Sharm el-Sheikh – A COP27 terminou na manhã deste domingo em Sharm el-Sheikh, no Egito, com um acordo histórico para compensar financeiramente os países mais vulneráveis do mundo pelos prejuízos que eles já sofrem por causa da mudança do clima.
Depois de duas semanas de intensas negociações, incluindo uma ameaça de abandono da União Europeia a horas do desfecho, representantes de quase 200 países chegaram a um consenso sobre a criação de um fundo global para pagar pelas chamadas perdas e danos.
Há décadas demandado pelos países mais pobres e sempre bloqueado pelas nações mais ricas, que temiam ser responsabilizadas ilimitadamente, o acordo é um reconhecimento de que as nações mais ricas, maiores emissoras históricas de gases de efeito estufa, são responsáveis pelos danos causados pelo aumento das temperaturas.
Apesar de ser um marco, o fundo ainda carece das definições cruciais para existir de fato: quem vai aportar recursos e quanto e quem vai recebê-los.
O documento final da cúpula, divulgado às 9 da manhã de domingo do horário local, não conseguiu estabelecer que os países sejam mais ambiciosos nos seus esforços para reduzir as emissões e nem avançou em relação a Glasgow na limitação ao uso de combustíveis fósseis.
Os indianos queriam estender a menção à “redução gradual” da queima de carvão, acordada na conferência do ano passado, para os outros combustíveis poluentes: petróleo e gás.
A proposta tinha apoio de europeus e americanos, mas não foi incluída no documento final por objeção de países produtores de petróleo, como a Arábia Saudita e Rússia, e da China, sob o argumento de que isso representaria um “fardo extra” para os países em desenvolvimento – os chineses precisam despejar mais CO2 na atmosfera para manter a economia funcionando.
O peruano Manuel Pulgar-Vidal, que presidiu a COP20 e é hoje responsável pelas áreas de clima e energia da WWF Global, resumiu como os temas da conferência são inseparáveis.
“O acordo sobre perdas e danos é um passo positivo, mas existe o risco de que ele se torne um ‘fundo para o fim do mundo’ se os países não acelerarem o corte de emissões”, afirmou Pulgar-Vidal num comunicado.
Ao menos a conferência reafirmou a necessidade de manter a meta de 1,5°C como limite máximo do aumento da temperatura global no final deste século, em comparação com a era pré-industrial – algo que no decorrer do encontro esteve em risco.
Batido o martelo na plenária de encerramento, na madrugada de domingo em Sharm el-Sheikh, a sensação inicial entre os exaustos delegados e observadores era de alívio pelo fracasso evitado. Poucas horas antes do fim, ainda se temia que os impasses fossem insuperáveis.
Compensações históricas
A criação do fundo que vai compensar países pobres por um problema que eles não causaram foi uma vitória enorme, diz Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa e veterana de negociações do clima.
A mera inclusão do assunto na agenda oficial da COP27, há duas semanas, já era considerada uma conquista.
Os detalhes operacionais do fundo terão que ser discutidos no próximo ano e aprovados na conferência de 2023. Para isso será formado um comitê com representantes de 24 países e dois copresidentes, um de um país desenvolvido e outro de um país em desenvolvimento.
Quem vai contribuir com o fundo promete ser um dos próximos conflitos. Estados Unidos e os integrantes da União Europeia, os candidatos óbvios, querem que a China também faça sua parte. Mantido o ritmo atual, a expectativa é que em uma ou duas décadas o país seja o maior emissor da história.
Concordar em pagar é uma coisa; transferir o dinheiro é outra. Em 2009, o mundo desenvolvido prometeu US$ 100 bilhões anuais a partir de 2020 em financiamento climático, mas esse total nunca foi alcançado.
Na ponta dos recebedores também pode haver controvérsia. O texto afirma que o dinheiro poderá ser acessado pelos países “em desenvolvimento particularmente vulneráveis”. Será necessário determinar a linha de corte.
Cortes de emissões
Embora alguns países defendessem mais avanços já nesta cúpula em relação à mitigação, jargão da conferência para os cortes de emissões de gases de efeito estufa, ao menos uma decisão importante foi tomada.
Foi definido o funcionamento de um grupo de trabalho para pressionar os países a ir além em suas metas nacionais, conhecidas como NDCs.
O texto “não é maravilhoso e não vai deixar ninguém empolgado”, afirma Stella Herschmann, do Observatório do Clima, que acompanhou as negociações. “Mas criou-se um ímpeto político.”
O Acordo de Paris estabelece que os objetivos nacionais sejam revistos a cada cinco anos. A próxima está marcada para 2025, mas uma avaliação publicada logo antes da COP27 mostrou que elas estão muito aquém do necessário.
A ideia é que sejam revistas anualmente até 2026. Não se sabe como vai funcionar esse mecanismo, mas ele não será prescritivo, ou seja, os países seguirão livres para definir os cortes como desejarem. Também não há punições previstas caso os objetivos não sejam alcançados.
O drama das horas finais
O drama das horas finais da COP27, descrita por veteranos como a mais mal organizada da história, foi atribuído em parte à diplomacia egípcia.
Responsável pela presidência da conferência, ela teria sido pouco transparente na condução das negociações e atrasado demais a divulgação dos rascunhos de decisões.
A sessão final começou às 4h do domingo, dez horas depois do previsto. O ministro do Exterior do país, Sameh Shoukry, abriu os trabalhos pedindo desculpas.
Desde a manhã do dia anterior, delegados e ministros circulavam entre salas de reuniões e rodinhas pelo amplo espaço do centro de convenções Tonino Lamborghini, enquanto trabalhadores desmontavam os estandes.
Entre eles estavam a ministra do Exterior da Alemanha, Annalena Baerbock, e a maior autoridade climática chinesa, Xie Zhenhua.
John Kerry, o enviado do clima do governo americano, participou via internet do quarto do hotel – na sexta-feira ele foi diagnosticado com covid, com sintomas leves.
* O jornalista viaja a convite da International Chamber of Commerce