Em tempos que demandam evolução, ESG oferece trilha para fugir do óbvio e inovar

Empresas que ultrapassarem o mínimo exigido na regulamentação e ações superficiais e se alinharem de fato com a sustentabilidade liderarão o mercado no futuro, escreve Marina Procknor, sócia do Mattos Filho

Em tempos que demandam evolução, ESG oferece trilha para fugir do óbvio e inovar
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Nos últimos anos, três grandes tendências — declínio de recursos naturais, transparência digital e novas expectativas da sociedade — começaram a redefinir a forma como as empresas pensam e fazem negócios. 

A pegada ecológica da humanidade é equivalente a quase 2 planetas Terra. A população global, hoje, consome mais do que a natureza produz, representando um déficit ambiental que vem aumentando nos últimos anos de forma alarmante.

Em contínuo crescimento, a população pode chegar a mais de 9 bilhões de habitantes até 2050. E, apesar do aumento da classe média global, há uma disparidade socioeconômica crescente entre ricos e pobres em quase todos os países. 

Nossos desafios ambientais são inúmeros. As metas do Acordo de Paris visam manter o aquecimento global em até 2ºC (e, se possível, não ultrapassar 1,5ºC) e ambos os cenários trazem graves consequências para o planeta: ondas de calor extremo, derretimento das calotas no Ártico, elevação do nível dos oceanos, espécies e ecossistemas sob ameaça ou em processo de extinção e interferências severas nas produções agrícolas. 

Por conta de tudo isso, a sociedade civil organizada, os consumidores, os funcionários, os investidores e os reguladores aumentaram a sua expectativa sobre as empresas: o que elas produzem, como elas produzem e qual o seu valor e propósito social. 

A era da transparência — e por que não dizer radicalismo digital? — faz com que o comportamento corporativo possa ser rastreado e comunicado globalmente por meio das mídias sociais, que capacitaram consumidores e cidadãos em geral a interagirem e a se envolverem diretamente com as marcas. 

Além disso, são esperadas das companhias ações de impacto positivo e que possam ser medidas e reportadas, caso contrário suas reputações e suas marcas sofrem de forma considerável. O greenwashing não passa mais despercebido. 

Os investidores institucionais, por sua vez, têm um olhar cada vez mais atento sobre fatores ESG antes de tomar decisões de investimento: como as empresas gerenciam questões ambientais e o uso de recursos naturais, seu relacionamento com funcionários, fornecedores, clientes, e quais são as políticas de gestão, remuneração de executivos e controles anticorrupção adotadas. A comunidade empresarial vem respondendo de forma distinta a essas múltiplas pressões. 

A era da integração

Parcela grande dos líderes empresariais ainda continua tratando questões relacionadas à sustentabilidade corporativa como despesas e demandas burocráticas, acreditando que tais exigências podem ser endereçadas por meio de programas padrão de responsabilidade social, muitos deles fora do contexto dos seus negócios. 

Por vezes, não raramente, os departamentos de responsabilidade social são estruturados e mantidos sob a responsabilidade de times de marketing e comunicação, ficando desconectados dos gestores das companhias. É muito pouco.  

Uma outra parcela das organizações entendeu e reconheceu que fatores ESG são uma oportunidade ou necessidade e, de alguma forma, estabeleceram ações de sustentabilidade complementares a negócios já existentes, mas de uma forma incremental, simbólica e não integrada na cadeia produtiva ou na estratégia do negócio. 

São as companhias, por exemplo, que oferecem produtos ‘verdes’ ou socialmente responsáveis por um preço premium, que instalam painéis solares no telhado de fábricas que operam com energia suja ou criam institutos para atuarem em ações filantrópicas envolvendo a marca do negócio. 

Essas chamadas estratégias complementares são importantes e podem ser o primeiro passo na direção certa dos negócios sustentáveis, mas são limitadas e não serão suficientes na mitigação ou eliminação de riscos relacionados a fatores ESG. Os consumidores e investidores também estão aprendendo a enxergar isso. 

A empresa do futuro

Por fim, uma parcela cada vez mais crescente e consciente do empresariado entendeu que integrar práticas de sustentabilidade na estratégia do negócio, em toda a linha de produção e com o apoio da alta gestão, é essencial e uma grande oportunidade para agregar valor para investidores e stakeholders, no curto, médio e longo prazos. 

Para isso, essas empresas passaram ou ainda estão passando por mudanças radicais na sua forma de conduzir negócios. Essas empresas estão aprendendo a usar os desafios globais para garantir rentabilidade, crescimento e sustentabilidade. 

E o segredo para essa virada de chave é a inovação: no design dos produtos, na substituição de matérias-primas, no ajuste dos processos de produção, em toda a cadeia de valor do produto ou serviço, objetivando oferecer soluções inovadoras sem cobrar a mais por isso. 

É claro que cada companhia, em cada indústria, tem seus desafios particulares e de forma modular, mas essas empresas têm em comum a busca pela eliminação das emissões de gases de efeito estufa; a eficiência energética; a melhor gestão de resíduos e a redução da poluição de seus processos produtivos; o aprimoramento das relações de trabalho, com funcionários e fornecedores; o desenvolvimento contínuo de relacionamento com as comunidades nas quais atuam e a implantação de políticas de direitos humanos; inclusão e diversidade; privacidade e proteção de dados, com engajamento de toda a empresa. 

Tudo isso com uma liderança envolvida e remunerando seus executivos também pelas métricas ESG, e não apenas resultados financeiros de curto prazo. 

Há diversos exemplos pelo mundo, inclusive no Brasil, de empresas que reinventaram ou reposicionaram a sua forma de atuação com propósito e valor diferenciados. Essas empresas geram lealdade com consumidores, melhores relações com funcionários e fornecedores, mais eficiência operacional, melhor gestão de riscos, cobertura na mídia, sucesso em vendas e marketing e engajamento com stakeholders. 

É razoável esperar que cada organização tenha a sua própria jornada de evolução nos assuntos de sustentabilidade. A transformação não acontece rapidamente, mas precisa começar. 

Aquelas companhias que conseguirem ultrapassar o mínimo exigido na regulamentação, o óbvio, as ações superficiais, e encontrarem propósito e valores alinhados com a sustentabilidade, liderarão o mercado no futuro com uma grande vantagem competitiva.  

Quando pensamos em inovação, hoje, pensamos quase que instintivamente em novas tecnologias, que democratizam acesso a produtos, meios de pagamento, ativos financeiros. 

Pois bem, no futuro, inovar será tornar o negócio tradicional num negócio verdadeiramente sustentável. Será a possibilidade de uma nova lógica de negócio, que permita que as necessidades do presente sejam atendidas sem que haja comprometimento da capacidade das gerações futuras de atender às suas próprias necessidades. 

* Marina Procknor é sócia do escritório de advocacia Mattos Filho