Natura fecha acordo com credores da Avon e se livra de processos por câncer

Acordo será avaliado pela Justiça americana em audiência marcada para o início de dezembro; expectativa é que juiz aceite

Natura fecha acordo com credores da Avon e se livra de processos por câncer
A A
A A

A Natura &Co chegou a um acordo com o comitê de credores da Avon Products Inc., sua subsidiária, no processo de recuperação judicial da empresa em curso nos Estados Unidos, conhecido como Chapter 11. 

O acordo prevê que a companhia brasileira pagará à massa dos credores da Avon US$ 34 milhões em dinheiro, US$ 4 milhões a mais do que havia oferecido inicialmente, quando sua subsidiária entrou com o pedido de concordata no Tribunal de Delaware, em agosto deste ano. 

As condições do acordo estão sujeitas à aprovação da Justiça, em audiência marcada para os dias 3 e 4 de dezembro. Nela, também está prevista a apreciação da recompra de ativos da Avon Products pela Natura. 

A Avon Products é o guarda-chuva sob o qual estão todas as operações internacionais da marca – menos a dos Estados Unidos, comprada pela sul-coreana LG Household & Health Care, e da América Latina, incorporada pela Natura. A holding foi comprada pela Natura em 2020 e agora está no processo de Chapter 11, como é conhecida a recuperação judicial nos EUA, para resolver sua dívida de US$ 1,3 bilhão e os “passivos legados de talco”. 

O passivo de talco é resultado de um volume crescente de processos movidos por pessoas que alegam ter desenvolvido câncer ao usar produtos da Avon, como cosméticos, que teriam em sua composição talco contaminado por amianto. O amianto é comprovadamente uma substância cancerígena.

A empresa nega a contaminação e deixou de comercializar os produtos com o talco em 2016. 

“Com o acordo, a Natura se livra do passivo do talco e estanca as perdas de caixa derivadas dele”, diz uma analista que cobre as ações da companhia. Segundo ela, a expectativa é que o juiz aceite o acordo, uma vez que os credores o aprovaram.

Esse passivo vinha impactando de forma negativa o balanço da companhia brasileira. No segundo trimestre deste ano, a empresa registrou um consumo de caixa de R$ 153 milhões com “operações descontinuadas”. A equipe de relações com investidores informou a analistas que esse valor era basicamente relacionado a gastos com o passivo de talco, segundo essa analista, que pediu para não ser identificada. 

No terceiro trimestre, a Natura deixou de consolidar os resultados da Avon Products no seu balanço, em função do Chapter 11. Uma vez sob as regras de concordata americana,  a subsidiária passa a ser controlada pela corte americana, saindo debaixo da aba da Natura&Co. 

Similar ao processo de concordata brasileiro, o Chapter 11 é usado para suspender a execução de dívidas e permitir que a empresa proponha um plano de reestruturação financeira aos credores, mediado pela Justiça, que passa a controlar e fiscalizar a empresa durante o período. 

Maior credora

No fato relevante divulgado nesta quarta-feira (27) em que anunciou o acordo, a Natura também informou que concordou em renunciar a “todos os seus créditos” da Avon. Isso porque ela é a maior credora da subsidiária, que deve US$ 530 milhões à brasileira. 

“Já era esperado que a Natura não fosse receber nada desse valor”, diz a analista. 

Na prática, isso quer dizer que todo o dinheiro dos US$ 34 milhões do acordo será distribuído para os demais credores, basicamente os reclamantes do talco. 

A receita da venda dos ativos da Avon International, quase 40 operações espalhadas pelo mundo que estão sob a holding Avon Products, não tem nenhum efeito prático para esses credores. Isso porque a Natura fez uma oferta de US$ 125 milhões pelos ativos, mas esse valor será abatido da dívida que a subsidiária tem com ela. Ou seja, não envolte desembolso de dinheiro novo, apenas um ajuste de créditos entre as duas companhias. 

Os ativos foram colocados à venda em leilão supervisionado pela Justiça americana. O certame estava marcado para terça-feira da semana passada, dia 19, mas como a única oferta feita foi da Natura, ele foi cancelado e a brasileira declarada como vencedora. 

Se o juiz do Chapter 11 aceitar o negócio, a Natura reincorpora essas operações, mas sem os credores do passivo do talco, que ficam sob o processo da recuperação judicial.

“Esse ponto marca outro passo em direção à resolução do caso do Capítulo 11 da API [Avon Products Inc.], que foi acelerado em nossa visão”, afirmaram os analistas do Bradesco BBI Pedro Pinto, João Andrade e Lorenzo Marques, em relatório.

O acordo foi avaliado como positivo da perspectiva dos investidores, pois alivia o balanço da empresa. As ações da Natura subiram 3% ontem, quando o Ibovespa fechou com queda de 1,73%. 

E os novos reclamantes? 

Os dois casos em que a Avon foi condenada até agora foram abertos por consumidoras que desenvolveram mesotelioma, um câncer especificamente relacionado à exposição ao amianto, que atinge o mesotélio, membrana do interior das paredes torácica e abdominal. 

Em uma ação, a Avon foi condenada a pagar indenização de US$ 46,3 milhões, e na outra,  US$ 24,5 milhões. A companhia está recorrendo de ambas as decisões. 

Mas, quando entrou com o Chapter 11, a companhia ainda estava vendo crescer o número de casos. Até o fim de junho, havia 429 processos individuais contra a Avon relacionados ao talco. Eventuais novos reclamantes se tornariam credores caso obtenham sentenças favoráveis e indenizações a receber. 

Neste caso, os valores a receber serão transformados em créditos a serem pagos dentro do plano de recuperação judicial, segundo um advogado especializado nesses casos. Esse plano ainda será apresentado e nele estará contido como cada credor receberá o que lhe é devido.