Baku, Azerbaijão – Foram anos de idas e vindas, acordos que naufragaram na última hora e frustração generalizada, mas a COP29 encerrou o derradeiro capítulo em aberto do Acordo de Paris.
A decisão foi tomada na noite deste sábado (23), em uma sessão que aprovou alguns outros itens de menor importância na extensa agenda da conferência. O tema principal da conferência, o financiamento para os países em desenvolvimento, seguia em impasse até as 22h do Azerbaijão (15h em Brasília).
O Artigo 6 era uma das prioridades da conferência do clima deste ano. A decisão de bater o martelo mesmo antes da resolução dos outros pontos cruciais da agenda garante ao menos uma vitória para os anfitriões.
Nos corredores, a possibilidade de uma repetição do que aconteceu no fim de outubro na COP da Biodiversidade, na Colômbia, não estava descartada. Sem consenso em Baku, ou as conversas recomeçam em junho na reunião anual da Convenção do Clima, ou então tudo seria empurrado para a COP30, em Belém.
Foram resolvidas as questões de alto nível que faltavam para a implementação prática do Artigo 6, que regula trocas de carbono entre países (ou Artigo 6.2) e cria um mecanismo global para transações de créditos no âmbito da Convenção do Clima (6.4).
As discussões deixam, assim, a esfera da política e passam para a fase técnica. As principais definições estão nas mãos do Supervisory Body Mechanism (SBM), órgão que vai implementar e definir as regras do mecanismo de mercado internacional.
Créditos de carbono, mediante aprovação prévia das metodologias empregadas, serão admitidos para comercialização dentro desse sistema.
Os compradores poderão ser empresas ou países, que usarão os ativos para fazer a compensação (offsetting) de suas emissões de gases de efeito estufa.
Já o Artigo 6.2 trata de acordos bilaterais: países podem vender eventuais reduções (ou remoções) de CO2 excedentes de suas metas nacionais para outros que precisam de ajuda para cumpri-la.
Abaixo, o Reset explica em linhas gerais como funcionarão essas duas modalidades de comércio de carbono e o detalhamento que ainda precisa ocorrer para que o Artigo 6, enfim, passe do papel para a prática.
Um mercado global
No primeiro dia da conferência, a presidência da COP29 decidiu aceitar uma recomendação técnica apresentada um mês antes pelo órgão gestor do que virá a ser o mercado global de carbono das Nações Unidas.
A decisão foi uma maneira de acabar com um impasse político que durava dois anos e dar o empurrão que faltava para remover um obstáculo fundamental para a implementação do mecanismo descrito no Artigo 6.4.
Foram decididas questões importantes sobre o funcionamento do registro dos créditos negociados sob a égide da ONU, uma desavença que contribuiu para o fracasso das negociações na COP anterior em Dubai, e regras sobre a autorização e revogação dos ativos.
De agora em diante, começa uma fase de “regulamentação” do Mecanismo de Crédito do Acordo de Paris (PACM, na sigla em inglês), nome oficial desse mercado mundial.
Para as empresas brasileiras, as definições mais aguardadas envolvem o aceite de metodologias usadas para gerar os créditos de carbono do mercado regulado.
Como se trata na prática de uma chancela da Convenção do Clima, a expectativa é que uma aprovação para transacionar sob o Artigo 6.4 represente o “padrão-ouro” em termos de garantias de qualidade, salvaguardas sociais e integridade.
“Destaco no texto o pedido de que o órgão gestor acelere o trabalho de implementação”, diz Juliana Marcussi, que acompanhou as discussões em Dubai representando a Laclima, organização de advogados especializados em política climática.
Como vai funcionar o mercado
O mecanismo estabelecido pelo Artigo 6.4 não é o equivalente mundial do mercado regulado de carbono brasileiro aprovado no Congresso há quatro dias.
A ideia é que ele seja mais uma ferramenta de cooperação, aumentando o fluxo de dinheiro do Norte para o Sul Global, onde as reduções de emissões custam menos e, portanto, estarão os vendedores.
Considere um projeto de preservação da floresta amazônica, ou REDD+, hoje o mais comum no Brasil. Caso a metodologia para gerá-los seja aprovada pelo SBM, esses ativos poderiam ser vendidos para uma empresa interessada em cumprir metas autoimpostas de descarbonização.
É o mesmo tipo de negociação que acontece hoje no mercado voluntário – com um selo de aprovação que dará mais segurança ao comprador.
As coisas ficam um pouco mais complicadas se a venda for feita para um país atingir a meta de cortes de emissões. Neste caso, a venda precisa da autorização do país de origem, porque as toneladas exportadas terão de ser descontadas em uma ponta e creditadas na outra.
Esses ativos usados para fins das NDCs (metas nacionais perante a ONU) são chamados de ITMOs, sigla em inglês para resultados de mitigação transferidos internacionalmente.
Existe ainda uma terceira possibilidade. Uma empresa pode querer adquirir ITMOs para garantir que suas compensações não sejam efetivamente deduzidas da contabilidade global das NDCs.
A expectativa é que o rigor do SBM se traduza em preços mais altos, o que ajudaria a viabilizar financeiramente soluções naturais para a mudança do clima – como preservação e reflorestamento – e a transição energética.
Na melhor das hipóteses, a expectativa é que as primeiras transações ainda levem pelo menos um ano para acontecer.
Troca entre países
Em comparação com o mecanismo de mercado descrito acima, os acordos entre países são mais simples. As linhas gerais dessa cooperação já estavam quase todas definidas, e mais de 20 acordos bilaterais já foram assinados, com dezenas de outros entendimentos em estágio avançado.
Essas vendas de ITMOs, porém, só são refletidas nas NDCs quando houver um sistema de registro. Também existem medidas que devem ser tomadas pelos países, como a criação de inventários de emissões robustos e a designação da entidade nacional responsável por autorizar a exportação do carbono.
Segundo um levantamento do Centro Climático de Copenhague, pertencente ao Programa das Nações de Meio Ambiente, de 144 pilotos mundialmente, 5 já contam com essa autorização.
Os volumes ainda são muito pequenos, mas demonstram interesse tanto da parte dos compradores (Suíça, Japão e Singapura estão entre os mais ativos) e dos vendedores, como Gana, Tailândia e a pequena ilha do Pacífico Vanuatu.
A NDC brasileira com compromisso para 2035 aponta um teto de emissões expresso numa banda: de 850 milhões a 1,05 bilhão de toneladas de CO2 equivalente.
Um dos motivos é justamente a perspectiva de venda de excedentes caso o país ultrapasse o piso da faixa.