A Natura adiou seu net zero – para seguir a ciência

Foco será em reduções efetivas de emissões, em vez de compensações com créditos de carbono; plano recebeu carimbo SBTi

O novo plano net zero da Natura recebeu o selo do SBTi e envolve cortes efetivos de emissões, principalmente na cadeia de fornecimento
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O primeiro plano da Natura para zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa de todas as suas cadeias de valor previa o net zero já em 2030 – e incluía a compra de uma quantidade considerável de créditos de carbono.

Neste ano, em meio a uma reformulação profunda dos negócios, a estratégia e os prazos do seu plano de descarbonização também foram revistos. Agora à luz da ciência.

Em vez de fazer a compensação do impacto climático de seus fornecedores e clientes, de longe a maior parcela das emissões associadas à empresa, a Natura se comprometeu a efetivamente reduzir o lançamento de CO2 na atmosfera.

Trata-se de uma transformação enorme, que vai da extração da matéria-prima em comunidades na Amazônia até o descarte das embalagens pelo consumidor final.

O novo compromisso é diminuir em 42%, até o fim da década, essas emissões que acontecem além das portas da empresa, o chamado escopo 3.

A parcela restante continuará sendo neutralizada com a compra de créditos de carbono, metade dos quais gerados em áreas da floresta amazônica que abrigam alguma das 42 comunidades que hoje têm relacionamento com a companhia.

A partir de 2030, começa a “segunda onda” de descarbonização, como diz Angela Pinhati, diretora de sustentabilidade da Natura &Co para a América Latina. “O objetivo é ir o mais longe possível e fazer o offset [com créditos] de 10% no máximo, como diz a regra do SBTi.”

A sigla indica a iniciativa Science Based Targets, considerada o padrão-ouro para os compromissos corporativos de descarbonização. A entidade parte de dois princípios básicos.

O primeiro é a necessidade de concentrar todos os esforços no corte de emissões, deixando as compensações com créditos só para as atividades em que mudanças não são tecnicamente possíveis.

O segundo é garantir que os planos estejam em linha com o que o mundo precisa fazer para limitar o aquecimento global a 1,5°C. Só assim, dizem os cientistas, poderemos evitar consequências ainda mais graves da mudança climática.

O plano da Natura foi aprovado pela entidade em abril deste ano. Outras empresas, como Votorantim Cimentos, Marfrig e Citrosuco, também já receberam o selo.

Além das reduções no escopo 3, a companhia se comprometeu a zerar as emissões líquidas de suas operações próprias (escopo 1) e também as da energia que utiliza (escopo 2), respeitando o limite de 10% de compensações.

Entrando e saindo

Mas o maior desafio está na cadeia de valor, que representa 96% do impacto climático da Natura. Pinhati se refere ao escopo 3 inbound, que envolve toda a vida dos insumos até a chegada às fábricas da empresa, e ao outbound, que inclui os centros de distribuição, as consultoras, o consumo e o descarte.

No primeiro caso, a companhia já tinha o mapeamento do carbono embutido em todos os produtos Natura e vinha trabalhando com materiais reciclados pós-consumo em embalagens, por exemplo.

O esforço era hercúleo, mas o resultado nas medições de CO2 era apenas “ok”, diz Pinhati. “Não era ‘uau’.” 

A companhia entendeu que, para mover os ponteiros, seria necessário trabalhar mais perto dos fornecedores. 

Ela menciona uma empresa que produz frascos de vidros. Depois da troca do combustível usado nas fornalhas, a pegada de carbono da linha de perfumes desabou, segundo a executiva.

Depois de uma experiência semelhante com um fabricante de bisnagas de alumínio, a companhia decidiu listar os dez fornecedores com maior impacto climático para se aproximar deles individualmente.

Um dos pontos centrais da conversa é deixar claro que as decisões de compra cada vez mais serão orientadas também por critérios ambientais, como emissões de gases de efeito estufa.

Unindo a indústria

Essas reduções acabam se estendendo também para a Avon, pois há sobreposição de fornecedores. Mas Pinhati diz que, para acelerar as coisas, uma possibilidade seria reunir uma espécie de consórcio de empresas.

“O nosso desafio é parecido com o da Unilever, da L’Oréal, do Boticário… Mesmo que sejam meus concorrentes, será que a gente não deveria pensar em ações conjuntas? Essa é uma agenda em que não vamos ganhar sozinhos.”

O transporte terrestre é outra frente importante de mitigação das emissões para uma empresa com um modelo de distribuição descentralizado como o da Natura.

A companhia criou um programa batizado Race to Net Zero para dialogar com as transportadoras que entregam os produtos na casa das consultoras.

Parte do esforço é tentar influenciar as políticas públicas. “Tenho alguns caminhões movidos a biometano fazendo o circuito Cajamar-São Paulo-Cabreúva-Itupeva”, diz Pinhati, mencionando cidades próximas da capital paulista. “Mas, saindo dessa área, não tenho mais onde abastecer.”

Vegetalizando

Hoje, mais de 95% dos insumos usados nos produtos da Natura já têm origem vegetal, e a meta é aumentar ainda mais essa porcentagem. Mas isso não significa necessariamente um impacto positivo no clima.

Um exemplo disso é o óleo de dendê (ou de palma), uma das culturas mais associadas ao desmatamento ao redor do mundo. Existem alternativas, mas ainda nenhuma que garanta os volumes, o preço e as características específicas buscadas pela indústria de cosméticos.

Como o insumo é crítico, Pinhati diz que a companhia está implantando sistemas agroflorestais em que os dendezeiros são integrados à floresta.

Um projeto na cooperativa CAMTA, no município paraense de Tomé-Açu, tem hoje 164 hectares plantados, e deve chegar a 500 até março do ano que vem. O objetivo é alcançar 40 mil hectares.

“Vou garantir não só o abastecimento de um óleo de dendê regenerativo e de baixo CO2 como também a geração de créditos de carbono, porque parto de pastagens ou pomares abandonados.”

A venda das marcas Aesop, anunciada em abril, e The Body Shop, nesta semana, não significa que o trabalho seja menos complicado, diz a executiva.

Mas uma das vantagens, especialmente no que diz respeito às emissões diretas, é que boa parte da fabricação ficará no Brasil, onde há ampla oferta de eletricidade limpa e a companhia já vinha atuando na redução de sua pegada própria de CO2.

Pinhati, que passou oito anos na área de manufatura, diz que o plano inclui otimizar as fábricas – “o que é produzido onde” – e também os centros de distribuição.

Quanto ao uso de energias limpas, a empresa já tem experiência com caldeiras a etanol (no interior de São Paulo) e movidas a biomassa (no Pará). A substituição das que operam com gás natural é relativamente simples, diz a executiva.