OPINIÃO

Para enfrentar a transição climática, adaptação e alegria

As principais ideias do TED Countdown sobre como podemos lidar com a emergência planetária – sem perder a ternura

Para enfrentar a transição climática, adaptação e alegria
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Em tempos de emergência climática, a humanidade começa a fazer o que sempre fez: exercer ao máximo sua capacidade de adaptação. Foi esta a principal mensagem que ficou das 21 falas e dezenas de workshops simultâneos que aconteceram no TED Countdown, em Bruxelas, a sede do Parlamento Europeu.

Convenientemente situada a duas horas de trem de Londres, Amsterdã ou Paris, a capital belga recebeu cerca de 200 participantes, majoritariamente europeus. Estivemos lá representando o Brasil na discussão. Deixamos aqui alguns aprendizados dos dias do evento, realizado no The EGG, um espaço de eventos no elegante bairro de St Gilles. 

1. Mobilização social e a importância do apoio coletivo na transição climática

Dana Fisher, socióloga americana e autodenominada “apocalyptic optimist” (otimista apocalíptica), destacou que os “choques climáticos” – eventos de impacto como inundações e tempestades – tendem a estimular a mobilização das pessoas.

A recente tragédia em Valência, Espanha, que causou mais de 200 mortes, ilustra como desastres ambientais podem motivar a participação em manifestações climáticas. Fisher compartilhou pesquisas mostrando que, quando ativistas sofrem agressões, o apoio público aumenta, como ocorreu com o caso de George Floyd nos EUA, que impulsionou o movimento Black Lives Matter.

A socióloga enfatizou que “ninguém precisa ser ativista”, mas o apoio é crucial, especialmente diante de um contexto em que, apenas no ano passado, 196 defensores ambientais foram assassinados globalmente – um recorde.

2. Prevenção contra a desinformação

Vidhya Ramalingam, fundadora da Moonshot, uma organização que mapeia a atuação online de grupos extremistas, destacou a estratégia de “prebunking” desenvolvida em colaboração com o Google. Essa abordagem preventiva educa o público sobre técnicas de manipulação e falácias antes que desinformações comecem a circular.

Em vez de reagir à informação falsa após sua disseminação, o prebunking ajuda as pessoas na identificar e resistir a conteúdos manipuladores. A Moonshot também investiga como o desconforto com certas informações pode aumentar a resiliência contra esse tipo de mensagem.

Paralelamente, o neurocientista Kris de Meyers questionou a visão comum de que a conscientização precede a ação. Em vez disso, ele sugere que as atitudes e ações práticas moldam as crenças. De Meyers defende que, para engajar as pessoas na questão climática, não é necessário tentar convencê-las a todo custo. Em vez disso, criar oportunidades de ação concretas e compartilhar histórias sobre iniciativas bem-sucedidas podem ser mais eficazes. Ele também reforçou que o medo não é uma ferramenta eficiente para motivar mudanças – mensagens alarmistas tendem a fechar o diálogo e podem não sensibilizar os mais céticos.

3. Novas ferramentas e perspectivas para a transição climática

A Leader’s Quest conduziu um workshop com a metodologia dos “três horizontes” para estimular discussões sobre futuros possíveis e as ações que nos levam a esses cenários. Entre as inovações apresentadas no evento, destacaram-se ferramentas como a Speed & Scale, que monitora o progresso da descarbonização, e a Fortera, uma empresa que desenvolveu uma forma de produzir cimento com baixa emissão de carbono ao redirecionar o CO₂ emitido durante a fabricação.

Outros pontos de destaque incluem investimentos em setores difíceis de descarbonizar. Gabriel Kra, da Prelude, citou a necessidade de capital paciente e de alto risco para investir em tecnologias promissoras. Exemplos incluem o desenvolvimento de armazenamento de energia de longa duração para a indústria do aço e o uso de defensivos biológicos para reduzir a emissão de nitrogênio na agricultura.

Daniel Zavala, do México, ressaltou o mapeamento de metano como uma ação crucial para mitigar emissões rapidamente, uma vez que sua redução tem impacto direto na aceleração da transição climática. Jason Huang, da TS Conductors, propôs melhorar a eficiência das linhas de transmissão de energia para reduzir desperdícios. E Jeff More, da MineSense, trabalha para aumentar a eficiência na mineração de metais como cobre, essenciais para as energias renováveis.

4. Colaboração radical como estratégia para acelerar a transição climática

Mônica Araya liderou a campanha Drive Electric, que impulsionou a eletrificação dos veículos nos Estados Unidos, Europa, China e Índia, mobilizando cerca de US$ 1 bilhão. A campanha começou com 50 organizações parceiras e hoje conta com mais de 100, que promovem mudanças regulatórias em vez de tentar convencer consumidores diretamente.

No workshop sobre colaboração radical, Mônica também compartilhou sua luta para incluir a América Latina no radar da campanha, obtendo um fundo de US$ 1 milhão que apoiou ideias inovadoras na região. Essa abordagem inspirou a Ikea a criar um fundo de US$ 100 milhões para financiar projetos no Sul Global.

O ativista ganês Joshua Amponsen ressaltou a urgência de apoiar financeiramente grupos indígenas e locais, uma vez que, de US$ 12 bilhões  prometidos na COP26 para enfrentar o desmatamento, apenas US$ 815 milhões foram entregues, e apenas 2,4% foram para esses grupos. É essencial promover o protagonismo dos povos indígenas no combate à crise climática, especialmente considerando que aproximadamente 53% dos minerais críticos para a transição energética estão localizados em territórios indígenas.

5. Progresso acelerado e a sabedoria do passado

Em um workshop sobre a COP30 (sim, todos já estão se preparando para a COP30, em Belém), o representante da ONU Nigel Topping apresentou dados que reforçam o potencial para uma transição rápida em diversos setores. Já o historiador Roman Krznaric trouxe o exemplo de Edo (como Tóquio se chamava no século 19), como uma sociedade baseada na economia circular.

Krznaric citou práticas como a reutilização de tecidos e renovação de roupas que mantinham a prosperidade e a sustentabilidade no Japão. Outra referência foi à Espanha do ano 1000. Córdoba promovia uma convivência pacífica entre muçulmanos, cristãos e judeus, um modelo de tolerância que pode ser necessário no futuro diante do aumento de refugiados climáticos. O aprendizado é que olhar para o passado pode oferecer pistas valiosas para estruturar uma sociedade sustentável.

6. Urgência da ação frente à crescente insatisfação e os movimentos de protesto

Krznaric também abordou o poder de movimentos culturais e populares ao comparar o fim das colônias britânicas no século XIX ao ativismo climático. Para ele, ações como as do Extinction Rebellion, movimento britânico que realiza ações radicais para chamar a atenção para a emergência climática (nem sempre bem-vista pelos governos, que costumam prender os manifestantes), são sinais de uma mudança crescente.

Em meio à truculência do Estado, a insatisfação popular segue crescendo. Roman Krznaric concluiu que a crise climática requer urgência e resiliência para mobilizar governos e empresas. Me fez lembrar a frase de Alfred Henry Lewis: “A diferença entre a civilização e a barbárie são apenas nove refeições”. Com base nisso, me pergunto: quantos eventos climáticos estarão entre a inação e a ação pela mudança de governos e corporações? Talvez seja esta a diferença entre a humanidade entortar ou quebrar.

7. Alegria como estratégia para resiliência

O evento foi encerrado com a apresentação da drag queen americana Pattie Gonia, que trouxe humor e leveza ao palco. Com piadas e frases descontraídas, ela envolveu o público em uma dança e destacou que, em meio à crise, a alegria e a conexão com a natureza são essenciais. Segundo ela, a adaptação deve ser “alegre” para manter o espírito humano em sua melhor essência, promovendo união e resistência.

No conjunto, o TED Countdown mostrou que enfrentar a emergência climática exige mais que apenas ciência e inovação: precisamos também de colaboração, empatia e alegria para construir um futuro sustentável e justo para todos. Com esses valores, a humanidade pode encontrar a força para adaptar-se e transformar-se em um modelo de resiliência coletiva.

Indico abaixo alguns materiais de referência:

*Rodrigo V Cunha e Mariana Camardelli são sócios da agência de comunicação Profile e co-organizadores do TEDxAmazônia