latam e Rural Ventures. No fim de agosto, a companhia também foi uma das selecionadas para receber R$ 275 mil no Programa Zunne, que foca em investimentos de impacto.
A demanda pelo serviço já vinha crescendo como um reflexo dos incêndios do ano passado, diz Bambini. Em 2023, o faturamento da Um Grau e Meio foi de R$ 19 milhões e a projeção é que chegue a R$ 24 milhões ao fim deste ano.
A movimentação dos últimos dias tem sido intensa, diz o co-fundador. “É como uma operação de guerra”, afirma ele. “Cada segundo conta, assim como a coordenação e os equipamentos usados”. A intensidade do fogo aumentou e a forma como ele se propaga vem mudando por causa da crise climática global, afirma o empreendedor.
Pelo menos 200 municípios enfrentam situações de seca extrema no país – mais de 80 deles em São Paulo. No Amazonas, há regiões com estiagem severa ou extrema há mais de dez meses. Os dados são do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
“Estamos vivendo uma seca absurda e, enquanto isso, ninguém parou de pôr fogo. O que precisa acontecer agora é a rápida identificação e melhorar a capacidade de gestão, monitoramento e resposta”, afirma Bambini.
A startup também tem visto estratégias de redução de danos. No Pantanal, por exemplo, há projetos que usaram o apoio das câmeras para evitar que áreas-chave do território fossem queimadas.
Em alguns cenários, empresas passam a ter que decidir sacrificar parte da produção de eucalipto ou cana-de-açúcar para evitar que o fogo se alastre para uma área de reserva – evitando possíveis ações judiciais ou multas.
Colaboração
O Pantera é só o primeiro passo para prevenir que um incêndio se alastre. Se as informações captadas pelo sistema não se traduzirem em ações de combate, “vira apenas um filme de catástrofe”, diz Bambini. Por isso, o mapeamento de brigadas próximas, pontos de recolhimento de água e propriedades vizinhas às monitoradas é importante para a rápida resposta.
Na luta contra o fogo, a Um Grau e Meio não atua sozinha nem assume a responsabilidade por ações que cabem ao poder público. A empresa entra com a tecnologia, enquanto diferentes agentes do Estado entram com conhecimento de gestão territorial e capacidade de combate.
“Sem os atores de combate federais, estaduais e locais nossa solução não iria funcionar.”
A companhia também tem parcerias com o Centro Nacional de Prevenção, Controle e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), do Ibama, a ONG Instituto Homem Pantaneiro (IHP).