A Citrosuco é responsável por 20% do suco de laranja consumido no mundo, mas boa parte de seu recém-certificado plano de descarbonização está em alto-mar, não nos pomares.
O compromisso é reduzir em 28% as emissões de gases de efeito estufa decorrentes da atividade direta e da energia adquirida (escopos 1 e 2, respectivamente) e em 14% as da cadeia de valor (escopo 3). O prazo é 2030.
Um dos principais esforços envolve a frota de cinco cargueiros próprios.
Uma logística afinada é essencial para o negócio da Citrosuco, que exporta 95% de sua produção e faturou US$ 1 bilhão só no primeiro trimestre deste ano.
Não é uma missão trivial. O transporte marítimo, que movimenta mais de 90% do comércio internacional e responde por cerca de 3% das emissões globais de gás carbônico, é um dos setores mais desafiadores quando se fala em descarbonização.
“Não somos nós que vamos encontrar essas soluções, somos muito mais followers”, diz Lara Francischetto, gerente-geral de ESG da empresa. “Há muitas tentativas e possibilidades em estudo, mas no longo prazo.”
Grandes transportadoras e estaleiros estão desenvolvendo novas embarcações movidas a combustíveis renováveis, mas a tecnologia ainda está na primeira infância: a gigante dinamarquesa Maersk recebeu seu primeiro cargueiro “verde” há apenas um mês.
O que está ao alcance hoje são medidas de eficiência. O controle de velocidade nas rotas permitiu uma redução de 8% nas emissões de um dos navios, afirma Francischetto.
Não se trata apenas de segurar o acelerador. Numa cadeia em que quase não há estoque, o trabalho envolve uma complexa coordenação logística dos “maestros do supply chain” para que seja mantida a “cadência” ideal, diz a executiva.
A renovação da frota também deve contribuir. A Citrosuco adquiriu um novo navio em 2017, e nas futuras substituições terão prioridade embarcações menos poluentes – ou possivelmente movidas a combustíveis renováveis, dependendo do avanço da tecnologia.
Metas baseadas na ciência
A trajetória de cortes de emissões de gases de efeito estufa da companhia recebeu em junho a aprovação da iniciativa Science Based Targets.
A chancela se baseia na melhor ciência disponível e é considerada o padrão-ouro para as estratégias corporativas de descarbonização. A Citrosuco é a primeira empresa do setor de cítricos a obter a validação, e a segunda do agro brasileiro (a outra é a Marfrig).
A logística em alto-mar responde por cerca de metade das emissões diretas da empresa. A outra ocorre em terra firme e divide-se entre os insumos aplicados nas plantações, o combustível queimado pelo maquinário agrícola e pelos caminhões de transporte e as unidades de processamento das frutas.
Como no mar, não existe uma simples virada de chave para reduzir o impacto climático da companhia.
O plano é obter ganhos incrementais em produtividade e eficiência, começando pelas 25 fazendas próprias. A maior contribuição deve vir da digitalização, diz Francischetto.
A colheita das laranjas é manual, mas todo o restante do trabalho é mecanizado. Para otimizar a utilização dos tratores em atividades como poda, por exemplo, a empresa está fazendo testes com sistemas de telemetria.
Todas as fazendas agora têm cobertura de rede celular, o que permite monitoramento em tempo real tanto do maquinário quanto de informações registradas pelos funcionários em smartphones.
“Medimos quanto tempo o trator ficou parado, quanto demorou para abastecer, andou mais ou menos rápido e como isso afeta o consumo de diesel e assim por diante.”
Sistemas ainda mais sofisticados, com imagens captadas por drones e analisadas por software de inteligência artificial, indicam os pontos exatos dos laranjais que precisam de aplicação de defensivos.
A tecnologia foi desenvolvida pela startup israelense See Tree, que recebeu investimento da Citrosuco (a companhia não revela o valor).
Além de reduzir as emissões decorrentes do uso de insumos, a precisão da tecnologia digital pode ter impacto indireto na queima de combustíveis no campo.
Envolvendo os fornecedores
A ideia é que o aprendizado na operação própria possa ser transmitido aos fornecedores de frutas, onde está a maior porção das emissões indiretas da empresa.
Convencer os produtores, especialmente os de menor porte, é um obstáculo costumeiro nas cadeias do agro. Francischetto afirma que o programa de certificação socioambiental iniciado em 2016 ajudou.
Quase 70% das frutas processadas pela Citrosuco contam com algum selo de qualidade internacional, diz a executiva. “Como somos uma indústria de exportação, o produtor já está envolvido com sustentabilidade”, diz Francischetto.
Por meio de um programa chamado Trilhar, a companhia apoia os agricultores na preparação para obtenção do selo da concedido pela Sustainable Agriculture Initiative (SAI). A entidade sem fins lucrativos foi fundada por companhias como Danone e Unilever e é responsável por uma das certificações de referência do setor de alimentos e bebidas.
A ideia é estender esse modelo de apoio técnico para o tema carbono, seja de forma direta (para as grandes fazendas) ou por meio de cooperativas.
Cerca de 1.000 fazendas vendem para a Citrosuco a cada safra, mas 50% do volume de frutas vem de 200 delas. A expectativa é que essa concentração aumente, por questões como altos custos de operação e o impacto do greening, principal doença que ameaça a citricultura.
Pelo menos por enquanto, o consumidor europeu ou americano não vai pagar mais por um suco de laranja de baixo carbono, diz Francischetto.
Dito de outra maneira, o custo da adaptação recai sobre os produtores, sejam eles independentes ou grandes empresas como a Citrosuco. Mas ignorar a transformação do mercado não é uma opção, afirma a executiva. Rastreabilidade e transparência são cada vez mais uma exigência do mercado.
O “crédito” de carbono
As cerca de 400 mil toneladas de CO2 absorvidas naturalmente pelos laranjais seriam suficientes para neutralizar as emissões de escopo 1 e 2 da empresa.
Mas seguir os planos baseados na ciência significa que esse “crédito” não pode ser descontado da contabilidade de gases de efeito estufa da companhia.
“Seria uma saída mais fácil dizer que somos neutros em carbono”, afirma Francischetto. “Mas aí não teríamos o compromisso da descarbonização. E obviamente temos o desafio do escopo 3.”
É por essa razão que a companhia ainda não se comprometeu a atingir o net zero, que envolve também os gases de efeito estufa emitidos da cadeia. “Isso pode vir com o tempo”, diz a executiva.