O clima está entrando cada vez mais na pauta corporativa no Brasil, mas o nível de maturidade das empresas brasileiras em relação ao net zero ainda é baixo, mostra um levantamento que acaba de ser publicado pela Kearney.
A consultoria avaliou os compromissos públicos e as estratégias de 38 das maiores empresas do país, líderes em seus respectivos setores, e concluiu que 53% delas podem ser consideradas ‘iniciantes’ nos seus planos de descarbonização.
Nesse grupo de companhias, a intensidade das emissões diretas de gases de efeito-estufa, medidas por tonelada de carbono por receita, aumentou 6% de 2017 a 2012, segundo a consultoria, na contramão do que é necessário para evitar os piores efeitos do aquecimento global.
“De forma geral, as empresas estão sensibilizadas para o tema, mas há uma diminuição gradativa de adesão às melhores práticas conforme a complexidade aumenta”, aponta Thayza Tabisz, uma das consultoras responsáveis pelo estudo.
Das empresas consultadas, 89% possuem relatório de sustentabilidade. Porém apenas 60% têm metas de redução de emissões de gases de efeito-estufa e só 47% determinaram um ano-meta para atingir o net zero.
Mesmo se tratando das maiores empresas do país, apenas 58% têm registro do seu inventário de carbono de acordo com o GHG Protocol, considerado o padrão-ouro para essa métrica.
Além disso, somente 34% têm compromissos climáticos submetidos à Science Based Targets Iniciative (SBTi), que traz os parâmetros científicos e credibilidade aos compromissos e os alinha à contribuição esperada para o setor no combate às mudanças climáticas.
Para determinar o estágio dos planos de net zero, a Keaney avaliou 70 dimensões transversais a todos os setores. Foram consideradas tanto a ambição das empresas, traduzida por meio de relatórios e compromissos públicos, quanto a operação e a organização, que dizem respeito a implementação, governança e resultados entregues pelos planos de net zero.
Resumimos os achados do estudo em cinco pontos:
1. Setores intensivos na frente
As sete empresas que foram consideradas “líderes” – com pontuação acima de 65 de um total de 100 em todas as dimensões – se concentram em setores com perfil intensivo em emissões, como química e petroquímica, siderurgia e papel e celulose.
Nesse grupo, a intensidade de emissões caiu 10% de 2017 a 2021.
“Esses setores têm mais urgência, seja por pressão da sociedade, dos investidores ou regulação de mercado. Então eles acabam sendo mais compelidos a agir”, afirma Gianluca Marchi, consultor que também conduziu o estudo.
Mas ainda há setores muito intensivos, como o de fabricação de cimento, fertilizantes e de mineração e logística de transporte que estão num estágio mais incipiente – mostrando que precisam ir além nos seus planos.
A Kearney avaliou 13 setores que são os contemplados pela Política Nacional de Mudança do Clima (PNMC), de 2009. Além dos já citados, eles incluem: distribuição de combustíveis, companhias aéreas, agropecuária, geração e distribuição de energia elétrica, cosméticos e fármacos e montadoras.
Para o estudo, foram selecionadas duas ou três das maiores empresas de cada um desses segmentos em termos de receita, incluindo tanto companhias de capital aberto quanto de capital fechado.
2. Cuidado com o greenwashing
O levantamento encontrou ainda quatro empresas (ou 11% do total) que considerou “executoras”, isto é, que estão implementando estratégias de descarbonização, mas ainda pecam na transparência das iniciativas ou em determinar metas.
“Em geral também são empresas de indústria pesada, que estão fazendo isso muito por uma questão competitiva, mas não são tão agressivas na comunicação”, aponta Marchi.
Mas o mais comum é o caminho contrário, de companhias que tiveram pontuação alta no quesito de ambição, mas que deixam a desejar quando se trata das estratégias para implementá-las.
Elas representam 18% da amostra e foram chamadas de “aliadas” – um nome que pode parecer bonito, mas esconde um grande risco reputacional.
“Essas empresas têm focado em transparência e comunicação, mas devem avançar em suas operações para reduzirem riscos de acusação de greenwashing”, aponta a consultoria no material de apresentação do estudo.
3. Pressão de bancos e investidores
A Kearney avaliou também qual a principal motivação das empresas para se descarbonizar e utilizar compensações de emissões.
Em primeiro lugar, apareceu a facilitação de acesso a investimentos. Quase todas as empresas consideradas líderes em net zero pela Kearney e aquelas que estão pontuando bem no quesito de execução tiveram acesso a algum tipo de investimento ou financiamento “verde”.
Outro ponto importante é o fortalecimento da marca, o que vale tanto para negócios B2C, que vendem diretamente para o cliente final, quanto para os B2B, que vendem para outras empresas.
O acesso a mercados externos também é um dos motivadores. “Com as regulações ambientais e de carbono cada vez mais apertadas fora do país, especialmente na Europa, essa virou uma questão primordial na agenda de comércio internacional”, afirma Marchi.
4. Estratégias vencedoras
A consultoria mapeou também quais as estratégias de descarbonização mais utilizadas pelas maiores companhias do país.
O aumento da eficiência energética apareceu para todos os perfis de empresas – mesmo as iniciantes. “É o win-win: uma estratégia que reduz emissões e traz uma redução de custo objetiva para a empresa já no curto prazo”, diz Marchi.
Já as líderes vão além e olham a revisão de seus principais processos para cortar as emissões diretas, com a troca para matérias-primas mais limpas, por exemplo. Outro diferencial aqui é o olhar para o escopo 3, que envolve a cadeia de valor, do fornecedor ao uso dos produtos.
“Isso pode incluir tanto o redesenho de produtos e serviços para alternativas mais sustentáveis, quanto a gestão de fornecedores de matérias-primas por métricas ESG, que é um das principais demandas que recebemos dos clientes aqui na Kearney”, diz o consultor.
5. Estratégias de compensação
Mais do que reduzir as emissões, muitas empresas têm buscado compensá-las de alguma forma – e o estudo da Kearney mostra um perfil interessante nas estratégias de offset.
As empresas “aliadas”, que mostram muita ambição publicamente, mas ainda têm poucos processos para implementá-las, são as mais agressivas no uso de créditos de carbono. Cerca de 70% delas compra créditos diretamente no mercado, sem estratégias mais focadas e um contato mais próximo com os desenvolvedores do projeto.
Entre as líderes, 86% optam pelos projetos chamados “nature-based”, de soluções baseadas na natureza, que podem envolver tanto conservação, quanto reflorestamento. A principal diferença é um contato mais próximo com os projetos.
“Eles usam uma abordagem que pode variar, indo desde parceiras e joint ventures a contratos de offtake [compra antecipada]”, diz Marchi.