Máquina da New Wave

Os rejeitos são um problema para a mineração. Além de representarem riscos de contaminação do solo e da água, as barragens onde eles são acumulados são passíveis de acidentes estruturais.

Mas uma empresa criou uma solução para se livrar deles e, se tudo der certo, lucrar muito com isso. A New Wave, startup brasileira de tecnologia aplicada à mineração, está investindo R$ 250 milhões na construção de uma “planta demonstração”, com caráter experimental, que usa micro-ondas para secar e converter rejeitos de bauxita em ferro de baixo carbono. O negócio da New Wave não será, porém, o ferro de baixo carbono, que no futuro poderá ser vendido para siderurgias, mas sim a tecnologia, que será licenciada em troca de royalties.

O projeto será desenvolvido em Barcarena, nordeste do Pará, recebendo os rejeitos da mineradora norueguesa Hydro.

O ferro de baixo carbono pode ser produzido de várias formas. A New Wave optou pelo uso de carvão vegetal, que substitui o carvão mineral, ou seja, com teor mais baixo de emissões. É um material essencial para a produção de aço, que é a base para a fabricação de peças de automóveis, utensílios domésticos, tubulações e componentes de máquinas. 

Com a parceria, a New Wave poderá retirar o ferro dos rejeitos da produção da Hydro, que hoje são compactados em blocos por meio de uma tecnologia conhecida como filtro-prensa. A planta em Barcarena já deve ficar pronta no ano que vem. No longo prazo, a ambição é grande: a tecnologia da New Wave poderia, em tese, eliminar a necessidade de barragens.

Experimento

O processo envolve a mistura do resíduo de bauxita com carvão vegetal ou biomassa, gerando pelotas que serão posteriormente colocadas em um reator de micro-ondas, dando

origem ao ferro de baixo carbono, que pode ser usado na indústria siderúrgica. Estima-se que cada tonelada de resíduo de bauxita tem potencial para gerar cerca de 300 quilos de ferro de baixo carbono e 300 quilos de co-produtos. 

O restante vira o que a empresa chama de “voláteis”: substâncias que se transformam rapidamente em vapor, composto principalmente por vapor d’água oriundo da umidade e da água presente na estrutura cristalina de minerais.

A planta será a primeira do mundo a aplicar essa tecnologia em escala industrial e nasce em meio à pressão global por cadeias minerais menos intensivas em carbono e à necessidade de reduzir os riscos ambientais associados às barragens de rejeitos. 

“Queremos zerar a geração de resíduos”, resume Gustavo Emina, CEO da New Wave. 

“O que era um passivo ambiental passa a ser um ativo de valor, com baixíssimo impacto e potencial para mudar a lógica da mineração.”

Emina é conhecido no setor por ter sido CEO da New Steel, empresa que usava separação a seco para enriquecer minérios de ferro e que foi vendida para a Vale em 2019. 

A unidade de Barcarena integra a divisão Wave Alumínio, uma das quatro frentes de negócio da companhia. O objetivo é reaproveitar os resíduos do processo Bayer, rota química centenária usada na produção de alumina, que transforma a bauxita em alumina e gera até três toneladas de rejeito por tonelada produzida. 

O Brasil reaproveita menos de 4 milhões de toneladas desse material por ano, e o restante é armazenado em barragens. É a equação que a New Wave pretende mudar, já dando a largada, portanto, com muita matéria-prima disponível.

A partir da secagem e da mistura desses rejeitos, o ferro de baixo carbono da New Wave terá uma pegada de carbono de 400 quilos por tonelada. É 78% menor do que a produção de ferro convencional, graças ao uso do carvão vegetal. 

A empresa afirma que a demanda energética não é grande e será utilizada energia direto do grid (ou seja, conectada à rede) que, no caso brasileiro, é majoritariamente uma energia limpa.

No Pará

Embora o investimento seja alto, a planta de Barcarena não terá fins comerciais. Trata-se de um projeto de validação tecnológica que servirá de base para a segunda fase: uma planta industrial de grande escala, orçada entre R$ 4 bilhões e R$ 5 bilhões. 

“Na primeira etapa teremos 250 trabalhadores na construção e 100 na operação. Na segunda, poderemos chegar a 800 operadores diretos”, afirma o executivo. “Nosso foco é provar a viabilidade técnica e ambiental para, depois, escalar.”

Um dos objetivos da planta demonstração é ajudar a meta da Hydro de se tornar uma empresa resíduo zero até 2050. Para Eduardo Figueiredo, vice-presidente de sustentabilidade da mineradora, a solução da New Wave irá impactar positivamente o mercado por ter um baixo custo e alta eficiência.

“Eles preenchem esse grande gargalo que é o uso econômico desse resíduo, já com uma planta de 50 mil toneladas. Não adianta criar uma solução se ela não tiver uma finalidade econômica”, diz.

Entre os investidores da New Wave está a Lorinvest, da família Lorentzen, também de origem norueguesa, responsável pela Aracruz Celulose, pioneira do setor no Brasil. 

“É uma empresa com potencial incrível, que tem a alma que a Lorinvest busca, com um espírito de inovação similar ao da Aracruz”, diz Peter Boot, CEO da Lorinvest que foi CFO da New Steel, a empresa anterior de Gustavo Emina.

Capital intensivo

Em abril deste ano, a New Wave levantou R$ 700 milhões. O capital angariado tem como destino o desenvolvimento de tecnologias proprietárias e equipamentos industriais que poderão ser licenciados a grandes mineradoras. 

Assim, o núcleo de receita da New Wave se daria por meio de royalties. A ideia é adotar um modelo “asset light”, em que a empresa foca na inovação e no licenciamento da tecnologia, enquanto os clientes financiam e operam as plantas. 

“É uma indústria de capital intensivo. Ao licenciar nossa tecnologia, conseguimos crescer mais rápido e permitir que outras empresas se tornem resíduo zero”, diz Emina.

Em Barcarena, a empresa aposta na integração com a economia local. Parte significativa da mão de obra e dos fornecedores será contratada na região. “Temos um plano de integração com as comunidades, priorizando fornecedores locais e incentivando empresários e prestadores de serviço da região”, afirma Emina. “Queremos que esse projeto seja também um vetor de desenvolvimento econômico.”

A operação, porém, não é simples. O fornecimento do carvão vegetal, usado como insumo no processo de ferro verde, exige fornecedores especializados e com rastreabilidade. “Não é qualquer carvão que utilizamos”, explica o CEO. “Há um trabalho de desenvolvimento de parceiros e certificações para garantir a sustentabilidade de ponta a ponta.”

Ao mesmo tempo, a New Wave já trabalha em outras frentes de inovação. Uma delas é a Wave Lithium, voltada à recuperação de lítio, insumo estratégico da transição energética. “O lítio será cada vez mais indispensável para a descarbonização global, e o Brasil tem grandes reservas ainda pouco exploradas”, observa Emina.