Com IPO na mesa, Aegea enfrenta ‘ultramaratona’ do saneamento 

CEO Radamés Casseb diz que companhia deve fortalecer atuação em Estados onde já está presente

Com IPO na mesa, Aegea enfrenta ‘ultramaratona’ do saneamento 
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Saneamento básico no Brasil é uma “ultramaratona”, diz Radamés Casseb, CEO da Aegea Saneamento, segunda maior empresa do setor no país. Os investimentos de longo prazo, com retornos que podem levar mais de 15 anos para chegar, exigem cada vez mais resiliência no planejamento, atendimento e transformação, segundo o executivo. 

A Aegea se prepara para estar presente em mais de 766 cidades de 15 Estados, de Norte a Sul do Brasil, e passar dos atuais 31 milhões de consumidores para quase 34 milhões. O número vai subir porque a companhia venceu a disputa de concessão dos serviços de água e esgoto em todos os 224 municípios do Piauí – estão previstos investimentos de R$ 8,5 bilhões ao longo do contrato de 35 anos. 

A empresa causou surpresa ao não participar da disputa pela Sabesp, em junho. A escolha foi por se posicionar para reforçar a presença nas regiões em que já está presente. Além de prever a captação no mercado de capitais, por meio de novas emissões de dívidas, Casseb afirma que uma oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) sairá “mais cedo do que tarde”. 

A movimentação é vista com bons olhos pela Itaúsa, que possui 13% do capital da companhia, segundo declaração recente do CEO da Itaúsa, Alfredo Setúbal. A Equipav detém 53% e a GIC, 34%. 

Casseb falou ao Reset na semana passada, na sede da companhia, em São Paulo. O acreano assumiu a liderança da Aegea em 2020, após oito anos como diretor de operações na empresa e mais de uma década de atuação com infraestrutura.

À reportagem, o executivo contou também as expectativas de novos investimentos e como as mudanças climáticas integram o planejamento da companhia, que depende de água perene em nível nacional.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

A Aegea nasceu em 2010 e, dez anos depois, foi aprovado o Marco do Saneamento. O que mudou no setor de saneamento?

Foi em meio à pandemia que se deu a discussão de resolver o déficit sanitário no Brasil, onde 100 milhões de pessoas não têm acesso a esgotamento sanitário e 40 milhões ainda não têm acesso a água potável.

Quando o Congresso aprovou o marco, colocou um horizonte para que arranjos públicos, operacionais, de regulação e de companhias como a nossa fossem resolvidos até 2033.

Regimes de concessão começaram a sair e tínhamos um modelo de operações bem definido à disposição, o que fez com que ganhássemos alguns projetos relevantes, como a parceria público-privada no Ceará, duas concessões no Rio de Janeiro e a compra da Corsan, no Rio Grande do Sul, a primeira privatização do setor no país. 

O ecossistema financeiro, que até então mantinha distância pela regulação incipiente, passou a tomar conhecimento do setor e a se aproximar.

Hoje, setorialmente, eu diria que estamos em uma jornada que está a 30% do necessário para a universalização até 2033. 

E com esse objetivo em mente, qual tem sido o foco da Aegea?

Olhamos estrategicamente para as oportunidades que vêm pela frente, mas estamos bastante concentrados no amadurecimento do portfólio atual, focados na aplicação do modelo, reforço das equipes e no momento de turnaround dos projetos jovens. 

Agora, com a concessão que vencemos no Piauí, vamos operar em 766 municípios, com cerca de 34 milhões de pessoas. Cada lugar desses é um Brasil diferente. São muitos Brasis. 

No Piauí, nós já operamos em Teresina e vemos uma população ansiosa pela disponibilidade de água em um Estado muito afetado pelas mudanças climáticas. Agora, vamos para o interior piauiense, e essa inclusão de áreas rurais no atendimento é um tema super novo. Normalmente, as concessões olham prioritariamente o perímetro urbano, mas o governo do Estado e o BNDES modelaram a concessão para um atendimento mais amplo.

Teremos um desafio adicional que é solucionar o abastecimento de água e a coleta e tratamento de esgoto também para essa população rural. Em algumas de nossas operações, já avançamos o limite da área urbana, então nos sentimos capacitados.

Esse ponto das mudanças climáticas é interessante. A Aegea tem presença nacional e, pela característica do negócio, é bastante vulnerável ao clima. Como vocês incluem riscos climáticos, como a atual seca, em seus projetos?

Assim como em boa parte dos negócios de infraestrutura concessionados, nós olhamos décadas à frente. São projetos de 30 ou 35 anos, e cada um deles nasce com planos de contingência de curto a longo prazo, levando em conta projeções para o crescimento da população e a qualidade dos rios. Nós fazemos reflorestamento de mata ciliar em torno das fontes e desassoreamos rios, por exemplo, para que se tenha água disponível e perene.

Gradativamente, acompanhamos a mudança da temperatura, os períodos de cada fênomeno e os efeitos efetivos em cada região. Quando começamos a operação no Mato Grosso [em 2012], por exemplo, a época da estiagem era de 15 dias entre agosto e setembro. Nos últimos três anos, ela foi de quase 60 dias. 

E isso estava previsto?

Não, não estava. A preocupação ambiental sempre esteve presente, mas gradativamente a natureza foi dando sinais de que o assoreamento dos rios exigiria uma nova medida ou o período de estiagem exigiria um aumento da reserva de água.

No Mato Grosso, nós reinvestimos no aumento de reserva de água para garantir que a companhia teria capacidade de distribuição mesmo durante a estiagem. Em outras regiões, criamos reservas de água bruta [não tratada]. Já no Rio de Janeiro, estamos começando um piloto de dessalinização para lidar com a contingência na região de Maricá. 

Para cada lugar, temos desenvolvido ações de mitigação e percebemos que, quando uma das cidades dava um sinal [de impacto das mudanças climáticas], isso alimentava o planejamento de todas as outras cidades e novos estudos. Aos poucos, fomos incorporando estratégias que hoje são constantes no planejamento. 

Em Manaus, por exemplo, ao longo dos últimos sete anos, nós encontramos uma oscilação na bacia dos rios, especialmente no Rio Negro. Montamos novos sistemas de adução, em uma estrutura que nos permitiu buscar essa água em um nível mais baixo. A população não sentiu impacto algum, mas graças a planejamento e antecedência de investimentos.

Como o setor de saneamento privatizado é novo quando comparado com o de distribuição de energia ou de rodovias, ele ainda consegue incorporar a discussão sobre os efeitos de uma crise generalizada, como a do Rio Grande do Sul, nos novos editais e modelagens, de modo a não afetar nossas operações com a mesma grandeza com que acontece em outros setores. Sem dúvidas, a solução é que a nova infraestrutura desenhada para determinada cidade tenha que respeitar quesitos ambientais com desafios diferentes do que existiam antes. Mas, de novo, por serem projetos jovens, eles já nascem sob um novo olhar. 

No balanço financeiro mais recente, do terceiro trimestre de 2024, a Aegea mostrou que investiu R$ 6,1 bilhões nos últimos doze meses, sendo R$ 5 bilhões em despesas de capital e R$ 1 bilhão em outorgas. Em que esse dinheiro foi concentrado?

A ampliação da rede de esgotamento sanitário recebeu 70% desses investimentos, com distribuição homogênea em todos os projetos. Até 2033, estamos na grande maratona para universalizar o saneamento nos nossos contratos em Rondônia, Amazonas, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Piauí, Ceará, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e nos demais Estados em que estamos. 

Os outros 30% estão em melhorias da disponibilidade da água, inclusive em programas para reduzir perda de água, criar planos de contingência e manter os ativos. 

No próximo ano, existem expectativas para novos leilões no Pará, em Pernambuco e em Porto Alegre. Como a Aegea está se posicionando para esses projetos?

Esses são para o primeiro semestre. Nós também estamos esperando que a ampliação de projetos em Goiás, Minas Gerais, Ceará e Santa Catarina venham entre final de 2025 e início de 2026.

Buscamos estudar todos eles, e cada um é um aprendizado sobre o objetivo do regulador ou a prioridade de cada Estado. Já a decisão por quais projetos vamos competir tem muito a ver com a matriz de risco do momento e a disciplina de capital para que façamos o investimento garantindo a sustentabilidade financeira. Com esse olhar, prioritariamente, vamos fortalecer os locais em que já atuamos, como estamos fazendo no Piauí. 

O olhar sobre saneamento, que ainda é um desafio enorme, requer disciplina. Estamos falando de uma ultramaratona, com investimentos de infraestrutura que normalmente têm retorno em 16 ou 18 anos. Esses projetos exigem cada vez mais resiliência do ponto de vista de planejamento, atendimento e transformação, principalmente na ampliação do acesso à coleta e ao tratamento de esgoto nas cidades. Está todo mundo de olho em ligar a próxima casa [à rede de tratamento] o mais cedo possível.

Era esperado que vocês entrassem na disputa pela privatização da Sabesp, mas isso não ocorreu. Como essa decisão mudou a rota de vocês?

Como eu disse, nós vamos estudar tudo, e Sabesp estava nesse bojo. Para nós, a Sabesp era um projeto diferente dos que tínhamos concorrido e com características muito particulares. Era uma companhia super competente do ponto de vista operacional, com estrutura de capital resolvida, capital aberto, governança bem reconhecida, que estava procurando um sócio de referência para poder apoiar na jornada de universalização. 

Esse é um modelo diferente do que vimos fazendo ao longo dos últimos 14 anos. Normalmente, entramos em um projeto para cuidar do ciclo integral ou parcial da água. Então nos questionamos sobre o que poderíamos agregar em uma ou outra área. 

Ao final, a matriz de risco do nosso processo de decisão apontou para que continuássemos focando em projetos nas áreas de fortalecimento de clusters [áreas onde já atua].  Foi um bom momento para estudar esse tipo de negócio, mas ele não mudou a rota da companhia.

Então, apesar do tamanho da Sabesp, a conclusão foi de que não valia a pena?

Dada a alocação de capital versus as oportunidades que vêm ao mercado, a decisão foi: vamos continuar nesse momento focados nessa trilha, nesse modelo [de fortalecimento].

Qual o tamanho dos novos investimentos previstos e onde vocês devem buscar esse dinheiro? No último trimestre, foram seis captações que somam R$ 3,4 bilhões, e parte dos títulos foram a mercado como blue bonds.

Não costumamos dar guideline a respeito de investimentos, mas é um bom exercício imaginar que os próximos anos vão ter uma grandeza de alocação próxima a dos últimos 12 meses para essa carteira de projetos, de forma que isso garanta que nossa alavancagem [que está em 3,7x, considerando operações consolidadas e não consolidadas] continue sendo reduzida. 

A dinâmica de ganhar projetos e continuar desalavancando tem a ver com estudar bem, escolher o perfil de projetos que necessitem, numa curva de demanda de capital, um perfil mais alongado.

Sem dúvidas, continuaremos priorizando o mercado de capitais, com emissão de bonds e debêntures. Dentro e fora do país.

O Brasil foi o país onde mais blue bonds corporativos foram emitidos, segundo a Fitch. Vocês têm percebido uma maior demanda de investidores estrangeiros por esses papéis?

A discussão sobre descarbonização e a chegada da COP30 no Brasil têm atraído um olhar de sustentabilidade do capital estrangeiro sobre o país. Nós temos sido demandados em algumas reuniões e, apesar de isso não ter sido traduzido em spread ainda, há muito interesse de fontes novas olhando para o setor, com fundos e casas de investimentos que não estão no dia a dia do Brasil. 

Então, ainda não vimos redução no custo do dinheiro, mas vimos alguns bolsos novos, de novos investidores com um viés ambiental.

Dada essa necessidade de capital, o IPO está em vista? O CEO da Itaúsa, Alfredo Setúbal, disse recentemente que vê essa opção com bons olhos.

O tema do IPO sempre esteve na mesa. Ele sempre esteve dentro do processo da governança, em aspectos de discussão sobre quais são os requisitos e onde essa nova fonte de capital disponível, aberta, poderá cumprir o seu efeito.

A companhia vem crescendo e ganhando projetos, e vem se preparando para essa nova jornada de crescimento. Eu diria que caminhamos para essa decisão mais cedo do que mais tarde [diferentemente do que já foi em outros momentos]. Esse seria mais um passo estratégico na jornada de estrutura de capital.