Boom de investimentos verdes no Brasil depende de compromisso claro com o retorno ao grau de investimento, escreve Winston Fritsch

Veja o resumo da noticia

  • Brasil e Azerbaijão apresentam ideias para atingir em 2035 a meta de US$ 1,3 tri anuais em financiamento climático para países em desenvolvimento
  • Na COP29, ficou decidido que países ricos vão aportar apenas US$ 300 bi; cifra foi amplamente criticada como insuficiente
  • “Roadmap Baku-Belém” sugere reforma de bancos multilaterais, aportes em fundos climáticos e novos instrumentos financeiros para atrair recurso privado
  • Documento não é uma decisão da COP; Brasil quer aprofundar as alternativas e acompanhar implementação
  • Tema do financiamento climático segue gerando profunda divisão na COP e pode voltar a causar impasses em Belém

Azerbaijão e Brasil, respectivamente presidentes das COP29 e COP30, apresentaram nesta quarta-feira (5) um documento apontando possíveis caminhos para atingir US$ 1,3 trilhão anual em financiamento climático aos países em desenvolvimento a partir de 2035.

O Baku to Belém Roadmap é um compilado de ideias, algumas genéricas, outras mais detalhadas, para vencer o abismo entre a realidade e os recursos necessários para a transição e adaptação climáticas da maior parte do planeta.

Sua função principal é buscar novos mecanismos financeiros e fontes de dinheiro – com ênfase no setor privado –  além dos US$ 300 bilhões com que os países ricos se comprometeram na COP do ano passado.

A lista também inclui mudanças nos bancos e multilaterais e nos fundos globais dedicados ao clima, coordenação entre os países ricos e sugere ideias como taxações específicas sobre aviação, transporte marítimo, armamentos e bens de luxo.

“Se os recursos forem estrategicamente redirecionados – e se a arquitetura financeira internacional for redefinida para cumprir seu propósito original de garantir perspectivas de vida decentes – a meta será alcançável em nosso presente e nosso futuro”, escrevem Mukhtar Babayev e André Corrêa do Lago, presidentes das COPs do ano passado e atual e autores do documento. “Estamos otimistas.”

Rascunho

A tradução literal do título é “mapa do caminho”, mas as 86 páginas são mais um rascunho. Elas contêm contribuições variadas, de ministros das Finanças a economistas premiados com o Nobel, além de sugestões dos países que integram a Convenção do Clima da ONU, a UNFCCC.

O documento não será submetido à aprovação dos quase 200 países que fazem parte do Acordo de Paris, ou seja, ele não é uma decisão da COP nem tem força de lei internacional. Babayev e Corrêa do Lago foram encarregados apenas de produzi-lo.

Mas o plano da presidência brasileira da COP, que começa formalmente em Belém e vai até a próxima conferência, é seguir desenvolvendo as ideias do roadmap e acompanhar eventuais aplicações práticas.

O roadmap não se propõe a oferecer soluções prontas e, mesmo que fosse o caso, a Convenção do Clima não tem poderes para executá-las.

Um exemplo é a reforma dos bancos de desenvolvimento multilaterais. O assunto vem sendo tratado em diversos fóruns, entre eles o G20.

O documento defende uma coordenação maior entre eles e uma atuação estratégica que “amplifique o papel catalítico” das instituições para mobilizar capital privado. A expansão dos Direitos Especiais de Saque, um mecanismo de socorro do Fundo Monetário Internacional (FMI), é uma recomendação.

São iniciativas, porém, que dependem de decisões dos maiores acionistas desses bancos e do FMI – tipicamente países ricos. O mesmo vale para a ideia de que o mundo desenvolvido triplique os recursos colocados nos fundos multilaterais dedicados ao climas.

Estas propostas fazem parte do item “Reabastecer”, primeiro dos cinco “Rs” que compõem a parte principal do roadmap.

Endividamento

O segundo R, de “Reequilibrar”, trata do problema crônico do endividamento dos países mais vulneráveis. Só em juros, o mundo em desenvolvimento pagou US$ 921 bilhões no ano passado, um aumento de 10% em relação a 2023.

O custo de tomar emprestado é de duas a quatro vezes maior para esses países, e projetos de energia renovável podem ter o triplo do valor em alguns mercados, diz o documento.

O roadmap propõe cláusulas relacionadas à resiliência climática, como a suspensão temporária de pagamentos em caso de desastres. O mecanismo foi usado pela primeira vez em 2024 por Granada e São Vicente e Granadinas, dois países caribenhos atingidos pelo furacão Beryl.

Swaps de dívida por ações climáticas ou de proteção da natureza e outras contingências são outras recomendações do roadmap.

A experiência brasileira

Redirecionar fluxos de capital privado é o terceiro R do mapa. Apesar de uma necessidade reconhecida há muito tempo, essa mobilização “tem se mostrado resistente a atingir montantes significativos” , afirma o relatório.

Instrumentos como blended finance – em que fontes multilaterais, públicas ou filantrópicas aceitam risco maior para atrair o investidor privado – somaram apenas US$ 18,3 bilhões em 2023.

Embora não mencionado nominalmente no roadmap, o programa Eco Invest é um exemplo que pode ser reproduzido. Montado em conjunto pelo Tesouro, Banco Central e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Eco Invest já realizou três leilões para atrair dinheiro do exterior para projetos no país.

O Reinvest+, outra iniciativa do BID, também oferece um caminho possível. O programa libera espaço no balanço de bancos privados para que eles possam emprestar mais para iniciativas de mitigação e adaptação climática.

Mas essas experiências têm alcance limitado. Somente 12 de 130 países de renda baixa ou média têm grau de investimento.  

“Países como Índia, Indonésia e México são investment grade, o Brasil está quase lá”, diz Winston Fritsch, colunista do Reset e um dos colaboradores do roadmap. “Mas, dos menores, que são mais de 90, nem 50 têm rating. Nestes casos, precisa de um componente grande de dinheiro público.”

Com os coautores Vera Songwe e Moritz Kraemer, Fritsch argumenta em sua contribuição que é improvável que incentivos de redução de risco sozinhos não sejam capazes de mobilizar mais que US$ 100 bilhões para os países que mais dependem de ajuda.

“Você precisa entender como se formam as expectativas dos investidores privados para esses países. Qualquer coisa que se escreva sobre trilhões de dólares precisa levar isso em conta”, afirma Fritsch.

Ecoando o tema da última carta da presidência da COP30, o roadmap menciona como quarto R a reestruturação: “Governos precisam colocar objetivos climáticos, de natureza e de transição justa em seus planejamentos, orçamentos e frameworks de investimentos”.

Isso significa levar em consideração a resiliência à nova realidade climática como parte integral de processos existentes – o que vai exigir recursos de capacitação.

Novas regras

O R final, de reconfigurar, talvez seja o mais complexo. Regras atuais limitam investimentos transnacionais em países em desenvolvimento, segundo o relatório.

“Regras prudenciais tendem a penalizar investimentos de longo prazo em projetos verdes. Metodologias de ratings soberanos amplificam os prêmios associados ao clima e ao mesmo tempo não dão o valor correto ao papel de compartilhamento de risco de bancos multilaterais”, diz o documento.

As regras de Basileia III, adotadas globalmente depois da crise financeira do fim dos anos 2000, e as regulações prudenciais nacionais precisam de recalibragem para lidar com a nova realidade climática – “sem diluição das suas salvaguardas”.

Se tais mudanças permitissem um aumento de 0,5% nos aportes de investidores institucionais, que administram US$ 180 trilhões, o resultado seriam US$ 900 bilhões adicionais para o clima, argumentam os autores.

Outra proposta é conciliar as diversas classificações nacionais e jurisdicionais que determinam o que são investimentos sustentáveis – as chamadas taxonomias verdes, como a recém-aprovada pelo Brasil.

Pista paralela

Um painel de especialistas independentes convocado por Babayev e Corrêa do Lago vai entregar daqui um ano um relatório de progresso, contendo dados mais apurados e “caminhos financeiros concretos”.

Ao longo do próximo ano, sob a presidência brasileira da COP, a ideia é também ouvir os países e as partes interessadas sobre o tema do financiamento. 

Mas tudo isso, em princípio, vai acontecer à parte da agenda formal da conferência. Em entrevista coletiva no início da tarde desta quarta-feira (5), Corrêa do Lago afirmou que a incorporação do roadmap à agenda oficial não é uma prioridade. 

Isso daria o peso de lei ao documento, mas mesmo uma menção às recomendações feitas no documento dependeria da aprovação por consenso dos quase 200 países que compõem a Convenção do Clima.

“Agora estamos passando [da lógica da negociação para] a lógica da implementação. E, segundo as regras do Acordo de Paris, cada país decide como vai fazer a sua implementação. Não precisamos de aprovações para que as pessoas façam o que quiserem”, afirmou o embaixador.

Segundo ele, o relatório pode dar origem a “uma série de coalizões, de uniões de países”. A busca por recursos também envolve a participação de atores que não são partes formais das COPs – entre eles o setor privado e governos regionais. “Todos os precisam estar envolvidos na implementação.”