Como a Natura quer transformar o cultivo do óleo de palma no Pará

Meta da companhia é chegar a 40 mil hectares plantados em conjunto com outras culturas, em sistema agroflorestal

Frutos do dendezeiro, a fonte do óleo de palma
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Belém (PA)* – A Natura quer transformar a cadeia do óleo de palma, um dos principais e mais controversos ingredientes da indústria cosmética, para torná-la mais sustentável – e, no futuro, quem sabe contribuir com suas metas de descarbonização da companhia.

A empresa pretende plantar 40 mil hectares de dendezeiros até 2035 utilizando sistemas agroflorestais, uma alternativa sustentável à monocultura. O foco é o Pará, que concentra 84% de toda a produção nacional.

Quase a totalidade do óleo de palma comprado pela companhia atualmente ainda é produzida no Brasil pelo método convencional. A meta é fazer a substituição completa por insumos cultivados em combinação com outras espécies agrícolas, como frutas e hortaliças.

Os SAF, como também são chamados os sistemas agroflorestais, trazem dois benefícios principais. Um deles tem a ver com a saúde do solo. A monocultura de dendezeiros tende a levar ao esgotamento da terra.

O outro impacto é social. “A mudança acaba dando muito mais retorno para o agricultor, principalmente o familiar, que não fica na dependência só de um único insumo”, diz Mauro Corrêa da Costa, gerente-sênior de suprimentos da Natura.

Um benefício extra é a produtividade. Segundo um levantamento da Embrapa, no SAF foi registrada a marca de 180 kg de cachos por planta, ante 139 kg no sistema de monocultura.

O teor de óleo por cacho também foi maior, chegando a uma média de 24,7% contra 18% a 22% vista no método tradicional.

O desafio é a escala. Hoje, os fornecedores da Natura que operam sistemas agroflorestais ocupam uma área de somente 180 hectares, num projeto desenvolvido há mais de dez anos em parceria com a Cooperativa Agrícola de Tomé-Açu (Camta).

O óleo sustentável que vem dessas plantações é usado somente nos sabonetes em barra Biōme, uma linha premium. O plano de longo prazo é fazer o mesmo com 1,5 milhão de sabonetes fabricados diariamente.

Aceleração

O ciclo produtivo das palmeiras vai de outubro a março. No que está se encerrando no mês que vem, a companhia terá adicionado cerca de  240 hectares de áreas de cultivo sustentável em sua rede de fornecedores. 

Costa afirma que a meta inicial é no mínimo repetir essa área a cada novo ciclo. “Vai chegar o momento em que vamos estar implantando de 1.000 a até 2.000 hectares por ano.”

Para isso, a empresa vai precisar de parceiros capazes de mobilizar os recursos financeiros (mas não só). Estima-se que a implementação de cada hectare de SAF custe algo como 40 mil reais.

A conta é da Belterra Agroflorestas, startup especializada neste negócio e que tem entre seus clientes empresas como Amazon, Cargill e JBS.

No fim do ano passado, a Natura firmou um memorando de entendimento com a Belterra para estudar o estabelecimento de 20 mil hectares de SAF de palma e cacau até 2030. A área cobriria quase metade do compromisso assumido pela empresa.

Valmir Ortega, fundador e CEO da startup, diz que o momento é de avaliação. “Estamos testando a operação em campo, estruturando insumos, mudas, entendendo como operam os prestadores de serviço”, afirma ele.

Este ano, a Belterra pretende implantar SAF em 95 hectares também em Tomé-Açu, cidade a 113 quilômetros de Belém. Já no ano que vem, a ideia é ampliar a área para 1 mil hectares nos arredores. Isso vai depender de financiamento.

Para financiar a operação, Ortega conversa com fundos de investimento e de crédito, além de instituições financeiras como o Banco do Brasil, Banco da Amazônia e Banpará.

Os créditos de carbono gerados com a melhoria do solo e a eventual recuperação de terras degradadas também podem ajudar a compor o modelo financeiro – e também entram na conta de descarbonização da cadeia de valor da Natura.

“Queremos entender o perfil das propriedades que vamos buscar no território, fazendo o geomapeamento de áreas, estudo da estrutura fundiária, para fazer um arranjo”, diz.

Em família

A Natura também assinou um termo de cooperação técnica com a Secretaria de Agricultura Familiar do Pará. O objetivo é fornecer apoio para regularização fundiária e ambiental, acesso a linhas de financiamento e assistência técnica.

Não há um objetivo específico para a participação da agricultura familiar. “Quanto mais, melhor”, diz Costa.

Equipes da companhia têm se reunido com comunidades produtoras desde o fim do ano passado para sondar o interesse. O saldo das conversas é positivo.

“O que a gente percebe é que, se tiver um arranjo [de cultivo] que proporcione a implantação disso, vai ter uma boa aceitação”, afirma.

O cardápio de culturas plantadas em consórcio com os dendezeiros é variado. “Ele pode ter andiroba, pode ter jatobá, pode ter cumaru. Não somos nós da Natura que vamos definir o que o produtor vai plantar”, diz o executivo, que é engenheiro agrônomo de formação.

Obstáculos

Sistemas agroflorestais são muito mencionados como uma solução potencial tanto para a recuperação de áreas degradadas como para garantir condições de vida decentes para populações que vivem em regiões de floresta.

Mas não existe mágica, diz Alberto Keiti Oppata, presidente da Cooperativa Agrícola de Tomé-Açu (Camta).

Ele fala com conhecimento de causa: a Camta foi pioneira mundial na aplicação de SAF em dendezais. 

“O SAF tem um uso intensivo de mão de obra, diferente de [outras culturas como] soja, grãos, gado. O sistema é viável em um esquema de agricultura familiar de pai, mãe, filho, mas exige gente”, afirma.

As propriedades também precisam de um tamanho mínimo para ser rentáveis. A quantidade mínima de hectares plantados necessários para uma renda mensal que vai de 5 a 7 salários mínimos seriam 10 hectares, segundo Oppata.

O problema crônico da comprovação da titularidade da terra na Amazônia e a falta de financiamento para pequenos produtores são dois dos principais obstáculos a vencer, na opinião de Oppata.

Ortega, da Belterra, elenca um terceiro: a falta de know-how dos prestadores de serviço locais.

“Ainda é um território dominado pela pecuária, de mecanização menos intensiva, ou de agricultura de subsistência”, afirma. “Isso cria uma dificuldade no sentido de que os prestadores de serviços de máquinas, de logísticas são pouco desenvolvidos.”

* O repórter viajou a convite da Natura