Baku, Azerbaijão – A primeira sessão plenária da COP29 aprovou um dos pontos chave para destravar a implementação do mercado global de carbono previsto no Artigo 6 do Acordo de Paris.
A decisão era esperada havia pelo menos dois anos. Paris completa seu décimo aniversário em 2025 e a criação de um mecanismo mundial de negociação de carbono é a última parte do acordo que ainda não foi completamente regulamentada.
A aprovação que aconteceu ontem diz respeito ao chamado Artigo 6.4, que está sob o guarda-chuva do Artigo 6 e que regula a venda de créditos de carbono dentro de um sistema da ONU, que inclui também a possibilidade de desenvolvedores privados venderem seus ativos para que países cumpram suas metas de descarbonização.
A proposta chancelada – interpretada por analistas como um “ultimato” – partiu da entidade responsável pela gestão do sistema de negociação de carbono. Em outubro, o Órgão Supervisor do Mecanismo (SBM, na sigla em inglês) descreveu os critérios que vão nortear a escolha de metodologias de geração de créditos de carbono e de atividades de remoção de CO2.
O documento foi aprovado na COP29 sem antes passar pelo processo tradicional envolvendo todos os países. Foi justamente nesta etapa que as negociações fracassaram em 2022 e 2023.
Essas definições eram um dos pontos intratáveis do chamado livro de regras do Artigo 6 e levaram ao colapso das negociações em Dubai, em dezembro passado. A opção, acatada pela presidência da COP, foi seguir em frente para que a operacionalização do sistema possa começar a ser desenhada.
Mas, ainda assim, restam pontos em aberto. O texto da decisão afirma que a convenção “toma nota” da recomendação do SBM – o que no linguajar diplomático equivale a uma aprovação –, mas que o trabalho em torno do chamado Artigo 6.4 “não está concluído”.
As primeiras negociações de carbono dentro do novo mecanismo não devem acontecer antes de 2026.
Um mercado global
O Artigo 6 foi concebido como uma forma de transferir recursos dos países ricos para o mundo em desenvolvimento por meio da troca de resultados de redução de emissões de gás carbônico (mitigação), algo análogo aos créditos de carbono.
Isso pode acontecer de duas formas.
O Artigo 6.2 prevê acordos bilaterais entre países. Eis um exemplo hipotético: o governo da África do Sul substitui uma usina térmica a gás de origem fóssil por painéis solares. O CO2 que deixou de ser emitido pelo país pode ser “vendido” para que a Alemanha faça o desconto em sua meta nacional de descarbonização (a chamada NDC, na sigla em inglês).
Os negociadores também ainda precisam chegar a um acordo sobre alguns detalhes do Artigo 6.2, mas como tratam-se de negociações diretas esse mecanismo já está mais adiantado – e várias nações já estão com entendimentos avançados.
Já o Artigo 6.4 permitirá o mesmo a desenvolvedores de projetos privados de geração de créditos de carbono, que hoje fazem suas vendas para companhias que querem fazer a compensação de suas emissões de gases de efeito estufa de forma voluntária, ou seja, mesmo sem obrigações regulatórias.
O SBM será responsável por determinar que tipos de créditos serão aceitos dentro do 6.4. Essas definições técnicas ainda precisam ser tomadas.
Não se sabe, por exemplo, se os créditos gerados em atividades que evitam o desmatamento serão admitidos. Conhecidos como REDD+, estes são de longe os mais comuns no Brasil.
Por causa dos inúmeros problemas de integridade desse tipo de projeto – entre eles um esquema criminoso que operou durante anos no Amazonas em terras griladas pertencentes à União –, um grupo de países liderado pela União Europeia defende a exclusão do REDD+ desse mecanismo da ONU.
O contraponto a este argumento é que mecanismos de mercado, mesmo que imperfeitos, são mais ágeis e podem representar um importante fluxo de recursos para países que precisam de toda a ajuda financeira disponível para proteger sua natureza e realizar a transição de suas economias.
Além de ser uma fonte direta de financiamento, o Artigo 6.4 inclui uma provisão para que 5% de todos os créditos gerados sejam transferidos para o Fundo de Adaptação da ONU, que poderá vendê-los para compor seu caixa. O fundo também vai receber US$ 0,15 para cada unidade emitida.
‘Jeitinho’
A adoção de uma recomendação sem a passagem pela via tradicional da discussão entre as partes foi considerada uma “ousadia” por observadores.
O movimento foi uma tentativa da presidência da COP29 de conseguir uma vitória importante logo na abertura da conferência. Remover os obstáculos para a implementação do Artigo 6 era uma das prioridades dos azerbaijanos – e um objetivo muito mais à mão que as negociações espinhosas sobre uma meta global de financiamento.
“Esse ímpeto positivo é bem-vindo”, afirmou Mukhtar Babayev, o presidente da COP (foto).
Nem todos os países ficaram satisfeitos. “Aceitamos a decisão com alguma relutância”, afirmou o representante de Tuvalu, uma pequena ilha do Pacífico, logo após a aprovação. “Infelizmente, a maneira como a adotamos não reflete o processo conduzido pelas partes. Estamos muito pouco à vontade com a tendência e esperamos que ela não continue.”
O influente centro de estudos Carbon Market Watch, especializado em créditos de carbono, classificou a passagem do documento como uma entrada “pela porta dos fundos”.
O Center for International Environmental Law, uma organização sem fins lucrativos americana especializada em legislação ambiental, descreveu a decisão como uma “manobra que vai enfrequecer a ação climática”.
“Não foi uma vitória para as pessoas ou para o planeta. Aprovar as regras do mercado de carbono sem discussão ou debates abre um precedente perigoso para todo o processo de negociação”, afirmou Erika Lennon, advogada-sênior da ONG.
Foto: ONU – divulgação